A MORTE MISTERIOSA E NADA ENGRAÇADA DO PALHAÇO PIOLIM.
Raimundo jogou a bituca de cigarro longe. A praça, os pombos, os velhos na mesa de truco. O homem de meia idade enfiou as mãos nos bolsos. O olhar perdido, alheio ao trânsito caótico. O sol do meio dia. O estômago roncou. -"Raimundo?" Uma voz conhecida. -"Gualberto! Rapaz, achei que era algum cobrador." O outro riu. -"Palhaço." Raimundo o abraçou. -"Sou mesmo. Tenho orgulho de ser palhaço. Eu era!" Ele abaixou a cabeça. O circo Menestrel tinha pegado fogo, há três anos. Os artistas dispensados. Raimundo foi morar na rua, em Bauru. Tinha se separado da esposa Cremilda, que levou o filho, de oito anos, para a Paraíba. Uma tragicomédia pois ele levava tudo na brincadeira. -"Tem feito o quê, Piolim?" Ele riu pois há muito tempo não era chamado por seu nome artístico, que carregava desde os dezoito anos. -"Sobrevivido. Separo materiais recicláveis numa cooperativa." Gualberto o puxou para uma sombra de árvore. -"Meu amigo, um empresário da capital, quer alguém pra fazer uns shows, pensei em você. Eu era o motoqueiro maluco do circo e não sei contar piadas, por isso te procurei. É tipo stand up." Raimundo torceu a boca. -"Que é isso? Nem sei falar isso aí, cara." Gualberto o incentivou. -"Você aprende fácil. Só contar as suas piadas mas no teatro. De pé, só você, o microfone e a platéia." Raimundo se animou. -"E morre quanto? A gaita, bufunfa, faz me rir, money, dinheiro que vou ganhar fazendo essa coisa?" Gualberto riu. -"O empresário ficará com cinquenta por cento da bilheteria, afinal, será ele que providenciará as viagens, hotéis , contato com prefeituras e empresas, marcará shows, fará os cartazes e divulgação nas rádio e jornais. Eu, como seu agente, o ajudarei no palco, dando suporte. Serei sua companhia nas viagens, etc. O agente ganhará vinte por cento da bilheteria e você, trinta!" Raimundo coçou o queixo. Passou as mãos pelos cabelos. -"Humm. Esse negócio dá dinheiro?" Gualberto tirou um recorte de jornal do bolso. -"Veja. São anúncios de shows. Tem que fazer seu nome, fazer rir, ter um diferencial, entende? No começo é difícil, tem que ter um texto bom e isso você tira de letra. Usar fatos atuais no show de uma hora." Raimundo estava descrente. -"Certo. Temos que lotar o teatro pra faturar bem, então." Raimundo já falava como quem tinha aceitado a proposta. -"Isso. Me lembro de como fazia a platéia do circo rachar de rir. Raimundo, você é ótimo." Raimundo estava propenso a aceitar. -"Eu aceito mas vou vestido de palhaço, de Piolim. Não quero mostrar meu rosto, sou tímido. Após o show, ninguém virá me importunar." Gualberto concordou. -"Ficaremos em São Paulo, na casa de minha irmã, Ester. Isso até você achar uma casa." Raimundo estava entusiasmado. -"Cara, obrigado por pensar em mim. Deus o abençoe, Gualberto." O outro estava satisfeito. -"Vamos pra capital, Raimundo? Mudar de vida?" Raimundo sorriu. -"Vamos a sua casa, pegar suas coisas. Meu carro está ali, em frente a lotérica." Raimundo parou. -"Que coisas?! Eu moro na rua. Tenho só uma coberta, creme e escova dental. Numa sacola, debaixo de um banco da praça. Podem ficar lá." Gualberto engoliu em seco. Agora que tinha percebido o quanto Raimundo estava magrelo e mal vestido. -"Bora então, Raimundo. A gente compra outras coisas pra você, fica tranquilo." Durante a viagem a capital, Gualberto falava maravilhas de Dino, o empresário artístico. -"Dino é sócio de casas de shows. É da Mooca, de uma família de italianos. Vamos pra casa de Ester, onde você tomará banho e vai ganhar roupas novas antes de conhecer o Dino. Raimundo, o Piolim será um sucesso. Melhor que esses comediantes de hoje." Eles relembrando o passado de circo, as histórias engraçadas, a vida difícil, as viagens. A