O Filho do Sol - Capítulo um

Eis a história de um jovem guardião que, ao nascer, herdou a missão de proteger sua aldeia, a mata e os animais até chegar o fim do seu viver, enfrentando o grande mal que provocará a desequilíbrio e a dor de toda a floresta.

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Quando os primeiros raios do Sol douraram o céu escuro e o pranto da mulher ecoou pela montanha, o ancião teve a certeza: estava para nascer aquele quem deveria se tornar o maior guerreiro e protetor de todos. Triste história terá essa alma..., nascerá sem mãe, pois sua genitora dará a própria vida para que ele possa viver. Abençoado pelo astro-rei, nasce o ser de luz, seu primeiro choro representava todo o lamento que passará d’ali em diante. O velho sábio virou o rosto do recém-nascido para que a mãe pudesse vê-lo antes de partir, era um menino muito lindo. Deu o nome de Jaden.

Caiu a última lágrima que restara de si, e então, padeceu.

Estava feito, com o menino nos braços, o velho desceu o monte, sabendo qual seria sua obrigação para o futuro: criar a criança, cuidar e treiná-lo; para que ele se torne o tão esperado guardião.

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Com o menino envolto numa manta esverdeada e deitado numa engalanada cestinha de madeira, o velho, com os seus serventes e o povo, voltava em direção à aldeia, contaria para todos aqueles que continuaram na morada o acontecido: nasceu o nosso protetor! Todos da maloca se encheram de alegria, todas das tabas e choças se uniram para festejar. Pintaram os rostos e saudaram àquele que futuramente traria paz e segurança, com muito muaiô – licor de Aiô, senhor da alegria, usado para festejos de celebração e felicidade -, tambores, cantorias e muita dança pela floresta até o cair da noite. Vinha o raiar do dia e muitos ainda estavam embriagados, o efeito alucinógeno da bebida os fizeram esquecer de tudo para festejarem a noite toda. Jaden, sob os cuidados das mães senhoras da aldeia, dormia tranquilamente em um berço ornamentado de pedrinhas preciosas, panos finos, tudo para que ele ficasse o mais confortável possível.

“Tem noção da responsabilidade que você tem para com ele e para com todos nós, não é? ” – a mais velha das senhoras perguntou para Arubon, o ancião.

“Sim, me dedicarei o máximo para que ele possa cumprir sua missão”

“Sabes bem que ele terá que passar pelo rito da maldição, não sabe?”

Essa pergunta perturbou a mente do velho, o rito da maldição era algo que todos os guardiões passavam, é nesse ritual onde é passado todo o poder vital dos protetores ao tateera; isso é passado de geração em geração. É um processo doloroso, o coração do guerreiro é arrancado e servido de alimento para todos da tribo, em seu lugar é colocado um coração feito de uma esmeralda detentora da energia dos deuses-protetores. Era notória a preocupação de Arubon, pois teria que fazer isso uma hora ou outra, mas preferiu esperar, não queria fazer a criança passar por algo dessa magnitude tão cedo, decidiu esperar para quando tornasse um efebo.

“Sim...”

Deu a singela resposta, esqueceu as preocupações e deixou-se sorrir, levando a cuia à boca e ingerindo um pouco do muaiô. Satisfez a velha senhora.

Chegada a manhã, revoadas de uirapurus e araras coloriram o céu azulado, a sinfonia da mata fez o menino acordar e, maravilhado com o cenário paradisíaco da natureza, contemplou o ambiente. Era o seu primeiro contato com as maravilhas as quais seria ele o responsável de conservar, nem sabia dessa gigantesca responsabilidade, pois era apenas um bebê.

Dunobí, uma doce mulher de uns quarenta anos, o pôs no colo e foi passear com ele, passara pela floresta e os pássaros, cobras, saguis, jaguares e bichos da mata paravam para vê-lo de longe. Foi até a cachoeira, num lugar onde havia um lindo laguinho que recebia a água da cascata, em sua volta tinha um imponente ipê de folhas roxas, sentou-se embaixo da árvore e deu de mamar a criança. O som da queda das águas e das aves lhe fizeram relaxar.

“Quando procurar por paz, basta vir para cá que encontrará...”

Cochichou a mulher para o menino, que admirava a sua doçura. Pegou com a mão um pouco de água da lagoa e molhou o menino, era o seu primeiro banho. Fazia isso para que purificasse ele dos males que poderiam feri-lo.

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Longe d’ali, no local de mais alto respeito da aldeia, Arubon curvava-se à grande feiticeira da tribo. Era ela a responsável pelos ritos religiosos importantes, além de ter uma grande sabedoria obtida pelos deuses.

“O que queres dessa velha e cansada senhora?“

“Quero que consulte Ûunorã – senhor da sabedoria – para tirar-me uma grande dúvida.. ”

“Como quiser.“

E então, Jotosuô pegou as mãos de Arubon e furou levemente a ponta de seus dedos, pôs a mão direita sob sua cabeça e mergulhou a mão esquerda numa cumbuca com um líquido azul-cintilante. Nesse instante, a voz do grande deus da sabedoria ecoou pelo consciente do ancião.

“Por que vieste me procurar? “

“Senhor... Você sabe... o nosso herói nasceu. A maldição tem que ser selada, mas não tenho coragem para fazer isso com ele... Não acho que seja o momento certo."

“Você sabia que teria de fazer isso, uma hora ou outra, não pode fugir dessa responsabilidade, isso foi deixado bem claro quando quis seguir esse destino.“

“Mas... Ele é apenas uma criança, nasceu há muito pouco tempo, não acho justo fazê-lo sofrer agora, ainda mais assim. “

“Disseste que ele é o vosso herói, certo? Então, deixe para fazer isto quando ele realizar o primeiro ato heroico, assim será digno de herdar o poder dos deuses.“

Arubon deu-se por satisfeito com o conselho, faria como Ûunorã havia lhe dito. Agradeceu a divindade e acordou do encantamento. Com o fim da sessão, a velha senhora levantou e se deitou na rede, seu trabalho com ele havia terminado. Reverenciou mais uma vez à Jotosuô e saiu de sua casa, consciente de sua obrigação.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 11/12/2020
Código do texto: T7133376
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