VISÕES - (ESPECIAL HALLOWEEN 18) - MINICONTO
Havia uma mesa e duas cadeiras na sala. Um policial armado estava parado perto da porta imóvel, porém atento a tudo.
Ela estava sentada na cadeira com as mãos e os pés atados por correntes e algemas, usava um uniforme laranja do presídio e estava fumando um cigarro que tinha sido oferecido por Gilmar.
Ela não estava olhando para ele, na verdade ela não estava olhando para lugar algum, apenas estava ali fumando o cigarro.
Era uma mulher bonita, devia ter uns trinta anos, embora aparentasse muito mais que isso. Havia profundas olheiras em seus olhos grandes e azuis, indicando que ela havia chorado bastante e não dormido muito.
Pela ficha que ele tinha na sua frente sabia que o nome da mulher era Maria Cândida da Silva, e ela está a presa preventivamente acusada pela morte do filho, um bebê de três meses de idade. Maria era ré confessa.
Na verdade Gilmar gelada quando leu o documento. Maria havia usado uma faca de cozinha para matar o filho. Um único golpe fatal bem no coração. Ela mesma chamará a polícia.
Gilmar estava ali porque a lei dizia que todos tinham direito à defesa, e ele era o advogado de defesa designado pelo estado, já que até o presente momento a mulher não havia pedido um advogado e não havia tentado se defender de qualquer maneira.
Era certo que ela pegaria pena máxima, pois ela respondia a um homicídio qualificado, com agravante, já que a vítima era incapaz e sem qualquer possibilidade de se defender.
O trabalho de Gilmar era apenas tentar amenizar a pena, embora ele tivesse dúvidas de que aquela mulher merecesse. Então o que na verdade ele estava fazendo ali, era apenas o seu trabalho, nada mais.
Mas na verdade ele estava ali porque queria entender, queria ouvir da boca dela o porque, queria entender porque uma mãe pegava uma faca e a enfiava no peito do filho de apenas três meses de idade.
Era uma coisa cruel, sem cabimento. Gilmar se recusava a acreditar que uma coisa dessas pudesse existir.
Até no presente momento a mulher mostrou-se calada.
Elena girou sentindo-se meio perdido. Então pigarreou e tentou uma abordagem:
— Bem, senhora Maria... Precisamos conversar sobre o julgamento de amanhã.
A mulher olhou para ele por alguns instantes e então perguntou:
— O que você está fazendo aqui?
— Eu fui designado pelo estado para fazer a sua defesa...
— E quem pediu?
Gilmar ficou ainda mais desconcertado.
— Bem... Senhora...
— Eu matei meu filho.
— E porque fez isso?
Maria o estudou por alguns instantes, seus olhos azuis estavam ficaria nos dele, como se ela sondasse sua alma.
— Você não acreditaria.
— Porque não tenta?
Ela ficou em silêncio por alguns instantes e então falou:
— Eu vi.
Gilmar ficou sem entender.
— Viu... Viu o que?
— Eu vi ele.
— Seu filho?
De repente ele estava interessado naquela conversa e decidiu ligar o gravador. Podia ser uma saída, ele alegaria que a mulher sofria de insanidade mental e portanto não era capaz de responder por seus atos. Às vezes aquele tipo de coisa acontecia, eles chamavam a coisa de depressão pós parto, algumas mulheres podiam enlouquecer.
Maria olhou para ele e continuou:
— Eu o vi no futuro, quando adulto.
— E o que foi que a senhora viu?
— Eu vi o que ele fez, no que ele se transformou.
O olhar dela era vago e perdido. Com certeza aquela mulher estava com sérios problemas mentais, o que de certa forma era bom. Ele ganharia aquela causa, a penas máxima que ela ganharia era passar o resto da vida em manicômio.
Ela desviou o olhar e sorriu, um sorriso de nervosismo.
— Você não acredita em mim. Para acreditar precisaria ter visto o que eu vi. Eu também não acreditei quando vi.
— Escute Maria. Você está em apuros. Está sendo acusada por homicídio qualificado com agravante, e vai pegar a pena máxima, ao menos se conseguirmos provar a sua inocência no júri. E essa conversa não está ajudando em nada. O juiz não vai engolir esse papo. Esqueça.
— Quero esquecer. Mas você não esquece de uma coisa dessas da moita para o dia. Não quando vê uma coisa assim.
— Afinal, o que foi que você viu? Porque matou seu filho?
Ela suspirou e começou a falar:
— Aconteceu quando eu comecei a amamenta-lo no peito. Eu vi meu olho no futuro, e no futuro ele era uma espécie de gangster, ele controlava uma facção criminosa . Mas o pior não era isso. Eu vi a guerra que ele causou. Eu vi cidades inteiras devastadas, pessoas mortas pelas ruas. Os urubus comiam seus cadáveres.
" Meu filho havia montado uma espécie de exército, um exército formado pelos piores bandidos e marginais do país. Eles marcharam até Brasília, mataram o presidente e o tomaram o poder."
— E daí? - Perguntou Gilmar.
— Conhece o significado da palavra anarquia, senhor advogado?
- Sim...
- O senhor sabe o que é caos? Tem alguma ideia do é o apocalipse?
Ela parou de falar, e estendeu a mão direita sobre a mesa.
— Ainda está aqui. Porque não vê com seus olhos?
Gilmar tentou sorriu e olhou para a mão da mulher. Ele nunca entendeu porque, mas de repente viu-se segurando a mão da mulher.
A coisa durou apenas alguns segundos mas dói como se tivesse passado uma vida inteira lá.
Ele viu. Ele viu a guerra, viu as pessoas mortas e viu o que as pessoas chamavam de o apocalipse.
Quando se deu conta Gilmar estava sentado na cadeira suando de alto a baixo. O coração disparado no peito e uma expressão de pânico no rosto.
A mulher de olhos azuis sorria para ele.
Na manhã seguinte Maria foi julgada e condenada a 100 anos de prisão em regime fechado. Ela foi mandada para um presídio de segurança máxima e ele nunca mais a viu.
Naquele mesmo dia Gilmar chegou em casa exausto por conta da dura rotina de trabalho.
— Papai!
Vinícius, seu filho de quatro anos de idade veio correndo até ele e Gilmar o pegou no colo.
Então ele vi.
As imagens surgiram como um filme de pessoa qualidade em sua mente, mas ele viu nitidamente o futuro, e no futuro Vinícius era o presente do país, um tirano ditador. Gilmar viu o caos se espalhando pelas ruas das cidades. A
Novamente a coisa durou apenas uns segundos, mas foi como passar uma vida inteira lá.
Gilmar pisou em ossos humanos espalhados pelas ruas.
— Papai. O senhor está bem?
Gilmar olhou para seu filho.