capital paulista. A cidade enorme. Raimundo a conhecia, dos tempos de circo, no fim dos anos noventa. Gualberto apresentou Raimundo a Ester. -"Sou Raimundo, o palhaço Piolim." Ester não o cumprimentou. Raimundo estendeu a mão mas ficou no vácuo. O nariz dela coçou. -"Feio, fedido e pobre. Gualberto está louco." Ela pensou, reparando no tênis rasgado de Raimundo. -"Sou Ester. A casa é sua, seu Raimundo." Gualberto e Raimundo estraram. -"Seu quarto, Raimundo. Ester trabalha numa confecção. Até arrumar algum dinheiro, ela lavará e vai cozinhar de graça. Depois, logicamente, ela cobrará por isso." Raimundo concordou. O moço recebeu uma toalha e roupas de Gualberto , que o conduziu ao banheiro. -"Tome um Prestobarba. Pode usar meu perfume. Vai vestir uma roupa minha, por enquanto. Capricha no banho, Piolim." Raimundo fechou o banheiro. Gualberto e Ester tocaram as mãos. Eles foram ao quintal. -"Esse Shrek vai ser melhor que o Ventura ou o Sérgio Mallandro? Gualberto, você bebeu cândida." Ester não parava de rir. Gualberto a encarou. -"Espere e verá. O cara fazia o circo tremer, com piadas incríveis. O Dino, que não é trouxa, vai querer um show particular pra avaliar. Piolim é bom, pode crer." Ester estava incrédula. -"Ele vai acabar com a água da caixa. Vai aumentar a conta de luz, também." A moça entrou e montou a mesa. Gualberto ligou para Dino. -"Nosso showman chegou. Precisa de roupas novas, corte de cabelo, suplementos e vitaminas, frutas, sapatos. Vou passar no escritório. Você o conhecerá. Prepara o cheque, Dino." Raimundo saiu do banho. Ester arregalou os olhos. -"Uau. É outra pessoa, Gualberto." Raimundo estava de chinelo, calça jeans e camiseta. O cabelo penteado e a barba feita. -"Vamos almoçar, Raimundo. Saco vazio não pára em pé." Raimundo estava emocionado, há tempos não sentava numa mesa. Ele abaixou a cabeça e orou em silêncio. -"A gente sempre orava no circo. Com a mesa farta ou não. Muito obrigado, Ester. Obrigado, Gualberto." Raimundo quis tirar uma soneca, após o almoço. A tardezinha, Gualberto e Raimundo foram ao escritório de Dino. -"Esse é o palhaço? Prazer, Dino. Rapaz, Gualberto só fala em você. Piolim pra lá, Piolim pra cá. Não aguentava mais pra lhe conhecer." Raimundo estava tímido. As duas secretárias do escritório o observando, da cabeça aos pés. -"Esse borra botas que vai tirar o Dino da miséria? Se fosse o Jô Soares ou o Tirulipa, vá lá." Cochichou Carol a Camila. -"Estamos na roça. Seremos demitidas, certamente." Dino mostrou o escritório a Raimundo. -"Teremos uma reunião pra definir tudo, contrato e porcentagem de cada um. O que eu quero é lei, saiba desde já pois conheço o mercado, tenho contatos. Gualberto cuidará de você, da sua imagem. Será também seu motorista. Fará um texto, de uma hora, mais ou menos. Apresentará um show particular, a mim e a poucas pessoas. Vamos avaliar, melhorar, cortar isso ou aquilo. Depois disso, se for bem, terá seu contrato e fará os primeiros shows de stand up." Raimundo concordou. -"Está certo. Tudo a seu tempo, só achei que..." Dino o cortou. -"Você não acha nada, Raimundo. Depois de sua primeira apresentação, no ensaio, a gente discute." Dino ajeitou o blazer. -"Carol? Por favor, traga a champanhe de boas vindas ao senhor Raimundo." Gualberto cochichou. -"Empresários são assim, rudes às vezes. Vai se acostumar." Raimundo concordou e observou Dino. -"Que sujeito estranho. Voz fanha, nada a ver blazer com tênis." Camila, a qual Dino nutria uma paixão platônica, gostou de conversar com Raimundo. -"Primeira vez que tomo isso, sempanhe." A moça riu. -"Faz cócegas no nariz, essas bolinhas. Eu, heim." Carol notou que Raimundo tinha charme. -"Com um banho de loja e músculos, até que dava um caldo." Ela pensou. -"Conta uma piada, Raimundo, ou