A Valsa

Elizabeth estava ansiosa. O desejo dela parecia vir de décadas atrás, pois era muito intenso e ela não conseguia parar de pensar na sua festa. A tão sonhada festa de 15 anos. Mas a parte mais importante não era a festa em si, e sim a valsa de debutante. A dança sempre foi sua maior paixão, e essa, em especial, era para ela o ápice de todas elas.

Quando completou 6 anos, talvez por uma frustração antiga ou apenas pelo desejo de ver a filha fazer algo diferente, a mãe de Elizabeth a inscreveu em uma escola de Ballet. A pequena gostou da ideia e cada vez mais era absorvida pelo universo da dança. Participou de inúmeras apresentações com grupos de dança da sua cidade, onde ficou cada vez mais conhecida, mas como a vida é um lugar de surpresas e que testa diariamente seus inquilinos, ela foi pega desprevenida.

No seu aniversário de 14 anos, seu pai organizou uma festa inesquecível. Foram convidados todos os amigos, parentes mais próximos, havia até uma banda de punk rock da qual ela gostava muito. Tudo estava maravilhosamente bem naquela noite, até a grande surpresa acontecer. O pai de Elizabeth havia programado uma bateria de fogos de artifício para o momento dos parabéns, mas devido ao descuido e a algumas cervejas a mais que havia tomado, os fogos foram na direção errada. Um deles foi direto em direção da coxa esquerda de Elizabeth. Ela caiu no chão com a vareta atravessando a perna, e com um sangramento que parecia nunca estancar. Esse, para ela, foi o dia mais terrível da sua vida toda. Depois do acidente, ela precisou desistir da dança, pois sua perna ficou parcialmente sem movimentos. A flexibilidade se foi, e junto com ela, a vontade de Elizabeth.

Após alguns meses ela já não sentia mais dor alguma e a sua vontade de dançar começou a ressurgir. Ela fez alguns testes e percebeu que conseguia ainda. E perfeitamente bem. Ela passava as tardes no pátio de casa treinando, testando novas possibilidades de movimentos. A única coisa que ela ainda não estava gostando era o jeito com que sua família lhe tratava. Parecia que ela culpa dela o acidente ter ocorrido. Havia meses que eles não falavam diretamente com ela. Não ia mais para a escola, e não parecia sentir saudades disso. A única coisa que ela queria agora era realizar o sonho de dançar a valsa dos 15 anos.

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A noite estava maravilhosa, o tempo firme e quente, sem nuvens e nem previsão de chuva. Era o dia que ela sempre imaginou para a ocasião. Ela vestiu a roupa que havia comprado junto com a mãe meses antes e foi para o local onde seria a festa. O vestido possuía um véu fino que cobria o rosto, de um tecido azul turquesa.

Na entrada ficou esperando os convidados, sorridente, cumprimentando a todos e pedindo para que aproveitassem a festa. As pessoas faziam uma cara de dúvida, mas ela não deu atenção. A ansiedade dela agora estava no máximo. Queria saber quem iria dançar com ela. Queria ver os pais felizes de novo.

Quando todos os convidados chegaram e se acomodaram em suas mesas, uma luz acendeu no centro do salão. O DJ chamou o nome da aniversariante. Elizabeth correu para o meio do tablado ansiosa, com seu coração explodindo de felicidade pelo tão sonhado momento ter chegado enfim. Mas atrás dela, com tanta ansiedade quanto, havia chegado outra garota, com um vestido branco, linda. Ela passou na frente de Elizabeth e deu as mãos ao jovem que veio do outro lado do tablado.

Elizabeth ficou ali olhando os dois dançarem a sua tão sonhada valsa, sem entender nada. Quem eram aquelas pessoas? Ela percebeu que não conhecia nenhum dos convidados da festa. O que estava acontecendo? Ela correu pelos corredores do lugar, desesperada. Havia um garoto franzino andando pelo lugar, e ela teve a impressão de ter assustado ele. Não um susto comum, mas um susto que quase pareceu emanar dos ossos do jovem. Chegou ao banheiro e entrou, como se aquele lugar fosse resolver todas suas questões. Parou em frente ao espelho e levantou o véu que cobria seu rosto. Ela não entendeu nada. Como aquele cadáver sem pele, quase em decomposição, poderia ser seu reflexo? A aparência parecia ser de um zumbi saído de O Retorno dos Mortos-Vivos. Ela desabou ao chão e começou a pensar.

Nos últimos meses não foi a escola, sua família passava longe dela. Lembrou vagamente que, com exceção do pátio, seus pais não a deixavam sair de casa e nem aparecer quando chegava visita. Lembrou também que seu quarto não possuía espelhos, e que a dor da perna havia passado. Fazendo um esforço maior, lembrou-se do momento em que ouvia sons estranhos, e várias vozes abafadas, um pouco antes de seu pai lhe puxar para fora do túmulo. Então ela levantou, abaixou o véu e retornou para a festa. Ela ia dançar a valsa das debutantes, afinal, foi para isso que seu pai lhe trouxe de volta, e ela não iria abrir mão do seu sonho.
Luan T Mussoi
Enviado por Luan T Mussoi em 11/08/2020
Reeditado em 11/08/2020
Código do texto: T7032453
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