Jil

Jil acordou em um lugar escuro, úmido e cujo cheirinho convidativo lembrava as fraldas da irmã recém-nascida. Sentiu os braços amortecidos, mas não conseguia enxergar nada ainda, pois seus olhos estavam inchados e a escuridão era muito densa. Tentou levar a mão direita ao rosto para massagear um pouco o rosto, mas sentiu que o braço não se moveu. Agora que havia despertado melhor, começou a ficar ansiosa. Sentiu que o outro braço também não se movia e as pernas estavam presas juntas e bem firmes.

Tentou forças um pouco a visão para ver se enxergava algo, mas não obteve sucesso. Notou agora que seus braços estavam presos para cima, com as mãos posicionadas atrás da nuca, como se estivesse em posição de rendição. Fez força para mover as pernas, mas não conseguiu.

Agora, Jil começava a entrar em desespero. Já haviam passado cerca de quarenta minutos desde que acordara e não havia visto nenhuma luz, nem ouvido nenhum ruído ou voz. A coluna começou a doer, e agora ela pensava em quanto tempo fazia que estava presa ali.

Sua última lembrança era ter ido até o hospital com a mãe e a bebê, que estava doente. Ela havia ficado na recepção esperando a mãe voltar da sala de exames, e então tudo sumia.

Jil gritou, pois, sua boca não estava com nenhuma restrição, e quando percebeu isso, calou-se. Era uma garota inteligente, e logo notou que se sua boca estava livre, provavelmente estaria em um lugar onde não havia ninguém que pudesse escutar seus gritos. Quem diabos estaria fazendo isso?

Passaram algumas horas, e então, quando estava quase dormindo novamente, ouviu enfim um barulho, vindo de trás dela. Parecia algo se arrastando pelo chão. O som lembrava o arrastar leve de alguma coisa na terra. Ela tentou mover os pés um pouco para testar sua teoria sobre o chão. Realmente, sentiu que era algo granuloso, pois ouviu o barulho de pedrinhas.

O som parou quando parecia estar muito próximo a ela. Jil suava frio, pois não fazia ideia de onde estava e o que era aquilo. Dificilmente seria um porão, pois haveria alguma fonte de luz, mesmo que uma fresta qualquer, e também seria possível ouvir algum som externo conhecido. Ali não havia nenhum vestígio disso.

Aquela sensação de apreensão fez com que ela se cansasse logo, e acabasse dormindo. Sonhou com a sua irmãzinha, brincando no chão da sala com seus ursinhos de pelúcia, quase engatinhando no tapete. Ela odiava ficar sozinha com ela, pois a pestinha fazia uma bagunça enorme na sala e ela tinha que organizar tudo depois. Sonhou também com a mãe indo trabalhar. Ela era arqueóloga, e Jil adorava quando ela lhe contava histórias sobre suas escavações pelo mundo afora.

Quando acordou, não se lembrou de tudo o que sonhou, mas as poucas informações fizeram seu sangue gelar. A irmã havia nascido fazia dois meses, mas tinha o tamanho de uma criança de uns 2 anos. Pegava os brinquedos com uma mão firme, e tinha o apetite de um rinoceronte.

Lembrou também que sua mãe nunca ficou barriguda antes da irmã nascer. Ela disse que o médico explicou ser uma condição rara, onde a mulher não apresenta uma barriga tão protuberante durante a gestação. Mas ela nunca engoliu aquela história ridícula.

No dia em que foram ao hospital, a mãe havia entrado na sala de exames com a bebê, e quando saiu, elas foram logo para casa. – Ei, minha memória voltou! – Pensou ela, surpresa por lembrar-se dos acontecimentos.

Depois disso, sua mente nublava novamente. O que predominava nos seus pensamentos agora era o som rastejante que havia recomeçado no ambiente. Ela conhecia aquele tipo de movimentação. Era um movimento que quase zombava de sua cara. Ela jurava que a irmã se movimentava assim quando brincava e espalhava as coisas pela casa. Parecia que ela entendia que era a irmã quem iria levar bronca depois.

Jil sentiu algo úmido pingar sobre os seus pés. Era quente, e estava escorrendo agora. Sentiu seus pés encharcarem. Um cheiro forte começou a subir até seu nariz, junto com o cheiro de fralda suja que o lugar já tinha. SANGUE!

Ela fez toda força que pode e conseguiu soltar um dos braços. Passou a mão que soltou no outro braço e sentiu uma corda envolvendo o pulso. Tateou atrás da cabeça e sentiu que estava presa em alguma espécie de viga de madeira. Não era muito grossa, ela sentiu.

Jil soltou a outra mão e tentou quebrar a viga de madeira para se soltar, mas não conseguiu. Era mais resistente do que parecia. Começou a tentar se livrar das cordas que prendiam de sua cintura até seus pés. Conseguiu soltar quase tudo, mas havia um nó muito forte acima dos seus tornozelos, e ela caiu tentando desfazê-lo.

Quando caiu, viu uma luz se aproximando a uma distância de uns dez metros à frente. Era uma vela. Segurando a vela estava sua mãe. Quando ela se aproximou mais, entendeu que estavam em uma caverna. Ela sentou no chão e começou a fazer força para livrar os pés.

Conseguiu e levantou-se. Quando virou para trás, sua irmã estava ali. Em pé, mais alta do que ela, mas sua pele havia adquirido características de um peixe. Escamas cobriam as laterais do rosto, as pernas e os braços tinham um aspecto invertebrado e pareciam estar alongados.

Jil caiu de joelhos, horrorizada. A irmã se aproximou dela, olhou para a mãe que estava em pé atrás de Jil e perguntou: - Mãe, já posso comer?
Luan T Mussoi
Enviado por Luan T Mussoi em 11/08/2020
Reeditado em 11/08/2020
Código do texto: T7032450
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