A LENDA DA MULA SEM CABEÇA. / O NOVO VIGÁRIO E A FILHA DO CORONEL.
Brasil, 1919.
A casa grande da fazenda de café,
cercada de ipês amarelos, domina a paisagem.
A serra do encantado ao fundo.
-"Ande logo, Suzana. O tempo urge."
Gritou o coronel Teobaldo,
se ajeitando na charrete,
ao lado da esposa, Sanclélia.
O cavalo sofrendo com o sol das
onze horas.
A imponente fazenda de café
vivia as glórias da república
café com leite, em que paulistas e
mineiros se revezavam na
presidência do país tupiniquim.
O coronel ajeitou a gravata.
Um terno de linho branco.
O chapéu Panamá.
Um charuto fumegante.
O bigode grosso, com a ponta delicadamente torcida pra cima.
As botas altas de couro.
-"Estou cheiroso, querida?
Serei o primeiro a cumprimentar o novo vigário de Brotas de Castanheiras."
A filha do fazendeiro se aproximou.
A sombrinha armada.
A cozinheira Doralice segurava
a barra do vestido da moça
para que não arrastasse no chão.
O cabelo loiro, ondulado e
impecável.
As luvas de seda.
As jóias.
Perfume francês.
O capataz da fazenda se aproximou
e estendeu a mão com gentileza.
-"Eu ajudo a sinhazinha a subir."
O coronel deu uma gargalhada.
-"Eita. Se o Brasil ainda fosse
uma monarquia eu diria que
Suzana era uma princesa.
Puxou o pai na belezura."
A moça corou.
-"Gentileza sua, papai."
O capataz Edinaldo estava imóvel, admirando a beleza da moça.
Ele montou o cavalo e seguiu a
charrete do coronel.
A estradinha de terra.
O capataz chicoteou seu cavalo.
Ele se adiantou e ultrapassou a
carroça.
Mais a frente, Edinaldo desmontou
e abriu a porteira para a
charrete passar.
Ele tirou o chapéu e fez reverência
ao coronel.
-"Obrigado, Edinaldo."
Disse o coronel.
-"Nunca vi rapaz mais educado e
trabalhador que Edinaldo.
Suzana, se não estivesse prometida
a Joca, filho do doutor Messias,
se casaria com ele."
A moça fez uma careta, demonstrando oposição a idéia do pai.
Quase meia hora depois, a torre da
igreja de São Benedito,
o ponto mais alto do vilarejo,
surgiu no horizonte.
A charrete cruzou a ponte de
madeira do rio Piranhas.
As primeiras casas da cidadezinha
de três mil habitantes.
A praça central. O coreto.
As ruas de terra e sem iluminação.
O bêbado Januário,
sentado na porta da barbearia do Alcebíades, gritou.
-"Viva o coronel Teobaldo."
O boticário Rolando e o
prefeito Tertuliano vieram
até a charrete.
-"Bom dia. Seja bem vindo, coronel.
Vou pedir para a banda
começar a tocar."
Disse o prefeito,
fazendo um sinal ao maestro
Casimiro.
-"A Maria fumaça vai chegar
em cinquenta minutos.
Dá tempo de tomarem um
refresco de graviola em minha casa,
coronel Teobaldo."
Convidou o dentista, tirando
o relógio do bolso e fazendo
sinal para o filho Hércules
se aproximar.
O rapaz estava na plataforma,
conversando com alguns amigos.
Hércules se aproximou e
cumprimentou o coronel
e sua esposa.
Demonstrou surpresa e
arregalou os olhos ao ver Suzana.
-"Bom dia, senhorita.
Adorável e esfuziante presença
e beleza sem igual na
região. Bem vinda em nossa vila."
Hércules beijou as costas
da mão da moça.
O coronel aceitou o convite do
boticário. Hércules ofereceu o
braço a Suzana.
Eles atravessaram a praça,
a caminho da casa do boticário.
As pessoas cumprimentavam o
coronel.
Eles chegaram a residência de Rolando.
-"A vila precisa de um novo vigário,
após a morte do bom e
velho padre Lino.
Que Deus o tenha na sua glória.
Estamos há três meses sem missas."
Disse Hércules.
O coronel concordou.
