A CABANA DO LAGO GELADO.

O grupo de escoteiros parou para um descanso. As trilhas na floresta de pinheiros. As doze barracas azuis se destacavam na paisagem. A neve começou a cair. Os vintes garotos com luvas e gorros. -"Levantar acampamento. Vamos pra casa!" Gritou o instrutor Thompson. O clima estava muito rigoroso pra acampar. Há oitocentos metros deles, quatro jovens desciam o rio num bote. Duas moças tentavam se equilibrar no bote levado pelas correntezas. As pedras afiadas da margem do rio representavam um perigo mortal. Shelley e Dinah alternavam risos com caretas de preocupação. Ernest e Lincoln sorriam, armados com remos. -"Segurem-se, garotas. É o fim do percurso." Ernest apontou o remo para uma pedra e deu um impulso. O barco girou e se afastou das corredeiras, indo parar em aguas calmas num banco de areia. As moças o abraçaram. -"Você é o melhor, Ernest." Disse Shelley, extenuada pelo passeio no rio. -"Mereço um prato generoso de macarrão, daqui a pouco na cabana." Disse o rapaz loiro, ajudando Dinah a sair do bote. Shelley beijou Ernest. -"Você merece muito mais que isso, amor." A cabana ficava perto dali. Os jovens subiram o barranco e se dirigiam para a trilha. Lincoln se abaixou para recolher uma garrafa de água que alguém jogara alí. Um estampido. A bala arrancou lascas da árvore a frente do rapaz, ainda de colete salva vidas e capacete. -"É tiro! Corram!" Gritou Shelley, acostumada a caçar com seu padrasto, Oliver. Lincoln estava assustado. Mais um tiro. Os quatro jovens entraram na mata. O chefe dos escoteiros ouviu os tiros. -"Estranho. Já terminou a temporada de caça." Os escoteiros desceram a montanha e rumaram para a cidade de Saint Louis. Enquanto isso, os quatro jovens entraram na cabana do velho Jack. Shelley abraçou Dinah. -"Alguém queria nos matar." Disse a moça, aterrorizada e procurando o celular. -"Alguém deve ter nos confundido com urso ou alce. Fiquem tranquilas." Lincoln olhou sério para Ernest. -"E desde quando alces usam coletes coloridos? Vamos embora daqui." Ernest sorriu. -"Não há motivos para pânico. Vou buscar lenha antes da noite cair. Vamos acender a lareira pra fazer fondue. Prometo tocar violão pra vocês." Lincoln concordou. -"Certo, cara. Amanhã cedo iremos embora, com ou sem você." Ernest saiu da cabana. Shelley acendeu o lampião. Dinah pendurou os coletes num varal. Lincoln olhou em volta. -"Foi uma péssima idéia vir aqui, meninas. O Ernest vem direto pra cá, nasceu aqui e está acostumado com esse fim de mundo. Olha, amanhã cedo eu vou pra cidade. Se cair uma avalanche ou aparecer um urso de três metros?" As moças estavam preocupadas. Lá fora, Ernest se afastou da cabana. Os gravetos nas mãos. Ele respirou fundo. Lembrou de seu pai e dos passeios que realizavam ali, perto da cabana do velho Jack, que ainda era vivo. Shelley estava desesperada pois o celular estava fora de área. Ernest ouviu um assovio. Olhou para os lados. Procurou a arma mas lembrou que ela estava na cabana e só tinha duas balas. Ele correu para a cabana. Estava a cinquenta metros da porta quando uma flecha penetrou na sua perna. Ele caiu na neve macia, dando um grito. Lincoln abriu a gaveta do armário e pegou a arma. Um pontapé fez a porta se abrir. Shelley e Dinah se abaixaram. Lincoln viu o amigo caído. As moças saíram. Ernest se colocou de pé. Ele foi levado pra cabana. A noite estendeu seu véu. Os uivos dos lobos. Ernest deitou no sofá. Lincoln puxou a flecha da perna do amigo. O sangue jorrou. Shelley fez uma atadura. -"Agora acredita que alguém quer nos matar?" Gritou Dinah. Lincoln pegou as chaves do carro. -"Vamos