O herói da maldição

Era da mata densa o seu chamado, nela também estava a armadilha. Ouvia as vozes chamarem-o incessantemente, o tempo todo, não aguentava mais. Ele tinha que ir até lá, era seu fardo, era seu destino, não podia, para sempre, renegar a razão de sua existência.

Viera ao mundo para dar fim àquela maldição. Ela já estagnava a bonança da Vila Verde de Aragão, interior nordestino, há anos e há todos esses anos a população local sofre e aguarda a espera daquele que seria o salvador, como diz a lenda.

Mas já viera ao mundo o tal salvador e ele estava ali, porém, não sabia o povo. Devia ele ser a solução dos problemas daquela comunidade, uma vida por todas, um ato heroico, um mártir. Assim deveria ser, mas não era a vontade do herói. Ao mundo veio parar livrar uma maldição, contudo, por sua própria existência e missão, ele já tinha uma maldição.

Morreria para livrar os outros, assim, quebraria também a sua dor, mas não seguiria a vida para usufruir dessa libertação. Era injusto, não? Malditos demônios da floresta, maldita era a infame mulher que derramou sangue no coração da mata. Malditos, maldita, maldição, vida perdida, vida confusa, vida amaldiçoada.

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Mesmo triste com a consequência-própria, tomou a decisão: sacrificaria-se em prol do bem coletivo. Uma única vida não valia mais que outras milhares, aquelas almas precisavam de paz, e mesmo que entristecido, em devaneios percebeu: mesmo que eu evitasse, nunca poderia ser feliz, morreria com esse pensamento infeliz a me perseguir. É melhor perder a vida num último momento de liberdade, do que viver até o fim sem a felicidade.

Festa grande, festa forte, barulhenta e colorida, a vila reunira-se para celebrar o salvador. Enfeites ao seu corpo foram colocados, o trataram bem o máximo que puderam, enfim, seriam libertos.

Baixou a lua, enorme lua, noite enluarada de mistérios e sentimentos.

Cada passo, já dentro daquela mata, era um novo medo, um novo suor a escorrer, um novo suspiro. Gritos, gritos e mais gritos, eles o seguiam, rindo, debochando, mas não por vontade própria. Os pobres espíritos que chamavam-o simplesmente eram vítimas também. A influência maligna espalhava a maldade até para os puros mortos, mas era por eles também que o herói cruzava a floresta. Guiavam-o para o lugar certo, assovios e canções fingidas, o ser do mal não poderia perceber o que ocorria ali, entretanto era atento o rapaz, prestava bem atenção o que passava-se, via os rostos esperançosos dos espíritos, obedecia o que eles pediam.

Enfim, chegou ao local esperado, o qual dizia a lenda:

"O herói seguirá mata adentro, escapando das artimanhas infernais, e chegará numa área limpa e decoradas de tulipas, ao centro haverá a lápide da Maldita, lá, fará ele a quebra de toda a maldição e tornar-se-á o Salvador do lugar".

Era assim que deveria ser, era assim que seria, liberdade teria, para ele e para os que outrora prometia. Desnudo já, apenas a luz do luar era quem cobria-lhe em prata. Andou um pouco mais e em frente à lápide parou.

"Servus, qui erumpit execratione maledicta congessit".

Tirou da cova o corpo da mulher, intacto, cobriu-o com as tulipas e rezou. O fim da maldição. O lugar da Maldita tomou, as benditas almas o enterraram, agora elas eram livres. As tulipas incendiaram o corpo da maldição, o grito maior assustou floresta. Era o fim da maldade e o surgimento da liberdade...

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 30/10/2020
Código do texto: T7100252
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