O SÍGNO DA SERPENTE.

Morganna Stars deu um suspiro. Um sorriso amarelo. O peso do homem nu sobre seu corpo tatuado. Ela trazia um trecho de um poema de Fernando Pessoa tatuado na coxa. Um dragão colorido nas costas Os seios siliconados. Um rosto angelical. Olhos azuis. A boca carnuda. Os cabelos longos. Um perfume enebriante. Ele de meia idade, ofegante, o suor escorrendo. As luzes piscando. O som de Rihanna. O trânsito caótico de Chicago lá fora. Incenso de almíscar no ar. Ela gritou. -"Rápido, amor!" Ela intensificou os movimentos, mais pra se ver livre daquele cliente do que por prazer. A cama velha rangendo. Sabia fingir muito bem, após sete anos de profissão. -"Não! Assim não gosto, amor!" Ele a estrangulava. O ar faltando. A garota roxa, sufocando." Ele a estapeou. -"Eu pago mais um pouco, querida!" Ele chegou ao clímax, finalmente. A garota de programa o beijou. -"Adorei, Steve. Exceto pela violência final, não combinada. Não tolero violência!" Disse ela, categórica. Ele sorriu, satisfeito. Ela o puxou para o banheiro. Odiava sexo violento e selvagem. Odiava clientes iguais aquele. Uma ducha rápida. Steffanny deu a toalha ao homem de meia idade. -"Muito gentil, querida." Ele estendeu a mão pra pegar a toalha. Uma tatuagem no pulso direto dele. Ela estremeceu ao ver o desenho de uma cruz medieval com uma caveira e uma serpente enrolada. Ela estacou. Estava pálida. -"O que foi, anjo? Viu um fantasma?!" Ele deu uma gargalhada. -"Não. Me desculpa, anjo. Creio que veio para mim, a menstruação sempre vem após um sexo animal e intenso! Você é demais!" Mentiu. Ele abriu o chuveiro e se virou. Ele saiu do banheiro. O blazer era fino. Os óculos escuros. Um boné dos Lakers sobre o criado mudo. Era notório que não queria ser reconhecido. Ela nua na cama, sorrindo. Ele tirou a carteira. -"Se me deixar usar chicote, na próxima vez, lhe darei trezentos dólares." Ela pegou os cem dólares e os guardou no criado mudo. -"Grata, amor. Fica claro que odeio violência." Passou as mãos no pescoço roxo. Ele a beijou. -"Isso vai sumir em uma semana. Adeus." Ele se foi. Ela abriu o portão pelo controle remoto. Acenou para ele, do segundo andar. O táxi parou pra ele. Ela fechou as cortinas. Deixou o corpo cair na cama. Um choro compulsivo. Ela ficou em posição fetal por um longo momento. As imagens na sua cabeça. Uma dor na nuca. Os gritos. -"Mamãe! Não!" Morganna parecia uma criança apavorada. Ela reviveu o passado. Tinha sete anos. Um homem com um rifle. Ela e a mãe na casa, sozinhas. Morganna, aliás Jocelyn, de sete anos, tinha acabado de chegar da escola. A mãe, Gina, fazendo o almoço. A casa na chácara, herança do velho Thomas. Jocelyn se escondeu atrás do sofá. O homem abriu a porta com um pontapé. O rifle apontado. -"Querido. É você, Bruce?" A mulher veio até a sala. -"De joelhos." Gritou o homem, com uma máscara. Gina obedeceu. Ele era muito forte. O invasor a amarrou. Lenço na boca da mulher. Ele a estuprou. Jocelyn chorava baixinho. Vinte minutos de terror. Um barulho de caminhonete. Bruce viu um carro, perto do córrego. Ele pegou o revólver e saiu da caminhonete. -"Gina. Jocelyn. Cheguei, querida!" O invasor deu uma coronhada em Gina. -"Tem mais alguém aqui?" Bruce parou na porta. Dois tiros no peito do pai de Jocelyn. O homem caiu para trás, morto. Gina em pânico. O homem deu um tiro na cabeça da mulher. Uma gargalhada cruel, sádica. Jocelyn