Cabana do Timbó
A afluente levava as canoas ao pequeno bairro da cidade, dezenas de pessoas passavam por aquele trajeto diariamente. Diariamente, também, às noites, algumas pessoas que trabalhavam no centro chegavam mais tarde para as suas casas - geralmente enfermeiras ou guardas.
Estes sempre desviavam o caminho do rio e iam pelo mais longo, tudo pelo medo do tal velho feiticeiro que morava numa cabaninha discreta. Ninguém nunca o viu de fato, só viam o casebre de cor laranja quando passavam; ainda com o dia claro.
Contavam que às noites um senhor deveras estranho ficava sentado na frente da casa esperando alguém passar numa canoa. Diz a lenda que ele exalava um cheiro tão forte que era capaz de fazer qualquer um desmaiar e, então, o indivíduo tinha o fim de sua vida decretado.
Todos temiam, por isso, passar por ali depois da meia-noite.
Mas sempre há casos e exceções. Uma desses casos foi o de Marina, aspirante a professora que ia ao centro para estudar no turno da noite - já que passava o dia cuidando da casa e dos filhos. Já era bem tarde quando ela saiu da faculdade, cerca de uma hora da manhã e já beirando as duas. Pegou seu transporte e velho companheiro e seguiu o igarapé.
Cansada, coitada... Sequer conseguia remar direito... Os olhos fechando e abrindo de susto...
Madrugada, água iluminada, lua agigantada, melodia de cururus... A natureza lhe seduzia ao sono tal qual Iara seduzia os homens à perdição... E assim perdeu-se.
Quando acordou do cochilo já havia entrado na afluência que seguia ao local de sua residência. Brigou consigo pelo descuido, mas nem dava conta do perigo; seu sono foi sua pena.
Estava perdida, mas sabia que era resolveu aguardar por algum trecho que lhe desse um ponto de referência. Esperou, esperou, esperou. As esperanças quase perdeu, ia ficar, na pior das hipóteses, estagnada na água até que amanhecesse ou passasse alguém, porém a referência chegou e o seu terror também.
- Moça... tudo bão contigo? - uma voz rouca e cansada...
Virou de revestrés¹ ao ouvir, viu um homem esguio sentado à beira de uma pontezinha incompleta.
- Noite! É que eu acabei me perdendo pelo rio...
- Que pena... Eu posso te dizer o caminho, se quiser...
Olhou, apesar da desconfiança, com esperança; o homem sorriu. Apontou para frente e mandou que seguisse.
- Obrigada! Deus lhe pague!
Ele acenou com um chapéu de palha, a lua alumiou seu rosto e viu um homem tão velho quanto o terço que sua vó deu e um olhar tão escuro quanto aquela noite... Arrepiou-se inteira, mas foi embora.
Passaram-se minutos e horas, não chegou a lugar algum. Dessa vez tinha certeza que não cochilara, não pregou os olhos um minuto sequer, mas já estava se cansando...
- Será que aquele cabra me passou o lugar errado? - pensou alto...
O lugar aconselhado era certo até demais, bateria certinho pro seu bairro, contudo já era tarde; o feitiço a pegou.
A visão foi ficando turva, achou estar passando mal, todavia nem um único suor frio lhe desceu à espinha, tampouco sentiu qualquer tontura. Era como se estivesse ficando cega. Com ela veio um cheiro insuportável, sufocante. Lhe dava náuseas como nunca teve na vida.
Acabou por soltar o enjoo no rio...
Fechou os olhos, apoiada na piroga e tentou descansar. Quando abriu, a mancha do lanço tomava forma de um rosto... aquele rosto... sorridente.
Vieram-lhe mãos fortes, não conseguiu resistir. Fora puxada de uma vez para dentro da água.
Mais uma canoa que retorna vazia, mais uma vida que ia...
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Terror folclórico.
Lenda da Cabana do Timbó, da Ilha de Marajó > inspirada na lenda e no samba-enredo do Império Serrano de 1964.