-"De fato, rapaz.
Creio que o bispo enviará um
padre idoso novamente.
Os três últimos vigários já
estavam dobrando o Cabo da Boa
Esperança, com um pé na cova,
na verdade."
O boticário, que também era o
sacristão da igreja, opinou.
-"Permita-me salientar que
há uma boa razão para o bispo agi
assim. A vila têm muitas moças
belas e formosas."
Ele olhou para a filha do coronel,
antes de concluir.
-"Um padre idoso, zeloso
com as coisas do céu,
não se perderia nos prazeres
mundanos e não cairia em tentação."
Hércules olhou para Suzana.
O coronel se benzeu e
levantou da cadeira, colocando o copo de refresco na bandeja da mesa.
-"Concordo com o amigo.
Vamos pra estação."
A plataforma pequena estava repleta de gente.
Alguns rapazes admirados com a beleza da filha do coronel.
-"Se o trem demorar, a banda de música vai se cansar.
O Batista do trombone está
quase sem fôlego."
Disse o prefeito a Boanerges,
o chefe da estação ferroviária.
Uma fumaça no horizonte.
Um apito forte e estridente.
A locomotiva surgiu,
fazendo uma pequena curva em direção a estação.
As pessoas aplaudindo. O prefeito com a chave da cidade.
O fotógrafo Duarte a postos. Chico Mulato, dono do armazém,
com uma cesta de guloseimas para presentear o novo vigário.
As beatas com as mãos unidas,
ansiosas.
O grupo de vinte coroinhas
paramentados e sorridentes.
O delegado Stabile ordenou a
retirada do bêbado Januário da
plataforma.
-"Guarda Amorim, tire o Januário daqui."
O homem bronqueou.
-"Isso, pecador, expulsa os menos favorecidos."
A locomotiva parou.
O chefe do trem desceu.
Os passageiros desceram.
A banda tocando.
O coronel Teobaldo forçando a vista, procurando o vigário.
-"Não vi ninguém de batina preta descer do trem!
Que estranho."
Hércules subiu num dos vagões.
-"Aqui tá vazio."
Um passageiro saltou do outro vagão.
Um jovem alto e de traje social.
Suzana se virou. Um burburinho das pessoas se perguntando onde
estaria o novo vigário?
O moço alto, forte, de olhos verdes se aproximou.
Uma mala pequena na mão.
-"Bom dia, senhores!
Quem, tão importante, estaria no trem de ferro para ser recebido
com banda de música?
Um cantor, uma atriz, um físico ou um político importante?"
Hércules respondeu.
-"Bom dia, forasteiro.
Nosso novo vigário, que não deu o ar
de sua graça!"
O rapaz deu uma gargalhada.
Suzana corou.
-"Sou eu o novo vigário.
Prazer, padre Pedro Paulo.
Obrigado pela banda, adorei."
O coronel estendeu a mão.
-"Sou o coronel Teobaldo.
Seja bem vindo, padre Pedro Paulo.
Estranho o senhor não usar vestido, a velha e tradicional batina preta."
O rapaz quase esmagou a mão do fazendeiro. -"Obrigado, coronel Teobaldo.
Seremos grandes amigos."
Logo o rapaz estava cercado.
O prefeito entregou a chave da cidade ao jovem.
-"Reforçando as belas palavras
do coronel Teobaldo,
seja bem vindo meu jovem.
Brotas de Castanheiras está feliz com sua vinda."
Todos queriam cumprimentar o vigário. Suzana viu chegar seu
momento de cumprimentar o padre. Esperava um aperto de mão mas o jovem a puxou.
Ganhou um beijo no rosto e um sorriso do tamanho do mundo. Suzana corou.
Pedro Paulo era carinhoso e distribuía beijos às mulheres. O padre deu um grito.
-"Vamos organizar a fila, pessoal.
Quero cumprimentar e abençoar todo mundo. Vou celebrar uma missa
às vinte horas"
O padre foi aplaudido.
Uma hora depois, o vigário conseguiu sair da estação ferroviária.
Ele foi conduzido ao coreto, onde fez um discurso improvisado,
após a fala do prefeito, do presidente da câmara, dos quatro vereadores,
do delegado e do coronel. Acompanhado da família do coronel e das
autoridades civis e policiais, o vigário foi conhecer a casa paroquial.