melhor, Piolim." Raimundo corou quando Camila o tocou no braço. -" Raimundo não sabe, só Piolim sabe contar. Vamos lá. O Joãozinho chegou da escola e disse a mãe. A senhora castigaria alguém que não tivesse feito nada? A mãe respondeu que não. Não castigaria de modo nenhum. Joãozinho disse que não tinha feito os deveres da escola." Um silêncio. Dino e Gualberto riram. Camila ficou parada. Carol riu muito. -"Gente. Eu não entendi a piada." Todos riram da moça. Gualberto cutucou Dino. -"Te falei, o cara é bom." Dino viu um futuro rentável a frente. Carol explicou a piada a colega, que riu finalmente. -"Ainda bem que vamos assistir o ensaio do Raimundo. Terei que explicar as piadas pra Camila." Disse Carol. Raimundo estava diferente, dois dias depois. Cabelo vem cortado, roupas novas, a aparência bem melhor de quando chegara. Uma loja de fantasias. Raimundo pediu para Gualberto comprar uma roupa de palhaço. Os sapatos enormes com as pontas voltadas pra cima. O cabelo azul, maquiagem, nariz de palhaço. -"Terá uma semana pra montar o show. Acha que vai conseguir?" Raimundo estava confiante. -"Creio que sim, Gualberto. Darei o meu melhor. " Raimundo passava o dia todo escrevendo, montando um roteiro de piadas. Lia muito jornal e via televisão, captando fatos e adaptando ao show. Ester o ajudava com os textos e a amizade deles crescia. Raimundo cuidava da casa, lavava roupas e até cozinhava. Três dias depois, Gualberto notou uma diferença em Ester. A moça estava sorrindo e se maquiando sempre. Gualberto percebeu os olhares dela pra Raimundo. -"Coisa besta da minha cabeça. Vou passar no escritório." Na madrugada, Gualberto acordou pra tomar água. Uma luz debaixo do quarto da irmã. Risos. Gualberto se escondeu e viu Raimundo sair do quarto de Ester. O moço foi para o banheiro, sem ver Gualberto escondido atrás da cortina. -"O que fazia no quarto de Ester, Raimundo?!" Perguntou Gualberto, no café da manhã. -"Mostrava o rascunho do texto a ela. Ester gostou muito." Gualberto estava irado. -"Mas precisava ser no quarto dela? Não mexa com minha irmã ou não respondo por mim." Raimundo ficou pálido. Gualberto sorriu. -"É brincadeira, homem." Gualberto tirou o revólver e o girou, com destreza . Ester veio da cozinha e estranhou a cena. Sabia da violência e do ciúmes do irmão. Dois dias depois, Raimundo tinha o texto pronto e o leu para Gualberto. -"Está muito bom. Parabéns, Raimundo. Vai ser sucesso." Gualberto ligou para Dino, entusiasmado. O empresário marcou a apresentação de Raimundo para a noite seguinte. Raimundo ensaiava no seu quarto, em frente ao espelho. Os sapatos grandes, a roupa, a maquiagem, o nariz e o cabelo colorido. Raimundo tinha se transformado em Piolim. Lembrou-se da roupa de Dino e riu. Resolveu tirar a roupa de palhaço e vestiu um blazer usado que Gualberto lhe dera. Trocou os sapatos grandes por um tênis. -"Que hilário, melhor assim. Moderno com ar de palhaço, igual aquele empresário explorador." Ele revisou o texto por mais quatro vezes, tendo domínio total de sua apresentação. Dino passou na casa de Camila e ofereceu carona até a casa de shows, onde Piolim faria sua apresentação de estréia, para um público restrito. Dino e Camila encontraram, na entrada da casa, Carol e Fábio, o sócio de Dino. Gualberto, Ester e Raimundo chegaram no mesmo instante. Gomes, produtor musical e amigo de Fábio, levou cinco amigos pra verem a apresentação. Ester abraçou Raimundo e lhe desejou sorte. Camila viu a cena e ficou enciumada. Assim que Ester saiu, Camila foi ao camarim. -"Boa sorte, Raimundo." Ele se virou. A moça o abraçou e o beijou. -"Obrigado, dona Camila." A moça saiu, indo sentar na primeira fila, junto dos demais. Dino olhava para Camila, curioso. A moça abriu a bolsa e pegou uma