GAME OVER!

Leandro era um menino esperto e interagia bem nas reuniões de família quando pequeno, mas apenas quando pequeno.

Sua mãe, Juliana era uma doutora muito bem conceituada na área da perícia criminal, por este motivo sempre era convidada a dar grandes palestras e a participar de congressos ao redor do mundo. Leandro cresceu acostumado à ausência da mãe, o que não o incomodava em nada, pois a cada retorno, Juliana trazia muitos presentes e mimos caríssimos de todas as partes da terra para seu filho, quase como recompensa por sua falta de tempo com ele. Os seus preferidos eram os que envolviam a tecnologia, principalmente os vídeo games.

A medida em que crescia, Leandro foi ficando mais introspectivo e vivia dentro de seu quarto com seus jogos, como quase todos os adolescentes.

Quem as vezes aparecia em seu quarto para dar uma espiada no menino era seu pai Batista, homem culto, vestia-se de forma simples e elegante. Traços de uma vida anterior onde era editor em uma famosa livraria. Aliás foi assim que conheceu sua esposa, ao editar um de seus Best-Sellers sobre perícias mal executadas. Hoje dedicava- se e dividia-se em administrar a fortuna dos Severo Andrade, resultado da carreira de Juliana e escrever seus romances, sempre regados a muito suspense e mistério.

Uma família bem parecida com muitas por aí, a não ser pelo status e alguns fatos que vou lhes contar a seguir.

Interessante como o ser humano não valoriza o que tem, até perder algo que sempre esteve lá. Como podem não enxergar? Este é outro ponto que gosto de tratar, como podem não enxergar algo que está bem em frente a seus olhos? Idiotas, se acham espertos.

Ah! Me desculpem às vezes falo demais, voltando aos fatos então. Leandro nunca aceitava um convite de Batista para qualquer tipo de saída, o pai também não se esforçava muito, afinal quanto mais tempo livre, sem incomodações, mais podia dedicar-se as sua histórias. Leandro renunciava a tudo para ficar com seus games, até mesmo nas raras visitas de sua mãe. Era um viciado e como sabemos, vícios não são bons, mas até que o rapazinho se saía bem com os jogos ou pelo menos era o que ele achava.

Bem, tenho para dizer que hora ou outra, gosto de aplicar lições e estava na hora de Leandro aprender algo em sua curta vida. Isto começou a acontecer em uma segunda-feira. Leandro acordou por volta de meio-dia e como de costume sem nem escovar os dentes, ligou o seu vídeo game de última geração. O aparelho piscou duas vezes e apagou.

— o que foi porcaria? — esbravejou.

Pôs na tomada e nada. Repetiu o processo e nada.

Aquilo foi motivo de transtorno imediato, Leandro abriu a porta com violência e aos berros intimou Batista:

— Pai, este lixo de vídeo game estragou preciso de outro agora!

Batista meio atordoado pela gritaria do filho, mas sendo o bom pai que é, atendeu prontamente a ordem de seu anjinho. Leandro colocou um jeans e uma camiseta de uma marca famosa e um de seus tênis caríssimos e partiram no carro de luxo da família imediatamente, rumo ao badalado shopping da cidade.

Andaram horas de loja em loja, eram as melhores em tecnologia, mas nada estava bom o suficiente para o raivoso Leandro. Ao final do corredor notaram uma pequena loja onde ainda não haviam entrado. No letreiro em luzes piscantes dizia “CC Tecnologia — O seu futuro esta aqui”.

Logo ao entrar perceberam um espaço pequeno com diversos aparelhos antigos amontoados nas prateleiras e comentaram que certamente não seria ali que achariam o que procuravam. De repente uma voz veio do lado direito:

— Olá, meu nome é Cristian como posso ajuda-los?

Cristian era um homem alto, vestindo uma camisa preta, cabelos escuros e um sorriso estranho, estava escorado no balcão de vidro.

— Quero o melhor vídeo game que você tem aqui. — disse Leandro.

— O melhor ou o mais moderno?

