MADELEINE E O FUGITIVO DO INFERNO.

Ele previu cada detalhe de sua fuga, tudo mesmo, exceto a noite de lua cheia que denunciava sua presença em campo aberto. Enfim chegou a área de pântano. O homem encharcado e quase sem fôlego olhou para o céu do México. Era preciso correr. Os latidos de dobermans fez o homem arregalar os olhos. Antony Perkins continuou sua corrida para a liberdade. Estava há quatro anos na penitenciária, devido a uma centena de furtos, tráfico de entorpecentes. O julgamento, a condenação a oito anos de reclusão. O americano apanhou muito na prisão, até ganhar uns poucos amigos e se tornar o queridinho de alguns guardas corruptos. Ele não queria ficar alí. Um dos guardas lhe contou do pedido de extradição. Ser deportado para os Estados Unidos significaria sua sentença de morte na cadeira elétrica, devido aos seis assassinatos no Oregon. O mapa da região estava gravado na sua mente, estudado minuciosamente durante meses. O rio estava a poucos metros. A ferida na perna doeu mas ele precisava avançar. Sentiu o sangue gelado escorrer e entrar no sapato do enfermeiro que tinha matado. Perkins trocara de lugar com o enfermeiro, numa das visitas periódicas da equipe médica a prisão. Perkins conseguiu um emprego na biblioteca, onde lia livros sobre a geografia mexicana, em especial da área em volta da cadeia. O bom comportamento e um curso de enfermagem o levaram a auxiliar na enfermaria. Perkins revolucionou o local e passou a instruir os detentos, fazendo o número de doenças e ferimentos caírem pela metade. Isso foi motivo de elogios do diretor. Perkins arquitetava a fuga magistral. O sistema de esgoto era uma opção antiga mas ele soube, pelos guardas, do alto número de fracassadas tentativas. Era grande o número de fugitivos mortos. Achou que era blefe dos guardas mas ele comprovou a veracidade pelas manchetes de antigos jornais. -"Deve ter um meio, engenhoso e seguro." Pensava enquanto tomava o banho de sol com a centena de detentos. O cigarro na boca e olhos atentos a cada detalhe. A visita periódica da equipe médica de Compostela. O enfermeiro Malcon sempre ia ao banheiro. Perkins passou a trabalhar na enfermaria da prisão e estudou cada detalhe do enfermeiro. Duas semanas antes ele raspou o cabelo. O guarda Nico lhe arrumou uma peruca por cem dólares. A visita da equipe médica durava duas horas, invariavelmente. Uma faxina na sala do diretor e Perkins viu, no monitor, que a câmera não filmava a porta do banheiro da enfermaria. No dia da inspeção médica, Perkins e três outros detentos foram escalados para ajudar no procedimento. Um carrinho cheio de caixas de medicamentos para o almoxarifado. Malcon pediu ajuda e Nico chamou Perkins. O banheiro. O enfermeiro suando. -"Vou me aliviar, amigo." O rapaz entrou. -"Vai lá, ficarei aqui. Não vou sair." Perkins olhou para o corredor vazio. A porta abriu. Perkins se jogou sobre o rapaz, esmagando sua cabeça na parede, violentamente. Perkins o puxou e o despiu. O tênis, os óculos escuros. As roupas. Em instantes, Perkins havia se transformado no enfermeiro. -"A peruca." Colocou seu uniforme e a peruca no rapaz e o estrangulou. Perkins saiu do banheiro, empurrando o carrinho. No almoxarifado, descarregou a carga e voltou ao portão. Andava igual o enfermeiro, mancando do pé esquerdo. Nico, mais interessado no futebol pelo walkman, abriu o portão sem olhar para ele. Perkins ergueu o polegar e saiu. O motorista no furgão, tirando um cochilo. Perkins bateu na lataria e o motorista abriu a traseira do veículo. Perkins colocou o carrinho no baú. Ele deu a volta e sentou-se ao lado do motorista. Dez minutos intermináveis e a equipe médica saiu. O doutor Hernandes e as duas enfermeiras. Uma das mulheres sentou-se ao lado dele. O médico e a outra viajariam atrás. Perkins olhou o relógio. Em dez minutos teria uma revista geral e dariam por sua falta. O furgão partiu. -"Odeio essas visitas. Esses imbecis repugnantes nos comem com os olhos." O motorista sorriu e ligou o rádio. -"Vamos ao Paladinos beber, Malcon?! Está fedendo, meu amigo." A moça ficou em choque. -"Você não é o Malcon!" O fugitivo deu-lhe uma forte cotovelada, abrindo seu supercílio. A enfermeira desmaiou. -"Não quero matar mais um, siga pela rodovia." O motorista tremia. Perkins pediu pra parar o furgão no acostamento, abriu o porta luvas e achou um revólver. Naquele momento, as sirenes da prisão soaram, anunciando uma fuga. Nico e o diretor foram a cela de Perkins. Os mapas no meio da Bíblia. -"Ele foi pra Compostela." Disse o diretor, pedindo reforços. Perkins saiu do furgão e travou o baú. O motorista se ajoelhou. -"Misericórdia. Tenho família." Perkins sorriu e atirou na cabeça do rapaz.