viu as botas dele. O piso de madeira. Um silêncio sepulcral. -"Tem mais alguém aqui? Esse casal fazia magia negra e tinha uma garotinha." O homem foi ao banheiro. Jocelyn ouviu a torneira aberta, jorrando água. Ele quebrou os vasos de porcelana da mãe. Um tiro no espelho, adornado com detalhes indianos. -"Morte aos infiéis! Escória!" Os elefantes de cerâmica destruídos. Ela rastejou até o quarto. O guarda roupas tinha um fundo falso. A garota sempre se escondia lá, brincando com o pai. Ela secou as lágrimas com as mãos. Ela ouviu vozes masculinas. Calculou que dois homens tinham chegado ao lugar. -"Estou salva!" Tentou sair mas algo a impediu. -" Tinha uma garota, Tim. Uma garotinha de sete ou oito anos! Deve estar na escola. Logo a polícia virá." Os passos. O barulho de rifles sendo carregados. As lanternas. -"Apareça, garota. Somos do bem!" Os tiros na cama. Um deles subiu ao sótão. Os tiros nos armários com potes de doces que Gina vendia na cidade. -"Não queremos hippies aqui." Gritou um deles. Jocelyn se lembrou que a mãe queria ir para o Arkansas. Bruce insistiu em comprar aquela chácara. Jocelyn sentiu um cheiro de gasolina. Temeu pelo pior. Começou a rezar, mentalmente, ao seu anjo da guarda. Puxou um edredom sobre si, com gestos suaves. -"Não há ninguém na casa, Tim. A garota deve estar na escola." Disse um dos facínoras. Os tiros. Ela percebeu que mãos ágeis mexiam nas roupas. Uma fresta do fundo falso. Ela viu uma tatuagem no pulso do homem. Uma cruz medieval, uma caveira e uma serpente enrolada. Um cheiro de fumaça. -"Vamos embora, Tim. A polícia está vindo!" O homem descarregou o rifle no guarda roupas. Jocelyn se agachou o quanto pode. Ela achou que ia morrer. Ela ouviu os passos deles, indo embora da casa. Tapou o nariz com as mãos. Ela empurrou o fundo falso e buscou ar puro. As chamas no quarto. A casa de madeira ardia em chamas. A janela de vidro estava fechada. A menina correu e saltou sobre a cama. Um impulso. A janela. Era saltar pra fora ou morrer queimada. As roupas dela queimando. Uma dor cruel. A pele repuxando. Alguns vizinhos ouviram os tiros e chamaram a polícia. A fumaça preta subiu alto. Jocelyn atravessou a vidraça. Os cortes no braço e pernas. Dois carros da polícia chegaram. Dois policiais puxaram o cadáver de Bruce para longe das chamas. Jocelyn viu o rio. O pequeno riacho passava a duzentos metros da casa. Os policiais viram a menina correndo. As labaredas. Ela pulou no rio. Estava salva. O tenente Alfred pulou na água e a pegou. Stuart pediu reforços e uma ambulância. Jocelyn olhou para os policiais e desmaiou. A garota foi atendida no local. O delegado ouviu, naquela noite mesmo, o relato da garota. -"Eu sinto. Seus pais estão mortos!" Para a mídia, o delegado disse que a menina morrera queimada, escondida no porão. Três caixões lacrados no velório da família. Só a polícia sabia que o caixão pequeno estava vazio. Jocelyn ganhou novos documentos, outra identidade. Escolheu o nome de Morganna. -" A mãe amava esse nome." Foi adotada por um casal de Chicago. O delegado fez um retrato da tatuagem que ela viu no pulso do assassino de seus pais. Os investigadores inspecionaram, a paisana, as lojas de tatoo. Nenhuma pista. As listas de telefone. Ninguém suspeito com o nome ou apelido de Tim, o nome que a menina escutara naquele dia de terror. Agora, décadas depois, ela viu a tatuagem de novo, no pulso