Noite de Festa
Quando me levanto, meus olhos se encontram com uma escuridão total. No tempo em qual olho a hora e, com um espanto, começo a me arrumar, penso em como eu sempre tenho acordado atrasado nessas últimas semanas. Minha chefe, às vezes, faz menção de me estrangular, mas vejo em em suas brincadeiras muita paciência, ao mesmo tempo que também que percebo que toda paciência se esgota. Com medo de perder o meu ganha-pão, me visto ainda mais rápido e saio para o corredor, dando uma olhada na janela que dá para a mata atrás do condomínio. A escuridão parece engolir o mundo, mas eu escuto, ao longe, o som de um bloco e gritos femininos e masculinos. É noite de carnaval, e eu odeio isso.
Cruzo o corredor ainda fechando a jaqueta. O frio envolve meus ossos com seu manto gélido, e não me sentirei bem até estar totalmente aquecido. Paro em frente ao elevador e aperto o botão. Parece que espero por horas. Ninguém está no corredor, só eu. Eu e a sorte. Eu e Deus. Sempre vivi sozinho, mas, nessa noite, bem que eu queria uma companhia, talvez uma garota para esquentar minhas partes íntimas. Mas não saio com nenhuma garota já faz séculos, e tenho passado a vida acordando no escuro e dormindo na brisa da manhã.
O elevador enfim abre, e meu coração dá um salto quando olho para o interior dele. No canto, está uma pessoa. Não sei dizer se é homem ou mulher, mas está vestido de forma engraçada. Usa um chapéu de bobo da corte, roupas coloridas e uma máscara sinistra. Não falou nada quando eu entrei, ou sequer olhou para mim. Me pergunto se não seria alguém tentando me assustar.
- Está muito frio, não é? - Eu pergunto, tentando driblar o clima. Apesar disso, o ser não emitiu qualquer reação. Continua estático, olhando para frente.
Examino melhor sua máscara. Parece uma daquelas máscaras antigas que os gregos usavam para encenar suas peças. No entanto, essa tem alguns desenhos além da expressão cômica. Suas roupas são mesmo de um bobo da corte.
Me lembro da lenda do segador. Diz, por essa parte da cidade, que esses prédios antigos sempre têm um segador. É um ser das trevas que, se cruzar com você, só lhe traz desgraça. Ora, não tem como esse cara sacana ser um segador, é um pensamento bobo, e eu só estou deixando me levar pelo frio e pelo silêncio.
O elevador está quase chegando no térreo, e meu coração dá um suspiro de alívio. Mas minha felicidade dura muito pouco. O solavanco quase me leva ao chão, embora a pessoa fantasiada não mexa um músculo.
- Droga! O que..
O elevador parou. Merda. Parece que tudo está tentando me assustar. Queria que o fantasiado fosse pelo menos alguém comunicativo, que possa compartilhar a dor de uma elevador travado comigo. Mas isso não acontece. Ao invés disso, a pessoa mascarada vira, levemente, o rosto na minha direção, é então que percebo que sua máscara tem realmente um buraco para os olhos.
Desvio o olhar, com medo. Estou assaltado de medo, não consigo negar. Me levanto e começo a apertar, na maior velocidade que consigo, o botão do térreo. Em seguida, dou dois passos para trás e me escoro na parede do elevador, buscando segurança. Por dentro da jaqueta, estou começando a suar.
Sinto a presença da morte. Um cheiro de flores se faz presente no ambiente.
- Quem é você?
Apesar disso, não há resposta. É então que percebo. Seus olhos totalmente negros por detrás da máscara se revelam como um grito no silêncio. Minha cabeça começa a girar a girar, nem percebo que o elevador continua a descer. Só me lembro do segador.
Quando a porta enfim abre, saio cambaleando pela entrada do condomínio.
- O que é isso, senhor Saulo? Viu um fantasma?
O porteiro é bem companheiro, mas não consigo respondê-lo. Além de trabalhar na noite de carnaval, tenho que aturar fantasmas e alguém bem-humorado. Quando estou na rua e o vento frio envolve meu corpo, meu celular toca como nunca. Atendo com a mão tremendo.
- Alô?
Há silêncio por alguns segundos.
- Saulo? Saulo! Por favor, sua mãe… ela…. aconteceu algo! Saulo! Saul….
E então eu entendo tudo.