Jurema, A Porca
Tuntum, município de nome onomatopeico no coração do Brasil, tinha somente uma rua asfaltada, ladeada por umas tantas casinhas que desciam a colina até chegar ao riacho. Uma cidade tão carente de eventos que merecem ser lembrados, que acabava por cultuar a memória de Jurema, aquela que havia sido sua única grande personalidade. Não, não havia e nem haveria alguém como a grandessíssima Jurema. Lembrar-se de Jurema era como atestar que a cidade sim existia, sim estava viva, pois quando não se tem o que recordar, morre-se.
Jurema era uma porca, porca mesmo, Jurema era bicho, pelo menos assim havia nascido, mas o tempo mostrou que Jurema tinha coração de gente humana. E coração bom. Jurema nasceu e criou-se em sítio Monte Alegre, onde viviam os Monteiro, gente simples e honrada. José Monteiro, o patriarca, era casado com Maria Aparecida, e os dois juntos tiveram um total de treze filhos. Quatro morreram antes dos cinco anos de idade. Jurema veio para encher aquele lar de amor, “uma benção” dizia Maria Aparecida, erguendo os braços sempre que o nome de Jurema fosse pronunciado, em claro gesto de agradecimento a Deus. José Monteiro também tinha em mais alta estima a Porca, “nunca vi mais trabalhadeira”, eram suas lacônicas palavras para falar de Jurema. Não é preciso dizer, mas digo: os cinco irmãozinhos e as quatro irmãzinhas amavam à Jurema com todo o coração.
Jurema era a primeira a estar presente na hora do terço todos os dias às seis da tarde, e até emitia ruídos que a família interpretava como: amém.
Tuntum todinha queria bem a Jurema, a Porca, que sempre estava disposta a ajudar quem precisasse. Conhecido foi quando Amélia Maria estava parindo, e o bebezinho todo invertido no ventre, estava a se enforcar com o próprio cordão umbilical. Jurema fez-se parteira, salvou a vida da mãe e do bebê. O menino foi batizado de Juremo, em homenagem à salvadora, e hoje trabalha lá em São Paulo, é funcionário do Banco do Brasil. Poderia encher páginas e páginas só contando as boas ações da Porca Jurema. Santa! Jurema era uma santa, sim senhor!
Mas veio a seca, a grande seca, a pior de todas as secas. A fome alastrou-se pela cidade, os estômagos roncavam. Para ilustrar como a coisa estava feia, fique sabendo que no sítio dos Araújo, a família inteira colocou-se ao redor da única galinha, rezando para que ela botasse um ovo. Um único ovo que seria repartido entre mais de vinte bocas famintas. Naquele tempo José Monteiro deu-se a beber, e certa madrugada, bêbado, caminhou horas pelo sítio, gritando desaforos, amaldiçoando a sorte e o dia em que nasceu. Decidiu matar a Porca. Jurema estava dormindo em sua rede, e foi surpreendida quando o paizinho se atirou violentamente sobre seu corpo. Jurema tanto gritou e esperneou que a família inteira foi acordada. No começo a família tentou fazer José Monteiro desistir, mas depois trataram de ajudá-lo. Jurema, que esperava a ajuda dos outros - ela que tanto havia ajudado - viu-se em apuros. Os irmãozinhos davam-lhe muros e beliscões, e Maria Aparecida foi a cozinha buscar a faca, entregando-a ao marido. O aço gélido da arma foi cravado em seu flanco. Um liquido espesso e vermelho escapou-lhe pelo focinho cartilaginoso, as patas curtas se enrijeceram num espasmo. Restou a pobre Jurema aceitar o trágico destino. Morreu.
No dia seguinte, o corpo de Jurema foi levado ao centro da cidade. Fizeram uma enorme fogueira e assaram a porquinha Jurema. A carne, deliciosa, foi repartida entre toda a gente. Jurema, a Santa Porca, deu-nos de comer por mais de uma semana!
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