de um cliente. -"O telefone do delegado. Tenho que falar com ele." Ela não achou o número. Era arriscado voltar a cidade e ao local da chacina. A minha internet. Fabian Newell, era o delegado na época. As fichas e arquivos policiais. Nenhuma pista na Lan House da esquina de sua casa. -"Achei você, meu amigo delega!" Ela vibrou. O obituário. -" Fabian Newell. Morto em 30 de junho de 2011! Não." Ela olhou outras páginas. Emboscada. O delegado morreu em atitudes suspeitas. Ninguém foi preso. O caso arquivado. -"Foram eles. Os homens do sinal da serpente!" Ela desanimou. Não poderia procurar mais na internet, sob risco de a descobrirem. Pensou em Kimberly, uma amiga. Ela poderia ajudar de alguma forma. Ligou e marcou um encontro com a amiga, numa lanchonete. Kimberly não acreditava que Morganna vivia um pesadelo. Ela ouviu toda a história da amiga. Morganna vasculhou o apartamento. Encontrou, finalmente, o papel com os nomes e telefones dos investigadores. Kimberly ligou de um telefone público. -"Informaram que Gomes e Eduard estão mortos. O carro da polícia parou sobre a linha férrea, sendo mortos pelo trem de ferro. Uma tragédia. Aconteceu em 2015." Disse Kimberly. Morganna se arrepiou. -"Eles mataram o delegado e os investigadores. Estão impunes, Kimberly. Assassinos impunes." A outra deixou o corpo cair no sofá. -"Impunes e perigosos. Frios e sanguinários. Esse cliente é um deles e certamente não se chama Steve! Só existe um jeito, Morganna. Você sabe da tattoo, ele não sabe que você é a garotinha da chacina! Só você poderá fazer algo." Kimberly buscou, na internet, por algum desenho parecido com aquele que Morganna descrevera. A Intranet. Os níveis mais baixos da rede de computadores. Um local perigoso para navegar. Seis horas de pesquisa na madrugada. Os sites obscuros. -"Achei. Caraca! A Mor vai ficar louca." Os alertas antivírus. Os sinais de alerta. Kimberly saiu daquele ciber espaço rapidinho. Ela se encontrou, no dia seguinte, com Morganna. As duas no cinema. -"É tipo uma seita. Fazem uma limpeza étnica, entendeu? Usam capuz preto. Só o grão mestre tem a tatuagem da cruz com a serpente passando nos olhos da caveira. Quem matou seus pais foi o grão mestre." Kimberly estava eufórica. -" Isso parece série da Netflix. Tipo CSI, Arquivo X... adoro! Muito legal. Desculpa, amiga. Me empolguei." Quatro dias depois, a campainha tocou. Kimberly atendeu. Era um motoqueiro, com uma sacola. -"Bom dia. A senhora pediu pizza?" Kimberly foi até o portão. -"Senhora Kimberly! Está na ficha." Disse o rapaz. Ela abriu o portão. O rapaz atirou, por baixo da bolsa. Uma pistola com silenciador. O motoqueiro se evadiu. Morganna soube pelos jornais. Chorou a morte de sua amiga Kimberly. -" Eles a rastrearam, certamente." Pensou. Quatro semanas depois, o telefone tocou. -" Morganna? Sou eu, Steve. Vai me deixar usar o chicote?" Ela emudeceu. -"Boa tarde. Vou sim." Eles combinaram o encontro. Seria no dia seguinte, no Dallas Motel. Morganna estava ansiosa. -"Tenho que ser forte." Pensou. O spray de pimenta na bolsa, junto do estilete e do bastão de choque. Avisou o amigo, Daryll. -"Amigo, talvez eu não volte. Esperei por esse momento!" O rapaz a abraçou. -"Você vai voltar, Morganna. Sei que vai." Ela estava ansiosa e com um pouco de medo. -"Se eu não ligar em três horas, avise a polícia. Entregue a eles essa carta. Está tudo aí." Steve foi pontual. Um