O padre abraçou a cozinheira Cidinha.
-"O bispo falou bem da senhora.
Cozinha muito bem e engorda os vigários." A cozinheira gostou da espontaneidade
do vigário. Suzana não tirava os olhos do padre.
Hércules não tirava os olhos da moça.
O capataz observava tudo.
-" Eita que o bispo mandou um
padre novo que só.
Suzana tá até babando, olhando pra ele!" Disse Edinaldo a si mesmo.
As senhoras do grupo de oração
prepararam um almoço no salão
de festas. Três horas da tarde.
O povo começou a deixar o salão
de festas. O padre chamou o sacristão.
-"Quero descansar um pouco.
Farei uma missa às oito da noite, como prometido."
O coronel Teobaldo se
despediu do vigário.
-" A gente vai mas volta pra missa, padre. Bom descanso."
Suzana e sua mãe se despediram do sacerdote.
O padre olhou nos olhos de Suzana.
-"Deus a abençoe, filha.
Espero todos na missa."
O jovem demorou a soltar a mão da moça. Suzana ficou sem reação.
Um sorriso amarelo.
Na viagem de volta a fazenda,
o capataz notou um leve sorriso no canto da boca de Suzana.
A noite caiu. O coronel e sua família chegaram para a primeira missa
do novo vigário. Suzana estava linda, como sempre.
Os sinos tocando. Nunca na história da vila a igreja estivera tão cheia.
A família do coronel no primeiro banco da igreja lotada.
O altar florido. As velas. O povo do lado de fora. Alguns felizardos nas janelas.
O coral de dona Nazaré entoando cânticos. A procissão de entrada.
As mulheres cochichando sobre a beleza do padre.
Pedro Paulo saiu da sacristia. Vestia uma túnica linda, acompanhado dos coroinhas. A missa em latim.
Suzana medindo o vigário da cabeça aos pés, viajando no pensamento.
Três dias depois, o padre Pedro Paulo foi conhecer a fazenda do
coronel Teobaldo.
-"Tenho outras fazendas
para visitar, coronel.
Adorei a refeição e sou grato
imensamente.
Amei a geléia de jabuticaba e o
leitão a pururuca.
Comi como um padre!"
Disse o jovem, olhando para Suzana.
-"Venha com tempo pra conhecer a cachoeira, padre.
Vai gostar de andar a cavalo pelos campos." O sacerdote ficou curioso.
-"Virei sim, coronel Teobaldo. A natureza é sinal da grandeza e
beleza divina. Beleza não falta por aqui."
Ele olhou de novo para Suzana. O vigário cumprimentou a todos.
-"Grato pela acolhida, coronel. Deus os abençoe."
Ele apertou a mão de Suzana demoradamente, com carinho.
A moça sentiu o coração disparar. O padre montou seu cavalo e
voltou para a cidadezinha. Hércules intensificou as visitas a fazenda
do coronel, tentando seduzir Suzana.
-"Esse padre novo virou o
principal assunto da vila."
Dias depois, a filha do coronel
recebeu uma carta de Joca.
O rapaz estava de mudança para o Rio de Janeiro, capital do Brasil.
-"Agora que não sai o casório de
vocês, filha. Fiz um acordo com o pai do moço, selando o
casamento de vocês mas o
Joca vai demorar a terminar os estudos no Rio."
Disse o coronel, insatisfeito.
Suzana ficou quieta.
-"Esse Hércules gosta de você, filha.
Há muitos jovens na vila.
Quem muito escolhe fica sem nada."
O coronel frequentava as missas dominicais. Suzana passava a semana
ansiosa para ver o vigário. Ela demorava no confessionário.
Adorava a voz firme do padre. Um mês depois.
O padre Pedro Paulo finalmente
foi conhecer toda a fazenda do coronel.
O capataz e o fazendeiro mostrariam a fazenda ao sacerdote.
Suzana seguiu-os, a cavalo. Escondida na mata, viu o padre nadar
na cachoeira, apenas de calção.
Durante a semana a moça cavalgava pela fazenda.
Sozinha, ficava horas pertoda cachoeira, esperando que o vigário aparecesse.
