Beto, o amigo imaginário

O que tenho para contar, é algo totalmente bizarro, algo que jamais aconteceria... É melhor eu começar logo, afinal, estou aqui para isso. Tudo começou há algumas semanas, minha filha, Elisa, uma garota muito doce e gentil, mas que sempre foi uma garota de poucos amigos.

Por um certo motivo, que até hoje eu não faço ideia de qual seja, ela começou a falar sozinha, como se estivesse conversando com uma pessoa ou algo assim. No começo, achei normal, até porque, crianças tem o costume de brincarem de faz de conta, tanto com bonecas, bonecos e coisas do gênero.

Minha esposa e eu, não notamos nada de diferente, tanto que até achamos interessante ela estar interagindo de tal forma com seus brinquedos. Sinal de que a imaginação dela era extremamente boa.

- Querida... O que você tem achado desse jeitinho tão peculiar de Elisa?

Ela me olha e com um ar de curiosidade, se aproxima lentamente de mim, segura minhas mãos, olhando em seus olhos e sorri de imediato. Sabia que aquele olhar, significava que estava tudo bem nossa filha ser assim.

- Certo... Já entendi, querida. Você tem razão, é melhor deixa-la se divertir assim.

Eu e minha mulher sempre apoiamos nossa filha em tudo o que ela fosse fazer, sempre foi assim. Por mais que desejássemos o melhor para Elisa, sabíamos que de certa forma, ela tinha que ser livre com suas escolhas.

Naquele mesmo dia, Elisa estava muito inquieta, ria e corria pela casa inteira, e não era algo normal da garota. Ela vivia em seu quarto enquanto brincava com seus brinquedos, mas aquele dia, ela estava completamente eufórica, até que por fim, consegui para-la um pouco.

- Filha, por que está gargalhando e correndo pela casa inteira? Está brincando do que?

Ela então olha em meus olhos, toda sorridente e por fim, beija meu rosto de uma forma carinhosa. Arruma seus cabelos e então diz:

- Estou brincando de pega-pega, papai! Não está vendo?

Aquilo de certa forma, me deixou um pouco confuso, porque até onde eu sei, pega-pega, se brinca com duas pessoas ou mais, e a garota estava correndo sozinha pela casa.

- Mas filha... Com quem você está brincando? Até onde sei, esse jogo é jogado com mais de uma pessoa, e você está completamente sozinha.

Ela então revira os olhos no mesmo momento e bufa bem de leve, demonstrando que havia ficado irritada com o meu comentário, e que provavelmente a deixei magoada por tê-lo dito.

- Eu não estou brincando sozinha, papai! Estou brincando com o Beto!

Por um momento, sinto um leve calafrio em minha espinha, principalmente por ter ouvido aquilo de minha filha. Mas até então, eu sabia que era só um amigo imaginário que ela havia inventado, para que assim, pudesse brincar em casa.

Sei que os dias foram se passando e ela não parava de falar sobre o tal Beto, e foi exatamente nesse momento, onde eu e minha esposa, começamos a nos preocupar um pouco. Querendo ou não, ela tinha seus amigos na escola, não precisava de um amigo imaginário. Naquele mesmo dia, decido ir conversar com Elisa, queria saber um pouco mais sobre esse tal amigo imaginário de quem ela tanto falava.

- Elisa...?

Ela estava entocada em seu quarto, como sempre, e de lá mesmo, eu já pude ouvir sua conversa com o Beto. Cruzo os braços, esperando a garota dizer algo para mim. Mas assim que ela ouve minha voz, consigo ouvir seu pequeno desespero e cochicho.

- Oi papai! O que houve?

Me agachei, assim, podendo olhar em seus olhos, Elisa tinha seus sete anos, era realmente muito nova. Assim que a olhei, passei minhas mãos por seu pequeno rosto e sorri.

- Beto está aqui?

Ela balança a cabeça de uma forma positiva, o que fez minha teoria fazer um pouco mais de sentido quando a ouvi falar sozinha minutos antes. Elisa me olha sem entender nada, mas pela cara que fez, sabia que eu queria conversar sério com ela.

- Papai... O Beto é legal... Me deixa brincar com ele, por favor!

Eu nem havia dito nada, mas ela já estava mencionando seu amigo imaginário mais uma vez, demonstrando medo em sua voz. Era totalmente válido, afinal, criança sempre acha que os adultos vão brigar a qualquer momento e por qualquer motivo.

- Elisa... Eu só quero conversar com você, tudo bem? Me conta um pouco sobre o Beto. Como vocês se conheceram?