embora, pessoal. Agora." Shelley e Dinah apoiaram Ernest. Lincoln saiu de arma em punho. Ernest estava no banco traseiro. O carro ligado. Os faróis acesos. -"Não anda essa geringonça?" Lincoln saiu e notou os quatro pneus furados. Shelley deu um grito quando um tiro atingiu a cabeça de Ernest, ao seu lado. Lincoln se virou em direção da floresta. A arma apontada. Deu dois tiros a esmo, desperdiçando munição. Duas flechas o atingiram no peito. Shelley e Dinah correram para a floresta. Shelley olhou pra trás e viu um homem, com um arco, se aproximando do carro. O homem misterioso, de capuz vermelho, deu três tiros em Lincoln. O rapaz caiu morto. -"O bote. Vamos para o rio, Dinah. É a nossa salvação." Gritou Shelley. A respiração ofegante. O terror. Elas perceberam o boto furado a golpes de faca. -"Não vamos para Saint Louis. O assassino deve estar no caminho da cidade, nos esperando. Vamos atravessar o rio e tomar o rumo de Peterson." Disse Shelley. Dinah teve medo de entrar na água gelada. Shelley a puxou. -"Isso ou a morte. Coragem." Ela limpou as pegadas das botas na areia. Shelley seguiu a frente, pulando no rio. -"Aqui é raso, venha. O filho da mãe virá até aqui pois sabe que temos um bote, por isso apaguei as pegadas." As moças subiram o barranco e correram. Três horas depois, Thompson, o chefe dos escoteiros, estava na pousada Destiny, em Saint Louis. Dispensou os escoteiros e se preparava pra voltar pra casa. A porta se abriu. O genro gelado invadiu o local. O velho Deivid OBrien entrou com as botas sujas. Colocou o rifle no balcão e pediu um conhaque ao barman. -"O mesmo de sempre, Phill. Acabou a temporada e não peguei nada." Sorriu. Os presentes sorriram também. O velho Deivid era sempre o último a encerrar a caçada, no limite para o fim da temporada. -"Não há mais cervos como antes. Ainda bem que temos os enlatados." Thompson ia se aproximando do caçador quando mais alguém entrou no local. -"Noite, gente. Quase meia noite. Tá muito frio." Ele tinha um rifle longo e um arco. Thompson notou as botas do forasteiro, com areia. Ele pediu uma garrafa de bebida e as chaves do quarto. Sorriu para Thompson e subiu as escadas. -"Tá olhando o que, escoteiro? Meu quarto é o treze!" Os presentes sorriram. Thompson se aproximou de Deivid. -"Quem é o moço?" O velho caçador tomou o resto do conhaque. -" Não sei, rapaz. Vai lá e pergunta a ele." Thompson o segurou pelo pescoço. -"Ouvi tiros na montanha e a temporada acabou as cinco da tarde. Sei que você dá tiros além desse horário e poderia te entregar a polícia." Deivid se livrou do homem. -"Ei. Sei que os garotos estavam na montanha do corvo. Eu estava do outro lado, nas rochosas. Logo, não escutou meus tiros. Eu estava muito longe de vocês." Thompson se desculpou. -"Me desculpa, velhinho." Thompson saiu e foi até a delegacia. Relatou tudo ao xerife Woody. O oficial se levantou e foi até o mapa na parede. -"Tinhamos dez grupos nas montanhas, só um deles não retornou. Eles passam pela guarita no início da vila. Aqui, o grupo de Ernest está perto da cabana do velho Jack." Thompson se arrepiou. -"Acampamos ali perto. Foi lá que ouvimos tiros." O xerife chamou os policiais pelo rádio. Nenhuma mensagem no seu celular. -"Uma das moças pegou meu contato. Não há mensagens. Eles devem estar na cabana." Thompson se preocupou. -"Deivid. Ele os matou." O xerife deu uma gargalhada. -" Não delira. O Deivid não acertaria o próprio pé, de tão bêbado. Ele não mata nada há décadas, coitado. O sujeito que falou, o tal com arco e flechas! Vamos até a pousada." Thompson e o xerife chegaram, uma hora depois, ate a pousada. O barman fechava o