Sunday, The Alien

John Withmore comia suas batatas, bebia sua Coca-Cola. Da janelinha do escritório contemplava o salão lotado. A multidão se espremia ao redor da campânula de vidro que protegia Sunday, The Alien. Vez ou outra, alguns dos visitantes deixavam escapar gritinhos de assombro, ou terror, ou escárnio. Oh my God! What the heck! Hey, this thing looks like you, Bob!

Sunday, The Alien, criatura vinda do espaço sideral, encontrada na selva, nas profundezas da latin-america, descoberta pelo destemido John Withmore, que a trouxe para ser exibida por tempo limitado na América. Era mais ou menos isso que dizia a propaganda transmitida pela TV local. Dez dólares por cabeça! John ria, ria daqueles idiots que pagavam para ver aquela porcaria acreditando em todo aquele bullshit, ria mais ainda porque estava lucrando. Porém, havia algo na propaganda que era real. Sunday era latino-americana.

Alguns anos antes, Joselito, um agricultor que vivia no município de Tuntum, desenvolvera um curioso passatempo: fazendo uso do detector de metais – presente da filha que fora viver em São Paulo – percorria todo o sítio em busca de tesouros imaginados. Não achou tesouro algum, mas num domingo ensolarado, encontrou uma coisinha embrulhada numa manta. Quando viu o que tinha na manta, ficou horrorizado e maravilhado. O cadáver de uma bebezinha. O corpo estava incorrupto, parecia mesmo estar viva, a pele rosada, os cabelos castanhos, o narizinho arrebitado. Joselito decidiu levá-la para casa, e não demorou muito para que os milagres começassem. Primeiro foi seu filho que sarou de uma dor de dente, depois a esposa que se viu livre das suas famosas enxaquecas. Logo, toda a Tuntum frequentava a casa de Joselito para receber algumas das bençãos concedidas por Santa Dominga. A bebê mumificada recebera este nome por ter sido descoberta num domingo.

A notícia da Santa Dominga correu o Brasil inteiro, e um senhor de nome Evaristo Vasconcelos, cardíaco, milionário e carioca, ofereceu uma importante soma em dinheiro pela Santa. Joselito disse que não vendia por dinheiro nenhum, mas a noite, sem poder dormir, ficou imaginando como seria bom ter todo aquele dinheirão, e para amainar sua consciência, disse para si mesmo que o Rio de Janeiro era uma cidade muito maior que Tuntum, e lá a Santa Dominga poderia ajudar ainda muito mais gente. Vendeu, e Evaristo, feliz, voltou ao Rio com a Dominga, que para ele não era nada mais que um souvenir que comprovava a diversidade que havia no país.

Aqui se acha de tudo mesmo, diziam os pouquíssimos amigos de Evaristo, quando estes o visitavam em Ipanema e viam aquela...coisa. Dominga tinha pouco menos de um metro, o crânio incrivelmente enorme, percebia que lhe faltavam os joelhos, não tinha mãos, tinha cauda, a maioria achava que aquilo fosse algum bicho. Dominga passou uma década em posse de Evaristo, e a união só se desfez quando o velho morreu, enfarto. A viúva quis jogar no lixo, mas Dominga acabou sendo vendida para Camelo, um empresário de São Paulo.

Luís Carlos Camelo, paulistano, filho de uma tuntense e um alagoano, tornou-se um próspero empresário na metrópole. Aquele objeto, adquirido por um baixíssimo valor, seria de grande utilidade para Luís Carlos. Uma ventania entrava pela janela do seu escritório, localizado no trigésimo quinto andar, e sua papelada alçava voo, saía da mesa e se espalhava por todo o espaçoso ambiente decorado com reproduções desbotadas de Romero Brito. Dominga serviria de peso de papel, e a coisa com aparência de estatueta inca passou uns bons anos exercendo essa função.

A sorte de Dominga mudou quando John Withmore, que estava no Brasil oferecendo seus talentos como adestrador de cães, recebeu como pagamento pelo bom serviço prestado a Whitney ( a cachorrinha de Luís Carlos Camelo), o velho peso de papel. John preferia dinheiro como pagamento, mas quando pôs os olhos sobre Dominga, percebeu que estava diante de uma Star. Aquela coisa tinha o crânio deformado, alongado, os braços e pernas eram compridos, percebeu que lhe faltava duas costelas. Um ET! Um et encontrado nas exóticas terras tropicais, uma grande atração para as famílias da América!

Os últimos visitantes do dia se retiravam pouco a pouco. John Withmore terminava suas batatas. Quando já todos haviam ido embora, o americano ficou olhando fixamente para Dominga, que repousava em seu altar, indiferente a presença de seu dono. I love you babe, I do love you...

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 11/06/2020
Reeditado em 12/06/2020
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