máscara. -"A pandemia não acabou. Só eu de máscara?" Carol percebeu que a máscara de Camila era pra esconder a boca manchada de batom. Quinze minutos de espera. Gualberto foi ao camarim. -"Pronto, Piolim?" Raimundo fez sinal de positivo. -" Pronto. Se stand up for isso, estou pronto. Espero agradar." Gualberto abriu as cortinas e apresentou Piolim, o palhaço. Tudo escuro. Um holofote no palco, no centro. Piolim entrou. Todos, exceto Dino, riram da roupa de Piolim. -"Que afronta. Esse babaca tá me tirando, com blazer e tênis?!" Pensou Dino, espumando de raiva. Piolim começou o show. -"Olá, sou o Piolim. Esse nome era um apelido de infância. Eu sempre era dispensado da escola por estar com piolhos e eu não falava direito. O que tu tem menino? Eu respondia piolim em vez de piolhos. Piolim, piolim e o apelido pegou. Essa roupa, eu quis dar uma modernizada na roupa de palhaço, acho que caiu legal. O mundo atual, cavalheirismo não existe mais. A filha perguntou a mãe, o que era cavalheirismo? Ela respondeu que era aquilo que o pai tinha até os primeiros seis meses de casamento. Falando em casamento, o casalzinho, na segunda semana após o casório, foram ao restaurante. O noivo disse, lembrando as palavras do padre, que eles eram uma só pessoa, um único ser. A noiva pegou o cardápio e mandou. -"Tá certo, mas vamos pedir dois pratos." Entre família, o papo na varanda, todos reunidos após o churrasco. A menininha perguntou. -"Papai, como eu nasci?" O pai respondeu que foi a cegonha que a trouxe. A menininha perguntou como a mãe dela nasceu? A mãe respondeu que foi pega num orfanato. A menininha perguntou como a tia nasceu? A tia respondeu que tinha sido adotada. A menininha disse. -"Nessa família ninguém nasce de parto normal?!?" O Joãozinho vai pescar com o pai. -"Pai, como os peixes respiram?" O pai respondeu que não sabia. -"Pai, porquê o barco não afunda?" O pai respondeu que não sabia. -"Pai, porquê as árvores são verdes?" O pai respondeu que não sabia a resposta. -"Pai, porquê o rio tem água doce e o mar tem água salgada?" O pai disse não saber a resposta. -"Pai, o senhor não se incomoda que eu faça tantas perguntas?" -"Lógico que não, filhão. Se você não perguntar, nunca vai aprender nada." O pai do Zequinha fica furioso ao ver o boletim do garoto, cheio de notas baixas. -"Na minha época, essas notas baixas eram punidas com uma surra bem dada." Comenta, espumando. -"Da hora, pai. A gente pode pegar esse professor filho da mãe na saída da escola, amanhã." O garoto de três anos chega para o avó, única herdeira de uma grande empresa, ouvindo um disco dos Beatles. -"Vovó, fecha os olhos." -"Uai, pra que fechar os olhos?" -"A mamãe disse que quando você fechar os olhos, a gente vai ficar rico." No recreio da escola, a fila da cantina, dois garotos. -"Cara, tu só tem dois reais? Teu pai é surdo, igual o meu!" -"Certamente. Eu peço cinquenta reais, ele sempre escuta dois." -"Então, filho. O que aprendeu na escola hoje?" -"Um monte de palavras novas, mamãe." -"Legal. Com os professores?!?" -"Que nada. Com os colegas." -"Pai, pai, quero uma bicicleta nova." O pai respondeu. -"Mas a sua não está estragada, Miguel." -"Eu também não mas a mamãe já ganhou um bebê novo." -"O que você tem, Arnaldo. Que cara de enterro!" -"Escrevi aí meu pai e pedi uma grana pra comprar livros." -"Mas isso é bom." -"Que nada, ao invés do dinheiro mandou os livros." Argentinos. São todos modestos. O argentino chegou para seu pai. -"Papá. Cuando yo crescer, quiero ser como usted." O pai perguntou o porquê. -"Para tener um hijo como yo." A mãe, libanesa para o marido. -"Querido, nosso filhinho Samuel engoliu uma moeda." -"Não faz mal, a gente desconta da mesada dele." -"Seu filho está grande, tem treze anos. Compre uma enciclopédia