O fim de Moa'ati - Conto que seria para o CLTS

Dário já não sabia mais o que fazer para fugir daquela miséria, vivia num campo remoto, longe de tudo. Mudou-se para este local após ouvir de pessoas da cidade que o futuro estaria no interior, fazendas, plantações, animais; poderia vender as mercadorias cultivadas e ganharia muito dinheiro. Pegou então todo o seu dinheiro e rumou as cidades interioranas do estado do Ceará. Dentre todas escolheu uma: Jaguaribe.

Lá ele comprou um sítio médio, um pouco velha, teve de pagar algumas reformas, na casa, no cercado etc. Passou lá cinco anos, as coisas iam até bem, mas no ano de 1947 as coisas começaram a desandar. Uma seca, das piores, assolou a região. Jaguaribe e cidades circunvizinhas sofreram com a falta d’água. Muitos animais morreram de sede, plantações secaram, sem água não há vida e, com isso, as pessoas que não puderam sair daquela tristeza, acabaram por, senão morrer de fome, roubar e até matar para poder se manter.

Dário, já sofrendo com as consequências da seca, não sabia o que sucederia com a sua vida, pois em sua fazenda foram-se o gado e demais bichos, pouquíssimos sobraram, porém esses não durariam muito tempo. E seu cultivo agora virara pó, tudo seco, tudo morto. Não queria abandonar seu lugar, gastou uma enormidade de dinheiro, todo o seu investimento foi lançado aqui, se voltasse para a cidade com toda a certeza passaria fome e teria de viver como pedinte.

Como ainda tinha alguns mantimentos para sobreviver por mais um tempo, resolveu ficar, pensava que poderia as coisas melhorarem, então lá ficou por mais um tempo. Um erro, ora, a seca apenas ficou mais agressiva, o igarapé que lá tinha, com pouquíssima água, acabou secando, para desespero dos poucos habitantes que lá insistiram em ficar, e Dário era um deles.

Pouco a pouco os fazendeiros e comerciantes locais desistiram e resolveram abandonar a cidade de vez, Jaguaribe parecia até uma daquelas cidades fantasmas, quase toda rua era deserta, não havia sequer um cristão que lá andasse. Dário permanecera lá, mas seu alimento guardado já estava em estoque mínimo, logo iria acabar, para seu desespero.

O tempo foi passando cada vez mais, a criminalidade causada pela maldita seca foi se aflorando, num determinado dia um grupo de esfomeados viram o Sítio Santa Clara, a de seu Dário, e resolveram lá invadir para saquear o que lá tivesse. Dito e feito, à noite, enquanto dormia o homem, aqueles quatro indivíduos pularam o cercado e o renderam, amarraram-no e levaram o que acharam de comida e riquezas daquela casa. Dário viu tudo, acorrentado e amordaçado, escorrendo lágrimas de seu rosto ao ver tudo o que construiu ser levado.

Quando toda a situação se passou, um vizinho o socorreu, mas era tarde, tinham levado o que ainda sobrara de comida. Desde então não sabia mais o que fazer, voltar para Fortaleza ainda era algo que não estava em seus planos, insistia ainda em ficar em Jaguaribe, pois cá criou laços, teve sua riqueza e mudou de vida. Agora a desgraça caía sobre si...

Desde então reclamava da vida e como ela era ruim consigo, nada mais tinha, apenas aquela porção de terra, que, por não ter como pagar os impostos, logo seria tomada de si e colocada em leilão. Desejava a morte, mas um dia algo aconteceu que mudou o seu rumo completamente...

Dário estava certo que iria suicidar-se, não aguentava mais os problemas, amarrou uma corda no teto de sua casa e, de joelhos e olhos fechados, rezava por perdão pelo pecado. Foi quando abriu seus olhos e deparou-se com uma carta a sua frente.

“Se quiseres mudar teu destino para um de prosperidade, paz e alegria, basta ir na boca da noite na capoeira perto de sua casa, achará lá uma poça encantada que mudará sua vida”.

Leu tudo e estranhou, não sabia como aquele papel havia parado ali, mas já não tinha o que perder, então resolveu à carta obedecer. Esperou a noite cair e direcionou-se à mata que antigamente fora queimada e atrás de sua casa ficava. Andou um pouco, nada encontrou, achou que estava enlouquecido e aquela carta era fruto de sua loucura, chorou, desabando no chão. Sua lágrima tocou aquele solo seco, enquanto ele chorava, aquela lágrima percorria um caminho e parou num buraquinho, fazendo de lá surgiu uma poça que brilhava.