— Como assim, qual a diferença? É claro que o melhor é o mais moderno.

— Nem sempre. Respondeu Cristian com ar de quem sabia do que estava falando. E seguiu:

Veja este aqui é a última geração, certamente você o conhece.

— Sim, é igual ao meu que estragou, por isto estou aqui.

— Então me diga, quantas fases você passou em todos os jogos que já jogou nele?

— Todas, claro!

— Onde eu queria chegar, observe este aqui. — Falou o vendedor pegando um modelo bem mais antigo da prateleira e completou: — Este aparelho é de uma edição especial e só existe apenas um jogo para ele. É uma relíquia, pois ninguém conseguiu vencê-lo ainda.

Leandro pôs-se a rir compulsivamente e disparou:

— Essa coisa velha? Não, né amigo!

Experimente então, se conseguir vencer, pode devolver sem custo algum.

Envolvido pelo desafio, Leandro aceitou na hora. Batista um pouco mais contido ainda questionou:

— Tem certeza filho?

— Claro pai, ainda hoje devolvo esse negócio.

Cristian fez o embrulho e despediu-se:

— Então como você disse, logo mais nos veremos!

— Com certeza, se essa velharia me vencer não me chamo mais Leandro! — Falou Leandro ao sair da loja, junto de Batista.

— Trato feito então! Completou Cristian com um ar sinistro.

Leandro estava ansioso para ver qual era a maravilha que o vendedor havia lhe oferecido e, ao mesmo tempo, a birra era o que mais o impulsionava, pois, na sua inocente cabecinha era impossível haver um jogo que ele não pudesse vencer. Batista apenas meneava a cabeça diante das exclamações do filho dentro do carro, no retorno para casa.

Ao chegar em casa, Leandro nem piscou, entrou correndo porta a dentro e como um raio estava em seu quarto. Preparou o equipamento, ajeitou sua poltrona e ligou seu vídeo game.

Quando a imagem da tela abriu, Leandro viu o jogo e não acreditou. Era um bonequinho correndo em linha reta e fugindo de pequenos monstrinhos, no caminho o personagem devia superar obstáculos, muros, buracos sem fim e até mesmo florestas de espinhos. Não sabia se ria ou se chorava por ter de jogar algo tão infantil, mas ao mesmo tempo estava feliz por acreditar na vitória certa.

Dez minutos de jogo e algo estranho aconteceu, as luzes se apagaram e ao voltar Leandro percebeu não estar mais em seu quarto, no exato momento em que ouviu um rugido assustador, parecia um animal monstruoso e furioso atrás dele. Em seguida após o rugido, apareceram pontinhos luminosos no chão pareciam indicar o caminho a ser percorrido. Leandro saiu em disparada, desnorteado sem saber o que estava acontecendo. Durante a corrida começaram a aparecer blocos imensos que ele precisaria passar para fugir da fera, que a esta altura parecia bem próxima.

— O que é isso? Socorro é um pesadelo? Socorro!

Alguns obstáculos a frente, Leandro percebeu uma grande tela à sua esquerda, parecia uma tela de cinema, mas não era. Do outro lado havia um menino em seu quarto exatamente como ele, olhando para a tela, parecia estar jogando vídeo game. Foi neste instante que Leandro entendeu. Ele era agora o boneco do jogo e de nada adiantaria gritar, era um jogo desconhecido em que a única coisa que ele sabia é que deveria superar todos os obstáculos para sobreviver.

Eu particularmente penso que dadas as circunstâncias do relacionamento familiar em que vivem os Severo Andrade, dificilmente notarão que não é o filho deles que esta lá.

Enquanto isso, eu ficarei aqui na minha loja esperando o próximo Leandro aparecer, ou melhor, Leandro não, tenho que escolher um novo nome para ele. Trato é trato!

Tema proposto: Tecnologia - Futuro e presente, o que deu certo ou errado.

Desde já, agradeço por ser a primeira convidada para o desafio. Obrigada aos amigos Leandro Severo II, Batista Andrade e Cristian Canto. Esses desafios estimulam muito a escrita.