pro garoto." -"Não. Nunca tive uma, ele vai pra escola a pé, como eu." Na academia. -"Minha filha de quinze anos levanta oitenta quilos." -"Meu bebê de três meses levanta todos lá em casa, até os vizinhos." -"Você tem parentes pobres?" -"Sim, mas não os conheço." -"Tem parentes ricos?" -"Sim mas eles não me conhecem." Piolim emendava uma piada na outra, fazendo o show passar de duas horas. Gualberto estava com dor na barriga, de tanto rir. Dino estava satisfeito, aplaudindo ao fim do show. -"Esse cara é bom, um astro." Disse Fábio a Dino. -"Faz o contrato logo ou a equipe do Porchat o pega." Aconselhou Gomes a Dino. Raimundo tirou a maquiagem e se juntou aos outros. -"Por um momento não vi o Raimundo, só o Piolim. É outra pessoa. Muito bom." Disse Carol a Raimundo. Horas depois, Dino redigiu o contrato. Gualberto e Raimundo leram cada detalhe do documento, pra não haver dúvidas ou divergências futuras. Raimundo faria shows na casa, às sextas-feiras. Horário de vinte horas. Desses shows, sairiam vídeos e material para as redes sociais, a fim de divulgar o artista. Fábio teria participação em quinze por cento, da bilheteria dos shows na casa, apenas. Seis meses depois, Piolim ficou conhecido, sobretudo no Tik Tok. Milhões de visualizações com seus vídeos. Piolim tinha shows marcados em todo o estado. Uma agenda cheia. Dino faturava horrores e comprou a parte de Fábio, ficando dono de toda a casa de shows. O empresário comprou uma casa no Morumbi. Piolim passou a aparecer nos programas de tevê. Apareceu no programa do Ratinho, Eliana e Danilo Gentili. -"Telefone pra você, Raimundo." Disse Ester, agora secretária do artista. -"Carlos Alberto? O de Nóbrega? Sério?" Raimundo teria uma participação na A Praça é Nossa, o famoso programa de humor. Um contrato de três meses como experiência. Gualberto pegou uma champanhe pra comemorar o sucesso de Piolim. Dois anos depois. Raimundo , alavancando pelo sucesso no SBT, tinha shows marcado por todo o país. Ele procurou Dino, com Gualberto e Ester a seu lado. -"Quero mudar o contrato, Dino. Sou conhecido agora e temos que rever as coisas." Dino não se opôs. -"Está bem. Nada mais justo." Raimundo queria ter mais participação, não achava certo o empresário ganhar tanto. -"Gualberto não aguenta as viagens e quer sair, você sabe. Ester ficará no lugar dele, com vinte por cento do bolo. Você e eu ficaremos com quarenta por cento. Que acha?" Dino pensou por um instante. -"Está bem. Aceito." O empresário já tinha lucrado muito sobre Raimundo. -"Uma viagem a Europa. Quero também conhecer a Disney." Disse Raimundo a Camila. -"Você vai comigo. Ester e Gualberto vão, certamente." Disse Raimundo, comemorando a chegada de seu passaporte. Por duas semanas, eles viajaram aos Estados Unidos e Europa. -"Nunca tive férias, vejam. Agora posso morrer pois conheci a Disney." Vibrou Raimundo, na terra do Mickey. Um dia, Dino se reunião com Gualberto e Raimundo. Fábio chegou, abraçado a Carol. O namoro deles era recente. Todos estavam surpresos com o romance. Camila chegou. -"Carol. Não pegou Raimundo ao qual julgava mendigo mas pegou o tonto do Fábio." Cochichou Camila a amiga, sem graça. -" Você se deu bem. Sabe que Dino é louco por você mas agarrou o palhaço quando viu que ele iria enriquecer." Retrucou. Raimundo, cada vez mais famoso, estava satisfeito. -"Meses depois, Dino pegou seu BMW para conhecer a casa que Raimundo tinha comprado, num luxuoso condomínio fechado. O empresário socou o volante do carro, ao ver Camila saindo da casa. Ela e Raimundo se beijaram, antes dela entrar no táxi. Possesso, Dino deu meia volta e foi embora. Raimundo e Ester se encontrava diariamente com Raimundo, cuidando de sua agenda. Camila deixou Dino e passou a trabalhar com Raimundo. Aparecendo