O padre era mimado e presenteado pelas mulheres da vila.
Sempre recebia visitas e presentes. Durante uma confissão,
Suzana tomou coragem.
-"Você não tem pecados,
senhorita Suzana. Vai em paz, filha."
A moça sentiu o coração disparar.
-" Tenho muitos pecados, muitos pensamentos obscenos com
um rapaz que veio no trem.
Ele é alto, de olhos verdes, um fruto proibido."
O vigário ficou mudo.
-"Eu o vi na cachoeira da fazenda. Sempre vou lá, as terças feiras.
Quatro da tarde. Tenho esperança que ele vá nadar de novo."
Ela chorava.
O padre ficou sem reação.
Eles se viam durante as missas dominicais. As confissões de Suzana
passaram a ser breves. Pedro Paulo não parava de pensar na moça.
Tinham quase a mesma idade. Suzana recebeu a visita da amiga Renilda.
Pela amiga, soube que a esposa de um fazendeiro tinha
agarrado o vigário e o beijado a força, não suportando a tentação.
-"Eu já levei um bolo de
aipim para o vigário. Ele é um doce,
um pão."
Disse Renilda.
-" O povo da vila tá comentando
que viram mula sem cabeça nas fazendas Esperança e
Duas Estrelas.
O bêbado Januário afirma
que viu uma mula na praça,
em frente a igreja."
Suzana sorriu.
-"Isso é bobagem, Renilda.
Lenda do povo antigo!"
Renilda se benzeu.
-"Pode até ser mas é muita
coincidência essas coisas estranhas
só após a chegada do padre Pedro Paulo.
Sei que é pecado mas é um verdadeiro desperdício um homem
bonito daquele ser padre!"
Suzana estava na cachoeira,
três semanas depois.
Tinha desistido de ver
Pedro Paulo alí quando
ouviu um relinchar.
Um cavalo se aproximou.
Era ele, o vigário em roupas normais.
Suzana correu e o abraçou.
-"Isso é um sim?"
Pedro Paulo a ergueu nos braços.
-"Sim. É um sim a nós!"
Eles se beijaram.
Os dois jovens entraram na cachoeira e se amaram alí.
Estava escurecendo quando
o vigário se foi.
Suzana voltou a fazenda,
pisando em nuvens de tanta felicidade.
-"Essa aí parece que viu o
passarinho verde.
Nunca foi de apanhar flores do campo e cantarolar."
Percebeu o capataz.
Suzana e Pedro Paulo se reencontraram muitas vezes na cachoeira,
às escondidas.
Numa noite de lua cheia, o capataz foi procurar um cavalo
perdido na mata. A tocha.
O capataz levou dois cães.
Edinaldo gritava o nome do cavalo.
-"Minuano! Apareça Minuano."
A estradinha. Meia noite.
Quinta para sexta feira.
Um vulto passou por ele,
cruzando a estrada.
Edinaldo se assustou e
caiu de seu cavalo.
-"Eita. Será o curupira ou assombração?"
Os cães fugiram, com medo.
Um relincho forte.
A mula sem cabeça veio na sua direção.
-"Jesus Cristo, socorrei-me!"
Ele olhou para a mula a sua frente.
Chispas de fogo no lugar da
cabeça do animal. As ferraduras de aço brilhavam.
-"É a mula sem cabeça! Vade retro."
Edinaldo se benzeu e tentou correr.
A mula relinchou. Muito veloz,
ela o alcançou. Um coice violento arremessou o capataz
contra uma árvore. Ela deu meia volta para um novo golpe.
Edinaldo viu a face da morte. Um outro coice nas costas do homem.
O homem no chão. A mula ergueu as patas dianteiras, pronta para o golpe final.
Um relincho ao longe. Era o coronel e outros empregados da fazenda.
Edinaldo rolou para longe do animal. A mula sem cabeça partiu dali, em
disparada.
O animal entrou na floresta.
Edinaldo estava salvo. Ele foi socorrido pelo coronel.
-"Edinaldo?!
Meu Deus!"
O dia amanheceu.
Suzana dormiu até às nove horas, o que surpreendeu a todos pois
ela sempre acordava cedinho.
Ela soube do que aconteceu com o capataz.