Abriu os olhos e viu o rastro, era de suas lágrimas, elas estavam cintilando, parecia que mostravam um lugar, ele as seguiu e chegou lá. Ora, viu o fundo do algibe e viu lá água límpida, cristalina, parecia até um portal. Podia ver dela a lua, as estrelas, seu rosto.... Foi quando ecoou de lá uma voz, parecia o chamar.

- Entre cá, busque sua felicidade!

Não hesitou e pôs o corpo, sendo sugado por completo, foi então que tudo mudou. Parecia que estava dentro do mar, via peixes coloridos, vários cardumes, assemelhavam-se com pinturas que via nos livros de arte quando era menor. Baleias, tubarões, arraias, águas-vivas, toda a fauna marítima estava lá para ser vista e aclamada, dando vida e beleza aquele local tão desconhecido pelo homem. Dário tudo via, embasbacado com a profusão de cores e luzes, sentia-se no céu, com aquela imensidão azul do mar colorida com os seres viventes de lá, como se fossem os lindos pássaros.

Tirado de seu devaneio contemplativo foi, por uma linda mulher, esbelta e refletindo sua pele a cor prateada, parecia até não ser uma humana. Ela aproximou-se sorrindo, o pegando pelas mãos.

- Meu amado Dário, senti em meu peito uma dor ao sentir tua tristeza causada pelas amarguras de sua terra, sei que está confuso com tudo isso, mas estás em casa, o oceano é a casa e o embrião de tudo existente nos continentes. Foi da água de tudo surgiu, da água tudo nasce e tudo floresce e água tudo retornará a ser. Você já fez parte daqui, Dário, e tudo o que você ou qualquer outro sente, o mar também sente. Eu senti seu sofrimento, uma dor terrível, me coloquei em seu lugar e vi que não poderia querer tamanha tristeza para mim, por isso chamei-te aqui para que pudesse ter a chance de mudar tudo isso...

Dizia aquela mulher das águas que mais parecia ser um anjo, colocando sua mão no rosto daquele homem sofrido, que não lhe tirava os olhos.

- Você pode mudar sua vida se fizer algo por nós, do mar, daremos a ti riquezas que cá existem, água pura para nutrir vossa terra, terás a felicidade que já não cai sobre ti há um tempo...

- Como podes fazer isso por mim? – disse, já pensando em aceitar qualquer coisa que lhe fosse pedido.

- Há nas profundezas dessa vida aquática um monstro, ele é um ser feroz, terrível, que adormecido na escuridão do mar fica, mas quando acorda, devasta tudo que é vida aqui... Para encontra-lo tem que ir bem abaixo do que se pode, onde nada se enxerga e tudo se perde, ele fica numa espécie de cripta, feita de ossos de peixes e outros animais, dormindo num grande salão.

- Como poderei eu fazer algo? Sou apenas uma pessoa comum, terei de batalhar contra um monstro, ainda mais, não sei nem como conseguirei sobreviver nas condições do oculto do mar, aliás, eu não deveria estar aqui. Como consigo respirar aqui?

- Você está encantado, não sentirá as adversidades fisiológicas, pois é como se fosse um ser mágico, por meu poder a ti lançado. Te darei o necessário para lutar contra o malvado monstro que nos aterroriza. Confio em ti, tens que confiar em mim, em você está depositado a confiança dos seres do mar, não estará sozinho. Lute, ganhe e tudo terás, o tesouro perdido, a água que necessita. Lute por nós, que lutaremos por ti.

Ouviu as palavras, seu peito encheu-se de coragem, aceitou o desafio. Um sorriso surgiu no lindo rosto daquela mística mulher, que começou a sumir, transformando-se em vários peixes e deixando para Dário uma espada mágica e um escudo, ornamentados com conchas e brilhantes como as pérolas das ostras. Empunhou as armas e gritou.

- EU ESCUTO O VOSSO CLAMOR, OCEANO, E LUTAREI POR VOCÊ!

Foi, então, que surgiu em sua volta várias borbulhas que arrodeavam o seu corpo, um cavalo marinho dourado surgiu a ele, montou no animal e foi levado à zona abissal. O ambiente em sua volta viu mudar, já não era mais a fauna que conhecia, agora via seres estranhos, transparentes, que emitiam luzes, um mais esquisito que o outro.

Tocou o solo, mas nada conseguia ver, tudo era breu, nem os peixes luciferinos, estava totalmente isolado. O cavalo-marinho que o levara para lá, de uma hora para outra, fragmentou-se em pequeninos cristais luminescentes de cor azulina, se aglomerando em sua frente e formando uma espécie de lampião, finalmente tinha uma fonte de luz dentre aquele escuro. Deu um passo à frente e sentiu estalos de sólidos se despedaçando, jurou que fossem ossadas, olhou para baixo, para ter certeza, mas eram objetos estranhos, dos mais variados tipos, não sabia distinguir, o chão estava coberto daquelas coisas.