na mídia, ao lado de Piolim, Camila ficou conhecida e até participou de reality show. Ela dividia um programa de entrevistas numa tevê local , tendo o tempo para a faculdade de jornalismo. Raimundo a incentivava muito. O artista saía do condomínio quando o porteiro o parou. -"Aquela mulher disse era sua esposa, está há oito horas na portaria, procurando o senhor." Raimundo viu Cremilda, de longe. Um rapazote com ela. Raimundo saiu do carro. -"Cremilda?" A mulher sorriu. -"Raimundo? Você tá rico, maluco!" Raimundo disse ao porteiro pra não abrir o portão. Cremilda nunca tinha visto carro tão bonito. -"Bem vestido, Raimundo. Abre o portão." Raimundo foi até a grade. -"Quer entrar pra quê? Esse rapaz não é meu filho mas do mágico Lineu. Vai embora, Cremilda." A mulher chorou. -"Minha mãe está doente Raimundo. Fomos felizes, lembra?" Ele não se comoveu. -"Desapareça. Aquele Raimundo não existe mais, você não existe." Raimundo entrou no carro e deu meia volta. Contou tudo a Ester. -"Que oportunista, Raimundo." Ester o amava, secretamente. No outro dia, estando Raimundo ausente, Ester contou tudo a Camila. A moça ficou preocupada com Cremilda por perto. -"Agora com Piolim tendo canais na internet, fazendo podcast e faturando alto, essa lambisgóia volta. Vou matar essa mulher se ela importunar Raimundo." Camila socou a mesa, assustando Ester. Dino estava num cruzeiro pela Grécia quando o celular tocou. -"Não creio! Mentira, Camila! Diga que é mentira." A moça chorava. -"Veja no site do UOL. Mataram o Raimundo." Dino se desesperou. Ligava freneticamente para seus contatos. Ele desembarcou e alugou um jato até Londres. Teria que retornar ao Brasil. Naquele momento, Ester ligou para Gualberto, que se tratava numa clínica e correu até o condomínio. Ester e Camila aos prantos. A cozinheira passou mal pois adorava Raimundo. Gualberto saiu do condomínio e foi ao local do crime, uma pensão na Barra Funda. A polícia. O local isolado. Os repórteres. -"Sou amigo dele, antigo agente. Quero entrar." O policial Amorim o acompanhou. -"As imagens são fortes. Venha." O quarto. O delegado falava com o proprietário. -"Piolim, ou melhor, Raimundo chegou aqui. A antiga companheira esteve aqui. Teve discussão. Eles saíram de carro. O dono não os viu quando retornaram. Os três tiros. Raimundo estava só, morto." Gualberto chorou. O cadáver coberto com plástico preto. -"Seja forte." Amorim retirou o plástico. Raimundo estava de bruços. Dois tiros na cabeça e um no peito. -"Foste feliz por um breve tempo e eternizou Piolim. Meu amigo, Raimundo." O país em choque. A foto de Piolim fechou o Jornal Nacional. William Bonner com a voz embargada. Sônia Abraão dedicou horas ao crime de Piolim. Os depoimentos de Matheus Ceará, Paulinho Gogó, Fábio Ventura e Marcelo Adnet, todos amigos de Piolim, na tevê. Um velório rápido, uma cerimônia particular. A cremação. Raimundo tinha feito um testamento com seu advogado, como se soubesse que seu fim estava perto. Deixava a bela quantia de dois milhões a Cremilda, pra que ela cuidasse da mãe e do filho. O resto dos bens, divididos entre Gualberto, Ester e Camila. A namorada herdaria a casa no condomínio. Cremilda chorou muito. Foi entrevistada pela tevê. Era a principal suspeita pois Piolim morreu no quarto de pensão que ela ocupava. -"Saímos pra almoçar. Ele me levou ao aeroporto, tadinho. Não me deixou viajar de ônibus pra Paraíba." -"Você o matou e viajou, dona Cremilda? É a principal suspeita." Insistiu o repórter. A polícia trabalhou durante uma semana, investigando o crime. Camila era a principal suspeita, disse Ester ao delegado. -"Ela ficou furiosa com a aproximação de Cremilda." O delegado entrevistou Gualberto. -"Eu jamais faria mal a Piolim. Eu o trouxe para a fama, delegado. Ele