táxi. Ela exigiu pagamento antecipado. O homem tirou o terno. Ele suava muito. O mesmo boné dos Lakers. A chuveirada. A música alta. -"Olha, Ameno. Gostei, vadia! Amo gregoriano." Ela propôs uma massagem. Fez o homem se deitar. Caprichou nos pés. As costas. O homem até deu um bocejo, devido a excelente massagem. Ela massageou as mãos e os braços. A tatuagem. Estava frente a frente com aquela tatuagem que não saia de sua mente. O sexo selvagem e vigoroso. Ele tirou um chicote da maleta. Morganna fingia dor ao receber as chicotadas daquele instrumento de fitas rosas. -"Achei que era um chicote de verdade, amor!" Ela o beijou apaixonadamente. Ele riu. -" Eu a enganei, Morganna! Gosto de surpresas!" Ela pulou sobre ele. -"Eu também, amor. Vai ganhar meia hora a mais comigo!" Ela se arrependeu disso pois ele ficou violento, sufocando-a com as mãos. Os tapas. Morganna cedia, pedindo pra ele bater mais forte. O sangue escorreu dos lábios dela. Ela queria mais. Steve estava exausto. -" Puxa. Isso foi ótimo!" Ela se deitou ao lado dele. Um cafuné. Ele dormiu por um momento. O homem roncava. Morganna se vestiu. Ele acordou. -"Essas algemas?! O que é isso? Me solta, filha da puta, me solta!" Ela sorriu. -"Steve! Não é seu nome. Aqui na sua identidade está Ralph Hernandez. Me explica essa tatuagem, rápido!" Ele sorriu. Ela colocou o estilete na garganta dele. -" É uma tattoo qualquer. Sem significado, amor." Ele suava frio. -"Você é o grão mestre? Só o grão mestre tem a tatuagem da serpente na caveira." Ela mostrou uma foto a ele. -"São meus pais. Eu me safei, queimada, quebrada, quebrantada. Anônima, até agora, grão mestre Tim. Tim de Timoty, seu nome do meio." Steve chorava. -"Você não estava na escola. Estava naquele guarda roupas. Você é aquela garotinha, Morganna?!" Ele cuspiu na cara dela. -" O destino te trouxe pra mim, Tim. Ralph Hernandez Timoty Lancaster. Vocês matou meus pais, o delegado, os dois investigadores e Kimberly." Ele sorriu. -" Sim. Eu e meus amigos da ordem. Vadia. Há outro grão mestre agora, meu tempo passou!" Ela passou o estilete no pescoço dele. O sangue jorrou, manchando o lençol. Morganna ficou alí, até ele dar o último suspiro. Ela jogou gasolina na cama e jogou o isqueiro aceso. -"Queima, diabo!" Ela saiu do motel pela porta dos fundos, com outra roupa e uma peruca. Saiu apenas uma nota nos jornais, sobre o incêndio no motel. Sequer citaram o nome da única vítima. Meses depois, Morganna deixou de fazer programas. Casou-se com Daryll, seis meses depois, na cerimônia simples em Memphis. O batizado do filho, Bruce, na catedral de Chicago. Treze batizados no mesmo dia, na mesma cerimônia. Bruce Neto tinha quinze anos. A crisma, na catedral. A presença do arcebispo Carl Tarantinno. Um senhor de sessenta anos, brincalhão. Uma cerimônia linda. Morganna estava orgulhosa de seu filho. O arcebispo passou, de banco em banco, cumprimentando os pais dos crismandos. A batina vermelha e dourada. A mitra ricamente bordada. Ele afagou o rosto de Morganna. Fez o sinal da cruz no ar. A manga da batina do arcebispo desceu. Morganna olhou, incrédula. No pulso do religioso, a tatuagem da serpente, enrolada na cruz medieval e passando por dentro dos olhos da caveira. FIM

marcos dias macedo
Enviado por marcos dias macedo em 17/01/2021
Reeditado em 11/02/2021
Código do texto: T7162016
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