O dia que a Lua desceu para cobrar uma dívida.
A Lua, cheia de mistérios, brilha lá no céu. Quem a observa não sabe dos segredos que ela guarda. Um dia, o homem do cais lhe prometeu algo muito valioso, desesperado, à noite, na beira-mar.
Velas brancas, uma virgem e uma adaga banhada em ouro.
O sacrifício foi feito, o sangue foi derramado, a lâmina foi manchada e as velas se derreteram. A dona da noite olhou com satisfação a oferenda. Deu ao barbudo marujo o que ele almejava, entretanto havia um empecilho: toda noite de lua cheia a promessa deveria ser renovada.
E toda noite de vultoso luar uma moça sumia...
O tempo passou, aquele homem já não morava mais albergue paupérrimo, sua casa era uma bonita e espaçosa, no nobre Bairro do Zéfiro. Seus antigos colegas não sabiam como ele, outrora pobre e simples trabalhador do porto, conseguiu mudar tanto de vida em tão pouco tempo.
Ele não trabalhava mais, vivia em casa, bebendo e comendo, engordara bastante. Nas raras vezes que saía de casa, todos encantavam-se com a opulência do homem. Roupas elegantes, caras e apostando muito em casas de jogos.
Fez amizades e virou uma pessoa influente naquela cidade, era chamado de Barão do Mar pela população, que o respeitava e, algumas vezes, o temia.
Tudo aquilo eram presentes que a Lua dava em troca de cada vida a ela oferecida.
Um dia, porém, em mais uma noite de luar, Francisco Pontes de Abreu, realizava uma festa em sua casa, a primeira. A razão desta não era apenas para celebração, viu nessa ocasião uma oportunidade de conseguir jovens com mais facilidade do que antes.
Era aberta para a sociedade como um todo, ricos e pobres. Essa atitude, aos olhos do povo, só fazia aumentar a admiração por ele.
O barão, sentado com alguns outros, olhava como um predador para as moças presentes, sequer respondia o que os amigos perguntavam-lhe. Pôs os olhos, fatidicamente, numa bela jovem que lá havia.
Era negra e de grandiosos cabelos crespos, usava um vestido simples de cor bege e um laço lilás na cintura. Era ela quem fora escolhida...
Aproximou-se como quem não queria nada e iniciou diálogo, em pouco tempo descobriu que se tratava de uma mulher sofrida. Sua mãe morreu quando a teve e não se sabe o paradeiro do pai, foi criada por membros de uma associação de pessoas pobres, que juntavam-se para cuidarem dos seus semelhantes, em coletivo.
Tinham sede num terreno que conseguiram por caridade do antigo prefeito e viviam de donativos. Alguns dos presentes estavam na festa, ela soube e foi junto.
Muito interessou aquela jovem ao barão...
Convidou a bela donzela para que fosse junto com ele para a praia, era perto, porém, ela desconfiada ficou, pensava que se tratava de mais um homem rico a oferecer-lhe dinheiro em troca de seu corpo, mas ele fez questão de tranquilizá-la...
Ela o acompanhou, alerta. Estavam em frente para o mar, calmo e iluminado pelo aprazível lume... Seria ali o seu fim, mas quisera o destino que não. O homem se apaixonou por ela e não teve a capacidade de fazer a moça qualquer mal que fosse.
O pacto, ali, fora quebrado...
Passaram-se anos, sete, no total. A mulher casou-se com ele, depois de muitas tentativas, gentilezas e provas de amor. Não puderam ter filhos, o homem era estéril, foi uma tristeza quando descobriram, mas resolveram adotar. Um menino de três anos, abandonado pelos pais, muito bonito e feliz com a família.
Com a esposa e o filho, o barão esqueceu-se completamente do próprio passado sombrio, dos assassinatos que cometera, da adaga suja, das chamas dançantes das velas, de sua promessa...
Mas havia alguém que não havia esquecido... E este alguém, na noite de sexta-feira resolveu cobrar a sua parte.
Era uma noite linda e silenciosa, a Lua estava resplandescente, enorme, nunca alguém tinha visto ela tão perto assim, parecia que estava a beijar o céu de tão próxima. Todos que a viam contemplavam. Menos aquele homem... Ele sabia o que significada aquilo.
Ele não foi dormir às nove, como de rotina, levantou-se da cama, pois não conseguia dormir. Deixou a esposa em seu descanso e deu-lhe um beijo em sua testa. Ao filho soltaram-se lágrimas.
Foi à areia branca, embaixo da ponte de pedra, onde ficava o farol. Ah, como ele conhecia aquele lugar, quantas lembranças... Quantos rostos...
Enquanto lembrava-se das maldades cometidas, um ser feminino, de pele prateada e emanado uma luminosidade leve em um azul cintilante...
- A ti dei tudo que querias, como me agradece? Esquecendo-me de mim e de nossa promessa?
Não conseguiu respondê-la, apenas ajoelhou-se clamando misericórdia, prostrado àquela deusa... Já era tarde, desonrou o pacto.
Seu corpo alimentou a ira da bela deusa do céu, o sangue manchou as areias e uniu-se ao mar.
A grandiosa Lua, lá no céu, fez de rubro o seu luar...