- Basta me seguir... - a voz da mulher marina reverberou.

Um rastro luminoso formou-se, indo em direção leste, Dário seguiu, andou, andou, andou, até chegar numa espécie de covil.

- Aí está o nosso mal, destrua ele, nos salve...

Escutando as súplicas, adentrou aquele lugar tenebroso, onde nenhum ser vivo marinho ousava se aproximar. Cada vez mais ele descia, o décor maligno dava uma perspectiva ainda mais assombrosa, sentia medo, mas tinha que engolir o sentimento. Descendeu tanto que, ao chegar numa parte circular, enorme e vazia, pensou que enfim, chegou no local de combate, porém, nada lá havia. O que tinha ocorrido?

Existia lá, naquele vão, apenas algo parecido com uma rocha, bem grande, ao meio do covil, nada ocorria...

- Cadê você? Maldito! Eu vim lhe desafiar! – gritou, esperando que seu oponente surgisse.

Aquilo que ele julgou ser uma pedra, então, começou a se erguer, se mostrando o grandioso monstro que atormentava os mares. Ele era bem grande, não colossal, podia dizer que tinha cerca de quinze metros, era muito para um simples homem. O ser, antropomórfico, tinha em seu braço esquerdo uma garra de caranguejo, esverdeado, o outro, parecia restos de objetos, pareciam eletrodomésticos, madeiras, seu corpo todo tinha retalhos de redes, plásticos, assemelhava-se mais a um ser do lixo do que das águas. Os olhos brilhavam, eram verdes, de um verdejar profundo.

- Quem ousa me desafiar?

- Eu! Lutarei contra ti para libertar o oceano. – respondeu Dário.

O monstro apenas riu, e desdenhou dele: - Veremos...

Então ele socou o teto do covil com força, abriu-se uma espécie de espiral, onde saía de lá luzes, como se fossem da superfície, e uma cascata de lixo. Puxou daquela lacuna uma espécie de clava e desafiou o pobre homem. Dário, amedrontado, não sabia o que fazer, estava em desvantagem total naquela batalha, mas lembrou do que lhe disse a sereia: “Você está encantado...”

Então viu sua pele ser revestida em escamas brilhantes, surgiu finas nadadeiras nos braços, uma força começou a lhe tomar.

- O mar está com você! – aos gritos, disseram seres marinos, surgindo naquele covil – Eis o seu fim, Moa’ati!

Começou, então, a guerra, Moa’ati, o lixo dos mares, desferiu um golpe em direção a Dario, este que desviou com rapidez devido uma “nuvem” de peixes que o tirou da direção da clava. Moa’ati poderia ser alto, mas muito lento, em contrapartida. Os peixes aglomerados transportavam Dário de um lado para outro, tinha ele dificuldade em equilibrar-se, mas conseguiu se acostumar.

O monstro tentava tirar a arma, que acabara pregando-se, do chão. O homem aproveitou a oportunidade para desferir um golpe com sua espada no braço do ser, mas não fez muita diferença, pois, mesmo ferindo Moa’ati, ele acabara pegando o lixo que escorria do espiral e sempre regenerava as feridas.

- Eu sou imortal! Eu sou o lixo das águas, eu sou o lixo que se renova a cada minuto, não tens como me destruir! – gritava, tentando acertar Dário.

Com tantos golpes dados no ar, acertou um, nas pernas de Dário, que foi arremessado e caiu, machucado, não conseguia se levantar. Pensou que era o fim, mas aquela mulher apareceu a ele bem na hora que Moa’ati iria desferir o golpe final, formando uma bolha dourada, os protegendo. Aquela mulher da água era Inehai, a senhora protetora dos mares. Na antiguidade sempre esteve feliz, cuidando das águas, antes do mar ser invadido pelo lixo da humanidade.

Foi tanto lixo que ela não pôde dar conta, acabaram criando um monstro, este é Moa’ati, que assombra toda a vida marítima. Ela viu que Dário iria padecer naquele momento, surgiu para protege-lo, viu suas pernas feridas, tocou-as e fez nelas surgir uma proteção feito encantaria, mas para Dário não parecia ser o suficiente, achava que não conseguiria derrotar o monstro, por mais que o acertasse, nada adiantava.

- Eu sei o segredo... Para destruí-lo terá que acertar o coração dele, é o ponto fraco, uma pedra brilhante em verde, se acertar sua espada neste lugar você o derrotará. Não desista!

