A Batalha dos Primogênitos
Laboratório de Genética Sluca Canto – 2020.
O laboratório estava acesso, todas as expectativas da geneticista Juliana estavam se confirmando, o embrião tinha tudo para fecundar e sua história na medicina seria reconhecida no mundo inteiro. Os amigos de profissão lhe admirariam, todos se curvariam perante a nova raça que Juliana estava criando. Seu iniciante laboratório de genética humana se tornará referência e prosperará. O projeto de lei que liberará mutação genética em humanos logo será votado, e caso seja aprovado Juliana será reconhecida por seu feito.
O som dos gritos de felicidade da geneticista ecoou pelo laboratório subterrâneo, Seu auxiliar que se mantinha afastado sorriu faceiramente. Subiu as sobrancelhas e deu meia volta, indo de encontro à sala ao lado, guardou alguns objetos e despediu-se de Juliana, que apenas acenou, tamanha sua felicidade. Juliana armazenou adequadamente o embrião fecundado e subiu para preparar sua hospedeira.
Cristian, o auxiliar de Juliana, acompanhou todo o processo com a hospedeira do embrião e após todo o processo ter sido um sucesso o rapaz saiu da sala e foi de encontro ao departamento tratar de sua demissão. A geneticista e toda a equipe não compreenderam o motivo do desligamento, porém já não poderiam fazer nada, o rapaz não se encontrava mais nas dependências do laboratório.
Dois meses depois, Juliana entra em desespero ao ouvir o noticiário e tomar conhecimento de que a hospedeira fora sequestrada, um sequestro relâmpago por um carro preto e todo filmado. A polícia o perseguiu por um longo caminho, porém o automóvel seguiu por ruas estreitas. Quando passavam por um beco escuro, o carona do veículo acertou tiro nos dois pneus da frente da viatura e os policiais ficaram para trás.
***
Praia dos Andrades, interior de São Paulo – 2040.
As ondas estavam agitadas e o mormaço do sol aquecia mais do que os poucos praianos residentes gostavam. As casas simples e coloridas davam ares alegres à praia e perpetuavam a arquitetura californiana.
Cristian saiu de uma das casas preocupado e trêmulo, ao telefone seu tom de voz era grosso e gélido. Embarcou em seu carro sem teto e seguiu para o interior da praia. Longe da população. Uma pequena casa, de cor desbotava, com a varanda aparentando abandono e desleixo. O carro parou de súbito e Cristian estava com tanta pressa que somente pulou a porta e correu para dentro.
Ao adentrar o cômodo sujo e bagunçado, ouviu gritos abafados e correu para a cozinha, abriu a porta do armário de serviço, porém não encontrou nenhum objeto destinado aos serviços caseiros, o rapaz desceu apressadamente pela escada tirando de seu bolso um revolver, pequeno e platinado, porém potente. Chegou ao momento no qual o jovem arrancava um generoso pedaço da jugular da mulher que o carregara por toda a gestação, que cuidou e o manteve vivo, mesmo sabendo de toda a monstruosidade que haviam feito ao seu bebê. O celular dela estava caído próximo.
Cristian cedeu e cambaleou para trás. Fazendo barulho ao derrubar o revolver no chão. O jovem virou abruptamente e rosnou mostrando seus caninos ameaçadoramente, com a boca e pescoço cheios de sangue e pedaços de pele grudados nos dentes. Cristian engoliu em seco e recuperou o revolver.
– Calma Severo. – disse temeroso. – O que aconteceu?
– Eu estava com fome. – sibilou Severo na defensiva. – Ela não tinha mais comida para mim. Então serviu de alimento. – esperou um instante em silêncio. – Mas ainda estou com fome!
– Severo, olhe. – começou Cristian ardilosamente. – Lhe tenho uma proposta a fazer.
Notando o interesse do rapaz em ouvir a proposta, Cristian continuou a ludibriá-lo.
– Eu sei quem foi à responsável por te fazer como é. Posso entregá-la para você. – o homem sabia que o maior desejo do rapaz era vingar-se de sua criadora. Desde que tomou consciência de sua condição passou a odiar a mulher que o fez assim; ódio esse que foi nutrido por sua hospedeira e Cristian.
– Não está mentindo, está? – questionou duvidoso.
– Nunca menti para você, Severo. Jamais mentiria sobre isso.
***
Centro Clínico de Genética Sluca Canto – 2040.
