Oiampibi - Terror folclórico
Estávamos numa região fronteiriça deste país, mais precisamente em Oiampibi, no extremo norte do país. Fomos enviados para estudar a região para melhor integração e a criação de um plano de povoamento; além de mim, mais cinco especialistas.
Um lugar de clima complicado...
Uma hora chovia em demasia, outrora fazia uma quentura infernal. Além disso, ainda havia terra barrenta por toda a parte e mosquitos irritantes; fomos quase que obrigados a vestirmos roupas longas por conta disso, sem falar nas tais botas ridículas.
Mas essa fora a nossa escolha.
Bem na fronteira existia um rio, bem extenso por sinal. Meus companheiros falaram que ele corre por toda a cidade e até mais; só desembocava lá para baixo, onde havia mais umas duas ou três cidades, ao que parecia.
Fazia uns quatro dia que lá estávamos.
Baixou o sol e veio a lua, hora de voltarmos ao ponto: um edifício simples para alguns depósitos de suprimentos para os trabalhadores e moradores. Improvisaram este lugar para nós.
Acendemos uma fogueira e conversamos.
José Ferreira disse-nos ter apurado pouca coisa, apenas o mesmo de sempre: muita mata, muito barro e alguns poucos nativos já acostumados com a nossa presença. Sóstenes idem e João Estácio idem.
Parecia que seria mais uma noite qualquer.
Até Miguel abrir a boca...
Disse ter visto algo aterrorizante em seu posto de reconhecimento. Um homem meio alto e de porte tão robusto que amedrontava qualquer um. O que mais chamou atenção foi o detalhe que deu: tinha a aparência de um tronco de madeira, madeira alaranjada.
- Conversa, homem...
Insistiu no que dizia, ainda foi além: - Eu juro! Ainda o vi cuspindo fogo. S'eu não tivesse corrido dali eu teria virado churrasco! - riram dele.
- E porque não voltou antes? Ficou lá na mata correndo perigo por quê? - Sóstenes questionou.
- Eu fugi desordenadamente, lá raciocinei em algo, só queria sair vivo, ora! Fui para qualquer direção e acabei perdendo-me. Só fui me encontrar quando vi um índio amigo.
- Então tá! E eu vi uma onça alada. - disse José.
Mais uma vez riram.
Depois da conversa tratamos todos de dormir, resolvi não falar muita coisa - como sempre. Diferente de Miguel, eu não tinha tanta criatividade e muito menos vi algo de interessante na exploração.
Ê, sono... Ê, sonho...
Devo, mesmo não tendo prestado a devida atenção, ter absorvido a história do colega. Sonhei com o tal homem, vi ele vindo até mim, durante o dia, e me observando enquanto cipós me prendiam na floresta. Acordei até com falta de ar e o corpo formigando.
Tomei meu fôlego de volta e fui me vestir para mais um dia.
Sempre à beira do rio, era tranquilo o ambiente. Este dia foi como qualquer outro, a única coisa diferente que vi, antes do anoitecer, foi um nativo passando numa canoa. Era bem amistosa a relação entre nós.
Quando novamente o sol se foi, rumei, mais uma vez, para o depósito.
O percurso era de trinta minutos, já fazia duas horas que eu estava caminhando reto. O desespero tomou conta de mim quando percebi que a lua já riscava o alto do céu; eu já estaria lá há muito tempo. A escuridão crescia à densidade das tatajubas e outras vegetações amazônicas.
Onde eu estava?
Gritei, gritei e gritei. Ninguém surgiu. Sequer um dos guarampis apareceu. Estava sozinho. Perdido. Cansado. Com medo. Fui ao pé de uma árvore que pareceu-me aconchegante na hora e acoquei lá, na esperança de alguém vir me buscar.
Por trás do introvertido homem respeitado, havia alguém frágil.
Engoli em seco, já aceitando que ninguém viria. Esperei o Sol vir, então. Com o tempo, peguei no sono e fechei os olhos. Um arrepio. Levantei-me de supetão ao sentir um troço meio pegajoso encostar em meu pescoço. Não vi nada, mesmo forçando a visão.
Outro arrepio, agora em meus pés.
- Será possível que estou endoidando?
Foi quando vir rastejar até mim a temida surucutinga. Os nossos amigos da terra nos falaram sobre ela... Só uma picada... Tentei fugir, mas quando percebi...
Estava preso, igual no sonho.
Fiquei sem voz de tanta agonia, a maldita parou, mas para aguçar o meu desespero vi ela deformando-se. Algo dentro dela se mexia e inchava. Seu tamanho aumentava até ficar do meu, então, vi nela surgir braços e pernas, até dar forma a um homem.
Era ele...
A pele feito madeira, bafou um ar quente contra mim e um grito soltou.
"Ianejar! Ianejar!"
Guarampis..., assim gritavam também...
Soltou fogo no chão, formando um círculo. As labaredas logo começaram a consumir algumas árvores, chegaram nos cipós que me amarravam e já podia sentir o calor, ali eu morreria.
Quando já era dia, estava ali uma multidão diante de mim.
Nada entendi... O que acontecera, afinal? Médicos e curandeiros cuidaram de mim nos outros dias. Queimaduras nos braços e nas pernas.
Na minha cabeça só se ouvia: Ianejar! Ianejar!
~
conto despretensioso;
Oiampibi é Oiapoque;
baseado na cultura oiampi.