O colecionador de ternos
Névoa densa, do jeito que gostava. Uma manhã cinzenta e fria num verde interior subtropical. Mais cedo neblinara um pouco, mas o que não se pôde ver mesmo foi um feixe, por mais leve que fosse, áureo matutino. Novamente: do jeito que gostava.
Vestiu-se como o exímio janota que era.
E, em sua andança naquele véu, sumiu, unindo a imagem do homem de terno níveo à névoa.
Passou em frente à gótica capela. Viu portas fechadas e o silêncio persecursor de outrora. O padre decidiu não celebrar a missa essa hora; sabia que não viria ninguém, como de costume em dias assim.
Sorriu e seguiu.
Não encontrava ninguém.
Fechou a cara.
Fosse mais fácil invadir uma casa, mas teria um tanto de trabalho em dar conta de todos residentes - e ainda havia o risco de sujar as vestes com outra coisa além de sangue.
Má ideia.
"Mas, veja só, vem vindo um freguês!"
Sorriu novamente.
Ouviu passos arrastados de longe - coisa que ninguém conseguiria, só ele e, talvez, outros indivíduos que desenvolveram a audição tão bem quanto; por necessidade.
Pelos passos... lentos... algumas vezes trôpegos... era um idoso.
Idoso não, idosa.
Vinha rezando o terço.
- Será que eu chego a tempo?
Pobrezinha... jurava que havia missa.
"Deve ser dona Eleonor, a novata..."
Um passo e sumiu novamente na bruma.
- Ah, não acredito! - disse a coitada, agora segurando as grades escuras do muro da capela - Como pode? Caminhei isso tudo em vão...
"Em vão não".
Atrás dela surgiu o vulto dono de um sorriso maligno.
~
"Frustrada por não ter missa?"
O cinismo do psicopata: sentiu dó da senhora, não podia vê-la assim; quis resolver seu problema...
"Em sete dias terá uma exclusivamente para ti..."
~
Em casa, enfim, guardou mais um terno manchado. Não podia ver, como antes, uma pena... Mas podia sentir o cheiro - desse, ainda fresco. Não só o cheiro do sangue, mas de tudo o que nele foi acarretado.
Mais uma história para se orgulhar e, uns dias depois, relembrar.