Inehai o beijou, daquele beijo transfigurou-se em pó branco, que revestiu todo o corpo do homem, lhe dando uma força inestimável, ele sentia que agora conseguiria derrotar seu oponente. Ergue-se, encarou o ser com determinação.

- Chegou o seu fim. – disse Dário.

Moa’ati pegou uma pilha de lixo no chão, moldou dela uma bola e arremessou em direção ao inimigo, mas Dário, tomado pela energia do oceano, subiu numa velocidade sobre-humana. Seu corpo estava tomado por Inehai, apontou a espada em direção ao peito de Moa’ati, este viu a pretensão de Dário, sentiu medo.

Lançou a clava contra Dário, mas ele se defendeu com a armadura e incrivelmente aquela enorme arma destruiu-se como poeira.

- Agora é a minha vez! – erguida a espada, voou com rapidez em direção ao coração de Moa’ati, acertando-o em cheio.

O grito doloroso do monstro era ensurdecedor, foi certeiro. O peito dele começou a se rachar, das fissuras saíam feixes de luz verde e um líquido do mesmo brilho escorria em abundância. O herói resistia a uma força de ar que o empurrava para trás, como se tentasse tirá-lo, mas quanto mais forte era a corrente de ar, mais pressão Dário aplicava no coração do monstro.

- Morra de uma vez! – ele gritou.

A espada, então, brilhou junto com o coração acertado, em uma cor azulada, muito forte, e, enfim, adentrou por inteiro no peito de Moa’ati. Cessaram-se os gritos, o colosso ficou estático. Sua garra caiu, empodrecida, então, jorrou água de todo o corpo de pedra, uma por uma, começaram a cair, despedaçaram-se como pedregulhos finos. Todo o lixo embutido no monstro uniu-se ao espiral da cratera de cima.

O entulho formou uma lâmina e, com força, acertou o coração que sobrara de Moa’ati, provocando uma explosão enorme, afastando com violência tudo ali presente. Dário foi lançado até a parede daquela gruta, bateu com tanta força nela que desmaiou e caiu. Formou-se um gigantesco redemoinho, que sugava tudo presente naquela gruta, mas não só isso, tudo nos oceanos que era nocivo para a vida marinha foi sorvido.

Inehai surgiu das águas naquele pandemônio e levou Dário nos braços, fugindo da grande gruta que ruía com todo o lixo. Quando saíram uma grande explosão foi ouvida, a pressão do estouro foi tamanha que, mesmo um pouco distantes, alcançou-os. Foram jogados com força para a parte de cima do mar, que borbulhava, sem explicação.

Naquele vasto oceano um número inestimável de peixes dançava pelo ar, baleias e golfinhos faziam um espetáculo visual, o mar se libertou de um grande mal, estavam em festa. Inehai viu sua morada em êxtase pelo fim da maldição causada pelo monstro criado pelo homem. Estavam livres.

O herói abriu os olhos, Inehai olhava para ele sorrindo, emocionada, agradecendo por ter livrado os mares daquele monstro terrível e deu-lhe um abraço apertado.

- Está na hora de te recompensar... – a mulher-peixe falou, jocosa.

Levou ele para uma espécie de altar, não era nem tão fundo e nem tão raso, o que chamava atenção era que a luz do sol chegava lá e fazia refletir os cincos totens de ouro, o brilho direcionava-se a um baú, esculpido e ornamentado em safiras, conchas e pérolas.

Quando Inehai abriu, lá havia uma grande opala, que quando recebia os raios de sol refletidos dos totens, espalhava uma profusão de cores, como se um grande arco-íris matizasse o mar. Ela pegou a gema nas mãos e entregou a Dário, deu-lhe um beijo na testa e agradeceu, mais uma vez, em nome de toda a vida marinha.

Foi então que ela o envolveu num turbilhão de bolhas e Dário dormiu, acordando numa corrente de água, em Jaguaribe. A água, límpida, fazia o curso para a cidade, por onde ela passava trazia vida para o ambiente. O solo esverdeava, flores brotavam e, as árvores, secas, revitalizavam-se com aquela fonte. Ele parou bem em frente a sua fazenda. A opala estava em suas mãos, reluzente, ele não a venderia, mas iria usar a energia daquela pedra para refazer sua vida, agora, revigorada pela água do rio que nascera novamente, fazendo aquela cidade, outrora seca, reviver...

- Este seria o meu conto que concorreria ao CLTS 12, porém tive problemas e precisei suspender a minha participação.

Rodrigo Hontojita
Enviado por Rodrigo Hontojita em 25/08/2020
Código do texto: T7045639
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