Seres da caatinga
À noite a caatinga se calava, nem mesmo os urutaus ousavam cantar ali. Um viajante desavisado, pisando nos galhos secos, procurava pelo caminho de volta. Perdeu-se do grupo ao cair da tarde e agora estava naquela capoeira, sem saber para onde ir.
Bem seria se fosse apenas aquilo... Enquanto andava naquele escuro, pisou em algo cortante e feriu o pé. Arrependeu-se amargamente do momento que ele teve a brilhante ideia de tirar as botas de couro para "aliviar os pés"...
Escorria sangue, mal conseguia pisar direito. Era o pé esquerdo o ferido, rasgou um pedaço de sua camisa e fez do tecido um curativo. Como não podia ficar parado ali, resolveu seguir em frente, mesmo sentindo muitas dores. Pegou o tronco fino de uma árvore média e fez dele um apoio para andar.
Ia, mancando, mas ia, sem rumo ainda por cima...
O silêncio da mata branca, até então despercebida por ele, agora, fazia medo. Só ouvia o quebrar dos galhos que pisava, nada além. Tudo aquilo era um terror psicológico, entendia assim. Estava sozinho e perdido e nada ajudava.
Desviava dos cactos e tentava ignorar a dor que incomodava. Viu, ao longe, algo diferente de tudo que já tinha visto na área. Um amontoado de pedras formando algo semelhante à entrada de uma gruta. Achou uma boa ideia passar a noite lá, já tinha aceitado que não encontraria o caminho para a vila e tampouco encontrariam-o. Deixaria para procurá-los ao dia, era o mais inteligente a se fazer.
Chegou na estrutura e surpreendeu-se: elas levavam a algum lugar.
Achava que era apenas um espaçozinho de pedregulhos, porém, havia uma espécie de escadarias para o fundo. Ah, era aterrorizante só de olhar aquele breu. O que havia lá? Era essa a pergunta que lhe martelava a cabeça. Estava certo em não ir, mas uma luz roxa chamou sua atenção.
Ela instigava a segui-la. Relutou um pouco, mas foi, morrendo de medo...
Ia, vagarosamente, pelo receio e pelo pé. Aquela luzinha o guiava, descia cada vez mais fundo, tanto que quando olhou para trás não pôde ver a luz lunar da entrada.
Então, de repente, a luz sumiu.
- Era só o que me faltava!
Tudo escuro, sozinho... A agonia passava a tomar conta dele, mas, respiro fundo e manteve a calma.
- É só voltar de onde eu vim, simples. - pensava alto, uma forma de tentar conter o sentimento de medo e solidão.
Era simples? Sim. Mas as coisas não são tão simples como se parecem. Quando virou para voltar deu de cara com uma parede. Estava preso... Como?
Simplesmente o caminho de volta não existia mais, o desespero o tomava por inteiro...
Ha ha ha!
Uma risada maléfica, tochas de fogo acenderam-se e revelaram o que não se podia ver: estava num corredor de pedra. Restava ao jovem seguir em frente. Temeroso e desesperado, ele foi. Passou pela abertura e entrou numa sala cheia de musgos verdes com uma espécie de altar no centro.
O local lhe dava asco, era nojento e cheio de coisas estranhas. Rumou o altar e pisou em algo que fez arder o pé enfaixado, o lembrando que tinha-o ferido. Seguiu mancando até a mesa de pedregulhos e viu algo escrito num alfabeto que desconhecia.
Mãos com dedos enormes pousaram em seus ombros, olhou para o lado e viu um ser acinzentado, com uma língua enorme, sorrir para ele. Tentou gritar, mas a criatura o calou com uma das mãos. Com a outra alisava seu corpo, sentia vontade de chorar com tanta angústia.
Aquele monstro passava a língua longe e pontuda por sua orelha e pescoço, então, começou a despi-lo, o jovem não conseguia se mexer, apenas chorava...
A criatura esguia o deitou no altar e, rindo, sumiu.
Não conseguia se mover, seu corpo tremia, mas não obedecia qualquer ordem. Como queria que aquilo fosse um pesadelo... Braços saíram das paredes, dela outros monstros apareciam, rastejando foram até aquele jovem e o devoraram lentamente, fazendo-o sentir o máximo de dor possível.
Pela manhã, Matias, o guia da excursão e o restante do pessoal foram à procura dele, andaram por toda a caatinga e só encontraram uma de suas botas. Pediram auxílio da polícia, mas nunca mais ele foi visto...