O Sarcófago

Meus olhos pousam mais uma vez sobre aquela urna transparente. Acho que é a última vez que farei isso. Perdi a conta de quantas vezes eu fiquei parado olhando para aquele corpo dentro daquela urna transparente. Certamente foram centenas de vezes.

Sinto que minha curiosidade científica pelos mistérios que aquilo carrega foi aos poucos sendo substituída por um medo ancestral. Eu não deveria dizer, mas a verdade é que aquela criatura inerte dentro daquele invólucro me causa um terror que não ouso dizer.

Nenhum dos meus companheiros no laboratório afirma claramente, mas depois de anos tentando encontrar uma explicação, a única coisa que nos restou foi um medo que ninguém gosta de falar.

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Há cinco anos um grupo de trabalhadores encontrou um estranho objeto enquanto escavavam uma nova linha para o metrô de Atenas.

Inicialmente um alvoroço se estabeleceu na imprensa e nas redes sociais quando souberam da descoberta. Afirmavam que uma espécie de múmia havia sido encontrada dentro de um sarcófago transparente.

Depois da overdose de especulações pseudocientíficas, teorias conspiratórias e mil outras coisas o artefato terminou naufragando na vala comum da internet e deixou de ser notícia.

Inicialmente a estranha peça e seu ocupante foram levados para o laboratório de antropologia de uma universidade grega. Quando um historiador a fotografou com seu celular e descobriu, estupefato, que nenhuma imagem aparecia todos concluíram que estavam perante algo que escapava a uma compreensão fácil.

Pouco tempo depois o artefato foi transferido para um centro de pesquisas em algum lugar próximo de Genebra.

O corpo dentro daquela urna estava vestido com uma túnica cinzenta que lhe ia até os pés. Não havia ornamentos em seu corpo. Era difícil precisar-lhe um sexo. Tanto poderia ser masculino quanto feminino. Sua pele era de uma coloração exageradamente branca e não se percebia pelos em parte alguma do rosto, cabeça ou braços. Sua idade igualmente era imprecisa uma vez que seu rosto não apresentava uma única marca ou sinal.

Um olhar mais atento para a urna ou sarcófago (como muitos preferiam chamar) mostrava de imediato que ela não apresentava nenhuma emenda, constituindo-se em uma peça única. O nível de transparência do objeto ia do opaco a total visibilidade em segundos, como se fosse um passe de mágica. Nenhuma fonte de energia havia sido detectada que permitisse aquele efeito.

Inicialmente várias técnicas para analise de imagem foram utilizadas, desde ressonância magnética até tomografia por emissão de pósitrons. Nada estranhamente aparecia nos aparelhos.

Na impossibilidade de se conseguirem imagens foram recrutados desenhistas para traçarem retratos com a maior fidelidade possível. Desenhos de todos os ângulos foram feitos.

A estranha urna desafiava os cientistas e mais recursos foram alocados na tentativa de extrair alguma explicação.

Sofisticados instrumentos para análises químicas e físicas nada encontraram. O sarcófago não emitia nenhum tipo de sinal ou radiação. Nenhum mísero mícron de material foi extraído permitindo uma análise de suas propriedades físicas. Exposição a laser, radiação ionizante, cromatografia, espectrometria, calorimetria, gravimetria, eletroforese e toda sorte de técnicas de análise físico-química não acrescentaram nada ao que se sabia sobre a coisa.

Aquela maldita urna parecia ter sido construída para durar a eternidade toda...

O que era aquele artefato? Quem era a criatura dentro dele? Há quanto tempo estava enterrado? Porque ela estava precisamente naquele lugar? Seu ocupante estava morto ou em algum tipo de hibernação? As perguntas se acumulavam e nenhum instrumento era capaz de obter um mísero dado que permitisse uma conclusão real e concreta sobre alguma coisa.

Os únicos fatos consensuados entre o grupo de cientistas diziam que aquele objeto não era de origem terrestre, que seu ocupante não era humano e que havia uma espécie de tecnologia totalmente incompreensível que impedia toda e qualquer análise.

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Com o passar do tempo o objeto foi ganhando uma aura mística e o fato de ser incompreensível terminou causando desespero em muitos.

Certa vez um dos cientistas em uma crise de ansiedade tentou explodir ele com dinamite. Todos sabiam que, com certeza, tudo explodiria ao redor, menos o artefato. Lembro também de outro que pediu para ser afastado porque jurava que a criatura havia aberto os olhos. Depois desse fato percebi que ninguém mais ficava sozinho com o objeto.

A coisa mais estranha de tudo eram as câmeras de vigilância nada mostrarem do artefato. Tudo o que se via nos monitores era apenas a plataforma onde ele foi colocado. Isso enlouquecia a equipe de segurança e boatos de todo tipo surgiam, uns falavam em criatura do inferno e outros em vampiro espacial.

Eu tentava não dar ouvidos a esse tipo de coisa, mas confesso que era bem difícil. Às vezes quando ia dormir ficava imaginando que havia algo ruim dentro daquele sarcófago.

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Cinco longos anos se passaram e todos os recursos de análise foram esgotados.

Alguns cogitaram colocar aquele objeto em algum museu de história e o tempo se encarregaria de transformá-lo em mais um artefato antigo de alguma civilização a muito desaparecida. Claro que essa proposta não foi aprovada.

O medo do desconhecido levou todos a decidirem que este seria enterrado no meio do deserto de Gobi. Para isso foi construído um bunker situado a dezenas de metros de profundidade.

Não sabíamos o que era aquilo, então o melhor era enterrá-lo e torcer que nunca mais subisse a superfície.

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O tempo passou e fui cuidar de fazer outras coisas. Deixei de dar aulas de eletromagnetismo e hoje trabalho em um laboratório de uma multinacional. Daqui a alguns meses penso em aposentar-me.

De vez em quando ainda lembro-me dos dias em que tentávamos extrair algo daquele artefato. Tem momentos em que me pego pensando se aquele invólucro não foi construído para conter aquela criatura.

Hoje não tenho mais dúvidas que algo maligno encontra-se enterrado bem no meio do deserto.

Espero que ele nunca saia de lá.

Jota Alves
Enviado por Jota Alves em 29/06/2020
Código do texto: T6991752
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