Juliana vivia agitadamente, como esperava, o projeto de lei fora votado naquele mesmo ano, e com sua aprovação Juliana fez fortunas. Seu pequeno laboratório tornara-se num Centro Clínico, o mais reconhecido de todo o país e com inúmeros elogios e estudos internacionais. A geneticista mais rica e do Brasil ainda ressentia o sequestro de sua criação pioneira, há 20 anos que procurou saber de todas as formas e nenhuma notícia. Poucos dias de fracasso fora o suficiente para a polícia arquivar o caso e todos se esquecerem do fato.
Juliana realizou diversas mutações genéticas, as crianças cresciam até os 15 anos dentro do Centro Clínico, recebendo visitas da família e da imprensa; e somente após essa idade iria para casa dos pais. Os estudos sobre a evolução de cada mutação eram incessantes; e todos os casos foram considerados excelentes. A medicina avançou a um ponto exorbitante da criação, e no Brasil, Juliana estava no topo de tudo. A geneticista pioneira em mutações genéticas.
Sua sala estava silenciosa durante a leitura de um artigo científico. A batida na porta a despertou e Juliana apenas disse: “entre”. O jovem entrou com um largo sorriso no rosto.
– Nós conseguimos mãe. – disse exuberante o rapaz bem apessoado e pouco corcunda que entrou.
– Ah, meu querido Leandro. – respondeu docemente a geneticista. – Você conseguiu. Você fecundou sua primeira mutação genética. Que felicidade.
Leandro a envolveu em apertado abraço. Era sua segunda criação. Leandro possuía genes de pássaro. E jamais desejou ir para casa dos pais que lhe geraram, quando completou os 15 anos pediu permissão para ser adotado por Juliana e desde então reside e trabalha na clínica com sua mãe adotiva e criadora, seguido sua carreira. O rapaz apresentou sua primeira criação a mãe. Mutação com genes de borboleta.
– Se chamará Flinter. – disse o rapaz orgulhoso.
– Isso é a tradução de borboleta para... – tentou se lembrar.
– Frísio. – completou Leandro.
Os dois sorriram.
De volta ao escritório, Juliana se assustou ao entrar e fechou a porta rapidamente.
– Não posso acreditar. – indo de encontro ao visitante. – Cristian! O que faz aqui?
– Como vai? Querida concorrente. – disse sorrindo faceiramente.
– O que quer aqui, Cristian? – questionou seriamente. – Jamais esteve aqui após sua demissão. Jamais explicada, por sinal.
– Sim, imaginei que iria desejar explicações. Mas não posso dá-las a você agora. Vim apenas lhe fazer um convite.
– O que pretende com isso? – Juliana estava intrigada.
– Quero apenas lhe apresentar... O primogênito! – concluiu abrindo os braços. Causando espanto em Juliana, que desequilibrou e caiu em sua confortável cadeira. A geneticista estava com a mão à boca, assombrada pelo sorriso maldoso que via em Cristian.
– Quer conhecê-lo? – não obteve resposta, pois Juliana estava atônita por ouvir aquilo. – Venha até o meu antigo endereço. Creio que ainda o saiba, ou tenha em seus registros. Hoje às 19 horas em ponto. Ah, venha sozinha. – Cristian piscou e saiu da sala.
Ao horário informado Juliana desembarcou do carro na frente da residência dos Andrades. Uma casa luxuosa, no centro da cidade. Percebeu uma sombra que passou no céu e sumiu após passar pela residência. A geneticista respirou fundo e tocou a campainha, o próprio Cristian a atende e sorriu debochadamente convidando-a a entrar. – Não sei o que quer com isso, mas vá logo ao ponto... – Juliana parou abruptamente de falar quando avistou Severo do outro lado do cômodo.
Os olhos vermelhos e os dentes afiados sobressalentes da boca. O susto fora inevitável, levou a mão ao coração e encostou-se numa poltrona próxima.
– O que foi Juliana, não gostou de conhecer sua primeira criatura? – questionou Cristian maleficamente.
– Esta não é minha primeira criação. – disse recuperando o fôlego.
– Nunca me desejou e agora me rejeita? – falou Severo com sentimentalismo.
– Não é verdade. – defendeu-se Juliana. – Meu primeiro embrião possuía genes de leão, sonhava com um homem forte, resistente, com astúcia e liderança. Nunca ousei misturar genes... – parou emocionada e com medo.