me deu um bom dinheiro, embora eu merecesse mais. Pra mim, Cremilda contratou o matador." O delegado se opôs. -"Ela teria dinheiro pra isso?! Ela não sabia do testamento, não eram casados formalmente. Não roubaram nada, não teve roubo. Alguém o queria morto e conseguiu." Gualberto concordou com o policial. Camila e Dino também deram depoimento. -" Acho que Ester o matou. Ela o amava, delegado. Em segredo mas amava. Dava pra ver que Ester era gamada no Raimundo. Gualberto sempre dizia isso." Dino se reuniu com Gualberto, Ester e Camila. -"Nosso Piolim se foi. Meu mundo caiu." Disse Dino, com a camiseta estampada com o palhaço. -"Eu senti raiva, confesso. Aquele blazer era pra me imitar. Nunca ia mandar matar, como a mídia fala. Tudo que tenho devo a ele." O delegado deu uma coletiva a imprensa. -"O senhor Dino estava num cruzeiro. Seu celular foi investigado e não há provas da participação dele no ocorrido. As senhoras Camila e Ester estavam na casa. Imagens comprovam que não saíram do condomínio. Nada sabiam da existência do testamento. O senhor Gualberto esteve na clínica, por dois dias não saiu do local referido. Está descartada sua participação. O vôo da senhora Cremilda saiu às quatorze. Há imagens do falecido, com ela, no saguão do aeroporto. Há imagens também, da câmera de uma farmácia, em frente a pensão, em que o falecido Piolim entra na pensão às dezesseis horas. Os tiros foram às dezesseis e quinze, segundo os peritos e o depoimento do dono da pensão, ou seja, o atirador já estava no quarto. A senhora Cremilda estava no avião, o que a redime. O assassino é outra pessoa." O delegado recorreu aos informantes. Nenhuma pista, nenhuma novidade. A polícia voltou o foco sobre Fábio, o antigo sócio de Dino. O empresário foi convocado a delegacia. Uma hora na sala do delegado. O telefone investigado. Os passos de Fábio no dia do crime. -"O senhor não acha muito pouco ter apenas quinze por cento da bilheteria? Não merecia mais?" Fábio se ajeitou na cadeira. O escrivão atento. -"Para mim era muito. Dino o descobriu , quer dizer, Gualberto. Dino investiu muito no palhaço." O delegado não estava satisfeito. Se tinha alguma pista a seguir, passava por aquele empresário. -"A arma não era sua, o que o inocenta. O senhor estava no Guarujá, no momento do crime. Sozinho?" Fábio foi sincero. -"Sim. Tenho fotos da reunião de seis horas, nem fui a praia." O delegado passou as fotos. -"Já ouvi a cozinheira, os porteiros do condomínio, o dono da pensão e até os peões da obra na rua da pensão. Nenhuma pista, senhor Fábio. O delegado colocou as fotos na mesa, a frente do homem. -"Raimundo, a vítima. Dino, o empresário. Fábio, o senhor. Ester, a agente. Gualberto, o descobridor e antigo agente. Carol, sua namorada. Camila, a namorada de Raimundo. Cremilda, a antiga companheira. Há um fato aqui, uma coisa que une a todos. O senhor Raimundo ou Piolim, como o conhecem, beneficiou a todos com seu talento, com a divisão de lucros, dando oportunidade a todos, correto?" Fábio concordou. O delegado bateu o dedo na foto de Carol. -"Exceto pra essa pessoa. Carol trabalhava para o senhor Dino, no escritório da casa de shows. Ela e a senhora Camila. Os quinze por cento da bilheteria impulsionaram seus ganhos. O senhor vendeu a sua metade, na casa de shows, por um bom montante, eu sei. O senhor Gualberto trocou de casa e carro. A senhora Ester saiu do emprego e ganhou muito mais como agente. Muito mais mesmo. A senhora Camila tinha um belo salário, com Piolim e na tevê. Dino, o empresário, comprou carros, iate e mansão. Viajava pra Europa, em cruzeiros." Fábio suava. -"Já sei, delegado. Carol é a única do circo de amigos que não ganhou nada. Está desempregada no momento." O delegado vibrou. -"Exatamente. Ela foi