local. -" O cara esquisito do arco? Pagou tudo e foi embora com a caminhonete." O xerife passou o rádio às autoridades. No dia seguinte, Thompson, e o xerife, junto de quatro guardas, subiram a montanha. Viram que a cabana do velho Jack estava vazia, sem sinais de que alguém passara a noite alí. Eles foram até o rio. Não tinha nenhum bote nas margens. Um telefonema. Alguém disse ter visto um carro numa ribanceira, ao lado da auto estrada. O xerife foi para o local. Os guardas não viram ninguém no carro amassado. -"Era o carro deles, dos quatro jovens." Disse o xerife Woody, incomodado. Longe dali, Shelley e Dinah chegavam a Destiny. Elas tomaram o trem pra Francis, a duzentos quilômetros de Saint Louis, no dia seguinte. O desaparecimento dos jovens ganhou as manchetes dos jornais. A polícia fez buscas na montanha, em vão. O xerife Woody recebeu um telefonema, dois meses depois. Shelley queria se encontrar com ele, em segredo. O xerife deu seu endereço a moça. Shelley desceu do táxi, no local e horário marcado. O xerife deixou policiais a paisana, protegendo o lugar. Shelley estava de óculos escuros e peruca ruiva. Usava um andador, pra disfarçar. O xerife a cumprimentou. -"Quer tomar alguma coisa, água?" Ela não quis. -" Vamos aos fatos." Ela sentou. O xerife ligou o gravador. Shelley contou tudo o que passou na montanha, na cabana do velho Jack. A sua fuga. O terror e o desespero. A visão de ver Ernest e Lincoln mortos. O assassino. O xerife Woody contou sobre o forasteiro na pousada, o carro no barranco, a cabana sem sinais de presença humana. As buscas. -"Você diz que alguém matou seus amigos mas não achamos os corpos, nenhum sinal de luta ou sangue. Reviramos a cabana. O cara que os matou arrastou o carro até o barranco?" Nada levava ao assassino. O relato dela batia com o depoimento do chefe Thompson. O mesmo horário dos tiros. Shelley deu as fotos dela, de Ernest e de Lincoln ao policial. -"Dinah se jogou do alto de um prédio, em Nova York. Ela ficou perturbada e louca." Disse Shelley, chorando. O xerife a abraçou. -"Eu sinto muito. Você, a Dinah, tinham envolvimento com os rapazes? Lincoln? Ernest?" Shelley ficou séria. -"Nenhum envolvimento. Ernest e Lincoln eram namorados. Eram ótimas pessoas." O xerife se ajeitou na cadeira. -"Sem corpos de seus amigos. Desaparecimento. O juiz Howard está intrigado com tudo isso. Não há sinais, nada além de seu depoimento. Um mistério. Vocês estiveram na cidade, na cabana mas os rapazes sumiram. Esse assassino misterioso. Porquê faria isso?" Shelley estava sem respostas. -"Não sei. Ernest e Lincoln eram corretos, não tinham inimigos. Tem meu telefone e endereço, xerife." Shelley saiu. O táxi a esperava. Seis meses depois, o chefe Thompson foi até a delegacia. -"Vamos acampar ao lado da cabana do velho Jack, xerife. Um grupo de vinte e seis escoteiros." O policial serviu café e donuts ao chefe dos escoteiros. -"Vou passar por lá, chefe. Adoro as suas canções." Thompson viu as fotos de Ernest e Lincoln na lousa. -"São os jovens desaparecidos?" O xerife Woody fez um sinal positivo. -"Sim. O juiz Howard deu o caso por encerrado. Shelley deu um depoimento rápido, sem tanta validade. Declarados mortos, infelizmente. É o fim do mistério da cabana do lago gelado." O chefe Thompson sorriu. -"Parece mais um título daqueles contos de terror do site Recanto das Letras. Gosto muito dos contos do Marcos Dias Macedo e do João Batista Stabile. Creio que o assassino será revelado, acharemos uma pista dele, xerife." O xerife Woody abriu uma gaveta. A foto de Shelley, a única sobrevivente. O chefe Thompson pegou a foto. -"Shelley, bonita