Sangue e lama
Pisou em falso no rochedo, escorregou e caiu bem na correnteza. Tentou resistir, mas o seu corpo, fragilizado pelas feridas adquiridas, não conseguiu sustentar-se nas raízes do mangue.
Sem piedade, as águas levaram ele à cachoeira, não sairia vivo...
Apenas fechou os olhos quando estava a cair, já dava por certo a própria morte. Porém, sentiu que estava flutuando, abriu os olhos e voltou ao trajeto inicial, quando adentrava a mata.
Arfando e assustado, o coração acelerado, o corpo machucado. Ouviu os passos ríspidos chegando cada vez mais perto e não pensou em outra coisa, apenas seguiu o que disse a voz.
Era por sua vida que ele corria...
O couro da bota encharcado, a calça rasgada na panturrilha e em partes da coxa, o torso sangrando um pouco... Não sentia a dor dos ferimentos devido a adrenalina, mas se não estancasse o corte ele não conseguiria sobreviver...
Pensou em ir pelo igarapé que cortava a floresta, mas mudou de ideia ao cogitar que seria alcançado, seguiu para uma gruta que lá havia, então. Lá de dentro viu eles, o chefe gritava enraivecido por tê-lo perdido de vista, separou o grupo em dois, cinco procurariam pela porção do outro lado do rio, o restante caçaria ele lá mesmo.
Pôde suspirar aliviado, só um pouco...
Percebeu a quantidade de sangue que escorria em seu peito, tirou do coldre dorsal um pequenino kit de primeiro socorros. Amenizou o sangramento, mas ainda era pouco. Passou um tempo considerável em um ambiente fechado e com más condições para se respirar, além de vários medicamentos que deram-lhe para o enlouquecer - tudo no intuito de fazê-lo dizer os segredos da Sociedade -, tudo isso causou problemas respiratórios e naquele momento de perigo percebeu outra hemoptise, dessa vez mais forte.
Foi bastante sangue expectorado pelo chão...
Duvidou, mais uma vez, se sairia vivo dali...
Ficou lá por quase meia hora, viu uma oportunidade de escapar e saiu, vagarosamente, tentando não ser visto. Com a cautela de uma onça à caça, ia lentamente, mas atento, porque a caça era ele. Não podia esforçar-se tanto para escalar até mesmo o médio barranco e cortar caminho, pois estava demasiadamente machucado.
Deu-se conta de uma má constatação... não lembrava do trajeto de saída. A fuga foi tão ríspida... Um uirapuru pousou em sua mão e guiou-o.
Era uma luz...
Seguiu o passarinho, ainda com muito cuidado, mas não adiantou. Um tiro quase o pegou, olhou para a esquerda e viu o bando. Correu com dificuldade para a saída que já conseguia ver, porém, um tiro acertou seu pé.
Ele foi se arrastando, mas uma mão puxou-o pelo pé...
A mesma mão que lhe chicoteou, bateu, cortou, feriu... Lembrava bem dela. Puxava com a mesma brutalidade de sempre, a porta de saída ia se distanciando... Lembrou de quando tentou fugir da cela uma vez, depois de torturado, pensou que conseguiria sair, o chefe chegou bem na hora e o puxou da mesma forma, dor...
Levaram ele para os fundos da mata, onde havia um córrego e lá deram o ultimato: - Conta agora onde estão eles ou morre agora!
Fechou os olhos, não diria uma palavra sequer, como sempre.
O homem de barbas sujas e olhar odioso sorriu: - Amarrem ele.
- Você não vai abrir a boca, é? Deixa que eu farei isso para você, então.
Pegou uma das facas que tinha na cintura e cortou a boca dele, mandou que o restante do grupo se divertisse, foi embora, mas o seu ódio continuava presente. Pegaram o lixo que passava do córrego e colocaram nele, gravetos, vidros, entulhos...
Escorria mais sangue em seu corpo...
Queimaram as mãos e os pés e jogaram ele no canal, o sangue se juntou à lama, aquela alma clama: liberdade... Lama e sangue, uma coisa só, mais uma vez. Quando era torturado, lembrava bem o nojo que tinham quando o capturado sangrava. Se respingasse um pouco neles, corriam para se limpar, tinham nojo do ser por completo.
O corpo seguiu, o canal despejava a água no mar, mais uma queda d'água, a cachoeira do lixo o fez lembrar de uma morte passada...