– De morcego. – completou Cristian. – Ah, mas veja-o. Foi justamente o que fez. O rejeitou antes e o rejeita agora.
– Jamais! Nunca rejeitei nenhuma criação. E mesmo não tendo sido sua criadora, posso lhe oferecer abrigo e cuidados especiais. Venho estudando os morcegos...
A pancada interrompeu a fala de Juliana e a jogou ao chão. Severo sorriu maldosamente e jogou-se sobre a geneticista, arqueou os dentes e rosnou. O grito de Juliana fora abafado pelo barulho dos vidros estilhaçados da janela, Severo olhou para trás rapidamente e Cristian estava deslumbrado. Leandro estava voando com suas grandes asas de pássaro. Recebendo a iluminação do local refletia-se como um anjo.
Jogou-se para cima de Severo e bateram na parede, causando um tremor na estrutura. Severo o empurrou com força e ao jogar os ombros para trás assustou ainda mais a geneticista que o mirava com pavor. Grandes e negras asas de morcego saíram de suas costas. Rosnou ferrozmente e voou para cima de Leandro. Que destruíram a parede da janela sendo levados à brisa da noite.
Juliana correu à abertura na parede e assustou-se com a velocidade que os dois subiam no ar. Ouviu o chamado de Cristian para adentrarem ao elevador. Correu e lhe acertou um tapa no rosto fortemente.
– Foi você que trocou os genes naquele dia não é? – vociferou.
– Lógico que fui eu. Agora quer discutir os motivos ou prefere ver minha criação matar a sua?
Juliana esboçou raiva e acertou um chute nas partes íntimas de Cristian, ao se curvar de dor recebeu as mãos da geneticista o empurrando para o chão. Juliana entrou no elevador e apertou o botão que logo acionou o fechamento das portas.
– Desgraçada. – urrou com as mãos nas partes.
Juliana alcançou o teto da residência e pode ver de longe a batalha das criaturas. As asas brancas de Leandro eram vistas com mais clareza, pois Severo era uma criatura noturna e se camuflava perfeitamente nesse ambiente. A sombria criatura acertava muitos golpes em Leandro, que estava com a boca e o canto do olho sangrando.
Juliana fora alcançada por Cristian, teve seu pescoço envolto ao braço do homem irado. E uma seringa penetrando a veia pulsante de seu pescoço. Não demorou até a moça desfalecer nos braços fortes do homem que a segurou e a largou no chão. Leandro recebeu outro golpe por distrair-se com a situação de Juliana. Seguiu vôo para a mãe, porém fora impedido por Severo que agarrou e o lançou para longe.
Leandro recuperou seu equilíbrio e rumou para o telhado dos Andrades. Foi seguido por Severo, porém o jovem sombrio não foi tão rápido e teve que segurar Cristian que recebeu um golpe da asa de Leandro. O jovem pássaro agarrou sua criadora nos braços e gritou seu nome. Escutou o farfalhar das asas de seu oponente e voou para o canto do telhado, deitou Juliana e percebeu um pedaço de madeira quebrava que formava uma ponta. Virou o rosto com ódio em seu semblante. Severo sorriu faceiramente e foi de encontro a Leandro.
O jovem alado passou a mão na madeira e foi acertado pelo golpe de Severo. Fora pressionado na parede com Severo parado em sua frente. Cristian correu até os dois e se espantou quando viu Severo cair com a madeira penetrada em seu coração. O rosto espantado com a surpresa do golpe. Leandro estava em choque com a mão ainda para frente, voltou em si quando Cristian correu para sua criatura. Leandro sentiu o chão tremer, correu até Juliana, percebendo sua respiração a pegou nos braços e alçou vôo.
Cristian estava desesperado com a morte de sua criatura, bateu com fúria no chão e sentiu a estrutura tremer; esbugalhou os olhos de medo e antes mesmo de conseguir fugir covardemente a estrutura cedeu engolindo Cristian para sempre.
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Conto escrito através sob o tema "Tecnologia, futuro/presente, o que deu certo ou errado".
A ideia é fazer interação entre escritores, os desafiando e os homenageando ao usar seus nomes.
Criação de Leandro Severo II, Batista Andrade e Cristian Canto.
Nessa semana temos a escritora Juliana Sluca como convidada.
Obrigado pela leitura.