POVO DAS RUAS
Encarou o mar novamente, já ia escurecer. Pegou sua bolsa de pano e saiu, distanciando-se do maldito porto. Um sono repentino e estranho veio, tinha que chegar em "casa", dormir ali seria perigoso. Porém, que diferença faria? "Entre uma rua para outra só se muda o número".
Dormiu lá mesmo.
Acordou da inconsequente repouso, um breu mais breu que o comum - pela escuridão, deduziu ser umas duas horas da manhã. Já fez aquele percurso nesse horário, mas não estava tão escuro assim...
O sono voltou, mas não deixaria se levar por ele, dessa vez voltaria. No caminho viu coisas estranhas, mas não eram desconhecidas; sempre as viam. Eram seres com pouco mais de um metro de altura, encurvados e com a cor da noite. Todos correndo por aí. Entrando em vielas, atravessando paredes, sumindo nas sombras.
Eles riam, cochichavam, jogavam pedrinhas.
De primeira, sentia medo. Quando se acostumou passou até a tratá-los como amigos. Eram seus companheiros do longo caminho para a casa. Os pequeninos e travessos amigos.
Nesta noite percebeu, porém, que comportavam-se de uma maneira diferente. Não estavam zombando e vadiando por aí, pareciam temer... Por ele.
Achou que estavam apenas pregando uma peça, tentando assustá-lo...
Já era tarde.
Nada tinha para oferecer, deixou eles com raiva. Um golpe certeiro na jugular e fugiram. Caiu de joelhos, com a mão no pescoço tentando estancar o sangue. Até cair.
A visão enturvava, o pedido de socorro saía como um suspiro. Ninguém apareceu. Apenas sentia o sangue esquentá-lo como se fosse a única cama que deitava-se; era o seu leito, a rua e o sangue.
Antes de fechar os olhos, viu amontoarem-se ao seu redor os amigos. Pôde ver seus rostos pela primeira vez. Semblantes tristes.
Foi tomado por uma nuvem negra, se unia a eles à espera de mais um para acompanhar pelas ruas...