-"Encontrei Edinaldo na estrada,
machucado. Não diz coisa com
coisa. Está falando bobagens de
mula sem cabeça."
Disse o coronel.
Suzana visitou o capataz,
acompanhada do pai.
-"Se tem mula sem cabeça na
região é porque tem moça
enrabichada com padre.
É um pecado grave e a moça é
condenada a virar mula sem
cabeça nas noites de quinta
para sexta feira.
Para quebrar o encanto,
tem que tirar o freio da boca da
mula ou picar a assombração
com um estrepe de madeira virgem.
A mula quase me matou."
Suzana conhecia a lenda mas
achava invenção do povo antigo.
-"É a tal história da burrinha do padre.
Isso é invenção, Edinaldo."
Suzana assistia uma missa quando,
na hora da consagração, a hóstia sagrada desapareceu.
O vigário ficou sem reação.
Disfarçou e pediu para
o coroinha buscar outra hóstia
na sacristia.
Suzana disse que precisava
tomar ar puro e saiu da igreja.
O coroinha retornou.
O padre procurou a moça
entre os fiéis.
Suzana não estava na igreja.
Ele pegou a hóstia e
fez a consagração.
Suzana ficou horrorizada.
Passou a crer na lenda pois
sabia que, se a amante
do padre estiver na igreja,
na hora da missa, a hóstia desaparece.
Ela correu até o coreto.
-"Virgem Maria, mãe de Deus.
É a quinta mulher que vem
chorando aqui.
Ou esse padre faz um sermão
comovente ou está pirando a cabeça da mulherada!"
Disse o bêbado Januário.
Suzana percebeu que o vigário
rezava em outras alcovas. Ele não era exclusivo dela,
a quem dizia amar e ser
capaz de abandonar a batina.
Ela não foi mais a cachoeira.
Não queria mais viver em pecado e confessou tudo a Pedro Paulo.
Não queria ser mula sem cabeça.
-"Isso é besteira, Suzana.
Mula sem cabeça não existe. É lenda."
A moça chorava.
-"Eu vi a hóstia desaparecer.
Estou acordando com arranhões
e dores no corpo.
Tenho dormido muito mais que
o habitual. Acho que virei mula
sem cabeça."
O padre deu uma gargalhada.
-"Vai em paz, querida.
Agarre-se a oração e tire
isso da cabeça."
Suzana contou tudo ao seu pai
e ao capataz. Eles ficaram horrorizados
e preocupados com a vida
da moça.
-"Não creio mas podemos
tirar isso a limpo, filha."
Quinta para sexta feira.
O coronel Teobaldo, o capataz e Suzana foram até a mata.
A encruzilhada na estradinha.
Suzana estava determinada.
Ela pediu pra ser amarrada
numa árvore.
Dez cordas fortes no corpo da moça.
A transformação macabra
após a meia noite. Suzana virou a mula sem cabeça.
Os relinchos. As labaredas de fogo saindo da mula.
O coronel caiu de joelhos
e começou a rezar. As cordas se soltando devido a força do animal.
Edinaldo criou coragem e avançou. Ele tirou o freio do animal.
O capataz espetou o animal com um espinho de árvore virgem.
O sangue saiu da perna da mula. A lua no céu. O barulho da cachoeira
ali pertinho. A mula relinchou.
Suzana caiu no chão, toda machucada.
O coronel abraçou a filha.
Edinaldo a tomou nos braços
e colocou a moça na charrete.
Ela desmaiada mas livre da
maldição. Suzana acordou e beijou Edinaldo.
-"Obrigado, Edinaldo.
Você me livrou da maldição."
O vigário assistiu toda a cena,
escondido entre as árvores.
-"Eita, miséria. Não é que a lenda é verdadeira. Meu pai amado!"
De manhã, Pedro Paulo
escreveu uma carta ao bispo,
comunicando que deixaria a batina.
Ele embarcou no trem das
onze horas, deixando a vila, sem ninguém perceber.
Mais tarde, para surpresa geral, as beatas não encontraram o padre em lugar nenhum. O homem tinha evaporado no ar, sumiu sem deixar rastro.
Edinaldo e Suzana se casaram, quatro meses depois,
com as bênçãos do velho frei Romualdo.
FIM