ao shopping, na Barra Funda, no dia do crime. Cremilda recebeu um bilhete de um garoto, na rua da pensão, com o telefone pessoal da vítima. Foi assim que a senhora Cremilda teve contato, por telefone, com Raimundo, que omitiu o fato da senhora Camila e dos outros. Pouquíssimas pessoas tinham o telefone pessoal de Raimundo, entre elas, a senhora Carol. Câmeras do shopping mostram a moça entrando no shopping, naquela tarde. Ela me mostrou um bilhete de cinema do shopping, o que a inocenta." O policial olhou fixo para Fábio. -"Isso me alivia. Por vezes, Carol me dizia que eu merecia muito mais dos lucros da bilheteria pois era sócio da casa. Admito inveja, visto que Dino se deu bem e fez por onde merecer isso." O delegado torceu a boca. -"Ela era insistente nisso? Que era injusto? Isso a incrimina." Fábio se inclinou. -"Eu achava que era ciúmes bobo, essas coisas. Não dava importância." O delegado abriu o notebook. -"Imagens das câmeras do shopping. Veja, essa moça de lenço e óculos escuros. Está de jeans e jaqueta azul. Ela sai do local. Está vestida diferente da senhora Carol, que está de jeans e camiseta branca, no cinema. As imagens da frente da pensão. Outra moça, loira e mais forte. Óculos escuros e camiseta verde. Ela entra na pensão, dez minutos após o senhor Raimundo chegar. Não tinha ninguém na recepção. Ela sai, após o crime e desaparece. Um mistério. Refizemos o percurso do shopping a pensão, daria tempo pra matar e voltar. Para mim, a senhora Carol o matou." Fábio estava nervoso. -"Não é a Carol, essa é mais forte. Loira." O delegado continuou. -"Não temos imagens da mulher misteriosa retornando ao shopping mas a senhora Carol, de certa forma, voltou ao shopping, após matar o palhaço. As imagens não mostram ela saindo do shopping, com a mesma roupa que entrou. Do shopping até a pensão são doze minutos de carro." Fábio olhou bem as imagens. -"Os tênis são de cores diferentes. Não é a Carol." Disse Fábio, mexendo a cabeça negativamente. -"A senhora Carol foi ao condomínio, onde consolou a senhora Camila e a senhora Ester. Uma atitude louvável, sem dúvida. O senhor está preso pela morte do senhor Raimundo, vulgo Piolim." Os policiais algemaram Fábio, incrédulo e gritando que era inocente. -" Sou inocente, não sou assassino." O delegado se aproximou dele. -"Por um momento até acreditei que a senhora Carol tinha saído, disfarçada do shopping, trocado de roupas e matado o palhaço mas as imagens do sistema de segurança do condomínio a mostram chegando, com a mesma roupa. Ela soube da notícia e foi direto ao condomínio. Vasculhamos seu escritório e sua casa, onde encontramos a arma do crime e sinais de uma fogueira no quintal. Poucos vestígios mas alguns minúsculos fios de uma peruca loira. De fato, a mulher das imagens da pensão era um pouco mais forte. Alguém com força suficiente pra arrombar a porta." Acuado, Fábio confessou tudo. -"Fui eu. Carol é inocente. Por vezes ofereci meus serviços ao Piolim, dando-lhe sessenta por cento de tudo. Ele deveria abandonar o trouxa do Dino." O delegado abriu o notebook. -"Eu menti. Tenho as imagens da senhora Carol, saindo do shopping, sabia? Vestimos alguém como o assassino. As roupas iguais, óculos e a peruca. Um especialista forjou as imagens, a data e horários. Todos tinham um forte álibi, menos o senhor. A senhora Carol tinha razão quando disse que o senhor, como sócio de Dino, teria que ganhar muito mais. Isso deve ter sido um tormento, não? O sócio no cruzeiro e o senhor trabalhando duro, ganhando quirela! A senhora Cremilda me revelou que Raimundo, a caminho do aeroporto, tinha lhe confidenciado que alguém o tentava, secretamente, a mudar de empresário mas ele se manteria fiel a Dino. Uma revelação besta mas que mudou toda a investigação." FIM