A enfermeira acordou e avançou sobre ele. Perkins a dominou e a estrangulou até a morte. Perkins pegou os documentos do motorista e correu pra dentro de uma área de mata, ao lado da estrada. Ele correu na direção de Sierra Madre, mais perto da fronteira com os Estados Unidos. Ao pular uma cerca, rasgou a perna no arame farpado. -"Tenho que seguir. Sierra Madre é minha chance." O diretor foi comunicado do encontro do furgão. -"Perkins matou dois, o motorista e a enfermeira. Ele não pegou o furgão." O diretor, na tarde do dia seguinte, olhava o mapa. -"Que rapaz ousado. Deve ter ido pra fronteira. Sierra Madre, é isso." Perkins viu as luzes da cidade, ao anoitecer. Roubar um carro e atravessar a fronteira. Era seu plano final até o Oregon. Do alto do morro, entre as árvores, ele rumava pra cidade quando ouviu som de helicóptero sobrevoando o local. Os latidos dos cães novamente. Eles tinham achado seu rastro e estavam no seu encalço. Perkins viu uma casa. -"Parado ou atiro." O policial a dez metros dele. Perkins, protegido por uma árvore e a escuridão, atirou primeiro. Os tiros do policial. -"Alí. Os tiros vieram daquele lado." Gritou um dos policiais. O fugitivo caiu. O policial estava morto. Perkins se levantou e pulou, deixando o corpo deslizar pelo barranco. A casa. Uma entrada de um porão. Perkins estava a salvo. Um porão fétido, cheio de quinquilharias e móveis antigos. O fugitivo se cobriu com uma lona preta e adormeceu. -"Quem é você?" Os raios de sol passavam pelas frestas da madeira. Ele calculou que dormira por horas. A garota de sete anos a sua frente. Loira, olhos azuis e vestido florido. Um sorriso angelical. -"Sou Madeleine. Não tenha medo." Perkins sorriu, nervoso. -"Medo? Não tenho medo, garota. Sou um missionário e me escondi aqui de uns salteadores." Madeleine se virou e saiu. Perkins não podia andar. Estava fraco e a ferida sangrava. A menina retornou a noite. -"Trouxe maçã e água, moço. Você irá embora em breve." Perkins sorriu. -"Você mora sozinha? Pode me dar cigarros?" A menina brincava com uma boneca. -"Somos pobres. Sem cigarro. Mamãe é Estela. Sebastian é meu irmão." Perkins tentou ficar em pé. -"Só posso vê -lo a noite. Tem muita gente querendo falar com você. Elton, sei que você pediu misericórdia. Malcon, o enfermeiro, ele gostava de você. Ele está aqui. Ele irá embora em breve." Perkins sacou o revólver. -"Como sabe de Malcon, fedelha? Quem é Elton?" Madeleine continuou a brincar. Perkins olhou os documentos. Elton era o motorista do furgão. Ele se arrepiou. -"Quem é você? Fantasma, bruxa, medium?" A menina foi embora. Assim que anoiteceu, Madeleine voltou ao porão. Perkins a segurou e desceu com ela. Sebastian estava vendo tevê. Estela tricotava no sofá. Um gato miou e saiu da sala ao ver a menina. -"Chapolim sentiu a sua presença, Antony." Estela pegou a filha e a colocou numa cadeira. -"Hora da injeção, Madeleine." A menina gritou. -"Ele está na armadilha. A armadilha." Após a injeção, Madeleine dormiu. -"Essa louca, era bom que a internasse no manicômio, mamãe." Estela acariciou a filha. -"Ela é autista. O dr. Almeida pediu paciência com ela." Perkins voltou ao porão. Na manhã seguinte, o som de sirenes. Perkins viu policiais em volta da casa. Estela deixou que revistassem a casa. -"Há um fugitivo na área. Sua capivara é extensa, com mortes até. O cara é um demônio e evaporou no ar, como que por encanto. Deve estar ferido." Relatou o policial Alejandro. Estela foi objetiva. -"Não vimos nada. Ninguém. Nenhuma alma viva." Madeleine desenhava. Ela mostrou um desenho na direção do policial, que já entrava na viatura. -"A armadilha. Antony está lá e vai embora em breve." Alejandro voltou. -"O que disse? Antony?! É o nome dele!" Os policiais voltaram pra casa. -"Que armadilha é essa?" Estela olhou para o filho. -"É um buraco no morro. Meu pai usava pra pegar animais. Está coberto com galhos." Os policiais se olharam. Perkins viu os policiais ao longe, subindo o morro com Sebastian. Perkins desceu as escadas. -"Você irá embora, Antony." Disse Madeleine, atrás dele. Perkins puxou a arma. -"Vou ver isso de perto e voltarei pra te matar, fedelha. Tinha que falar meu nome àqueles guardas? Você, sua mãe e o boboca do Sebastian vão morrer." Perkins subiu o morro. Os guardas ao redor de um buraco. Alejandro com uma laterna. -"Lá está o diabo. Vai pro inferno, Antony Perkins." Perkins se aproximou e viu o cadáver no buraco. -"Piada sem graça. Aquele não sou eu." Sebastian o encarou. -"Vai lá comprovar, valentão." O rapaz espantou os policiais. -"Desculpem. Eu estava no celular, um vídeo game, frase de videogames." Perkins lembrou da troca de tiros e que tinha caído por um instante. -"Merda. Eu morri aqui? Não me safei?" Sebastian apenas consentiu com um balançar de cabeça. Horas depois, Perkins, desolado e mudo, viu as equipes de bombeiros tirarem o cadáver da armadilha. -"Hora de ir, rapaz." Perkins olhou para os lados, sem ver ninguém. Sebastian voltou pra casa e abraçou Madeleine. -"Eu o vi. Falei com ele, Madeleine." A menina não demonstrou reação, pegou a boneca e foi para a sala, perto da mãe. -"Tudo bem, Sebastian. Ele já foi embora." Disse Estela. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 17/03/2022
Reeditado em 19/03/2022
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