moça. Ela poderia ter matado os amigos, não? É uma suspeita." O xerife sorriu. -"Ela não faria isso. Testemunhas a viram em Destiny, quase na mesma hora que vimos o carro no barranco. Ela e Dinah. Não bate. Shelley afirma que viu o assassino atirando no seu amigo. Ernest levou uma flechada na perna e por isso o cara que você viu na taberna é o meu suspeito." Thompson concordou. -"Sabemos que ele se registrou com nome e documentos falsos. Eu o vi, xerife. Não esqueci seu rosto." Dois anos se passaram. O chefe Thompson foi convidado para ser padrinho de casamento de sua sobrinha, Dayane, em Francisville . Uma viagem e tanto. Thompson ficou feliz com o convite. O terno alugado. A esposa ao lado, no velho Mustang verde. Na cidade, na praça da matriz, o padre espalhava sonoros palavrões por causa do atraso da noiva. Um casamento anterior ao de Dayane. Os noivos saiam da igreja, sob uma chuva de arroz. Thompson não reconheceu Shelley, devido a maquiagem e a mudança de cabelo mas reconheceu o noivo. Era o sujeito da pousada. -"É ele!" Thompson saiu do carro. Estava vermelho como pimentão. -"Não há tempo pra ligar ao xerife Woody pois estamos a dezenas de quilômetros." A porta da igreja. Dayane chegou naquele instante, numa limusine. Thompson pulou sobre o noivo de Shelley, antes que entrasse num carro. -"Estava no quarto treze, forasteiro! Assassino!" O noivo de Shelley se virou. -"Não o conheço, senhor." Thompson reconheceu Shelley. -"É a moça da foto. A Shelley. Eu vi seu noivo na pousada de Saint Louis. Naquela noite que seus amigos morreram. Ele estava de gorro vermelho, rifle e um arco. Ele deu nome e documentos falsos no registro, sabia?" Shelley ficou paralisada. O noivo sacou um revólver e deu um tiro no ombro de Thompson. O chefe dos escoteiros entrou em luta corporal com o rapaz. Thompson o socou várias vezes. Dois policiais se aproximaram e algemaram o noivo de Shelley. -"Ele estava lá, moça. Estava na pousada com arco e rifle. Eu o vi, Deivid também o viu. Foi ele." Disse Thompson a Shelley. O chefe dos escoteiros ligou para o xerife Woody. O caso estava esclarecido. Gilbert, noivo de Shelley, foi preso e confessou tudo. Ele tinha se reaproximado de Shelley, após as mortes na cabana. Eles reataram o namoro e viviam bem. Shelley acreditava que Gilbert estava em Nova York na época. Gilbert não gostava de armas ou violência, ao menos era o que dizia. Estava mais carinhoso e gentil com Shelley, ganhando novamente o coração dela. O rapaz confessou os crimes, após os depoimentos de Deivid e do dono da pousada. Tinha se livrado dos corpos de Ernest e Lincoln jogando-os numa fenda na montanha. Arrastou o carro até o barranco para simular um acidente. Disse que agiu por ciúmes pois Shelley não se desgrudava dos amigos. O esclarecimento do episódio da cabana ganhou os noticiários. O xerife Woody fez uma visita a Shelley, um mês depois. A moça estava magra e abatida. -"Rosas para alegrar a senhorita Shelley. Trouxe donuts, os preferidos dos policiais." A moça deu um sorriso tímido, quase imperceptível. -"Dirigi muito até aqui. Se estiver atrapalhando, vou embora." Só então ela percebeu o carinho do policial. Ele abriu a caixa de donuts. No meio do doce tinham dois anéis. -" Isso é um pedido de casamento, xerife?" Ele ficou sem reação. -"Sim. Olha, eu vou embora pois sei que, talvez não seja a hora. Você passou por tanta coisa e ..." Shelley o abraçou. -"Por favor, fique. Fique pra sempre." FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 01/05/2021
Reeditado em 02/05/2021
Código do texto: T7245816
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