Questionei a garota, que ficou um pouco confusa, mas logo correu até o seu guarda roupa. Abrindo a porta rapidamente, podendo ouvir um ‘’ Vem Beto! O papai quer te conhecer!’’.

Naquele exato momento, fui me aproximando da cama da garota, e rapidamente ela veio até mim, sentando ao meu lado, olhando diretamente para mim.

- Certo! E onde está o seu amigo? Ele vai sentar no chão?

A garota coloca a mão no rosto e ri como se não houvesse amanhã, mas nega com a cabeça.

- Não, papai! Ele está sentado ao seu lado e olhando para o senhor!

Ouvir aquilo de uma garota de sete anos, foi algo medonho, e que me deixou completamente sem reação do que fazer. Eu apenas arregalei os olhos por alguns segundos e engoli seco.

- Ótimo... Então ele já está do meu lado? Muito prazer, Beto.

Pude ver a garota se divertir devido o meu jeito naquele momento tão medonho e assustador. Para ela, era algo normal, mas para mim, que sou adulto, é algo horripilante.

- E filha... Como você conheceu o Beto?

Ela colocou uma de suas mãos em seu queixo, de uma forma pensativa, até que então, resolveu me responder. A olhei daquele jeito e um breve sorriso se formou em meu rosto, assim, podendo ouvir atentamente o que ela iria falar.

- Não lembro bem papai... Eu estava em meu quarto e já era noite, e ele apareceu. Fiquei com um pouco de medo, mas ele disse que estava tudo bem, que não iria me machucar.

Ouvir aquilo de uma menina de sete anos foi surpreendente, de fato, nunca pensei que ouviria aquilo de uma criança. Provavelmente, Beto seria mais do que só um simples amigo imaginário.

Fiquei a noite inteira conversando com Elisa, que me contou detalhadamente sobre Beto, e do quão gostava dele, e o quão bem ele a fazia. Mas eu sabia que no fundo, aquilo, era um fantasma ou algo do tipo.

Os dias se passaram mais uma vez, e com isso, Elisa já não queria saber de mais ninguém, além de Beto, seu amigo imaginário. Isso começou a nos preocupar e muito. Ela passou de uma criança amorosa, para uma criança completamente sombria, fria e sem emoções, posso dizer.

Sei que em uma certa noite, enquanto eu e minha mulher dormíamos, pude ouvir a voz de Elisa, que estava em meu quarto. Cochichando algo com alguém, e assim que ouço tudo, desperto no mesmo instante, olhei para todos os lados, por fim, vendo Elisa, no pé de minha cama, com uma faca em sua mão

- ELISA!!! O que diabos está fazendo com isso em sua mão, garota?!

Ela simplesmente gargalha e corre com aquela faca pelo quarto inteiro, minha preocupação era dela simplesmente tropeçar e morrer devido a faca. Mas a garota pouco ligou. Continuou correndo sem parar.

- Você não me pega, papai! Lero lero! Você não me pega!

Elisa dizia de uma forma divertida, mas sabia que tinha algo por trás daquilo, e que a garota estava sendo influenciada por alguém, ou melhor, por Beto.

- Me dá essa faca agora, Elisa! Ou ficará de castigo por uma semana!

Ela para, cruza os braços e então começa a espernear, como se eu tivesse dito algo horrendo para ela. Mas de fato, crianças se aborrecem por qualquer motivo.

- NÃO!!! EU NÃO VOU DAR A FACA!! VOCÊ NÃO PODE ME DEIXAR DE CASTIGO, PAPAI!

A garota simplesmente grita, mas grita com muita força, como se estivesse com um megafone em sua boca. Confesso que aquele seu grito me deixou até um pouco tonto, o que me fez cair no chão na mesma hora.

- Você é mau, papai! Você é muito mau! Beto não gosta disso, e eu também não!

Olhei bem para garota, ainda um pouco tonto, vendo que ela corria em minha direção com aquela faca, mas por algum motivo, minha esposa entrou na frente, levando um grande corte em seu braço. Elisa ao ver sua mãe machucada, largou a faca na mesma hora.

- Me... Me desculpa, mamãe! Eu te machuquei...

O semblante da garota mudou rapidamente, o que me deixou deveras surpreso, afinal, ela estava vindo para me matar, mas sua mãe simplesmente entrou na frente pra me defender. Elisa sempre foi muito ligada a sua mãe, muito mais do que comigo. Ver minha esposa machucada, me deixou desesperado, o corte havia sido profundo.

Por nossa sorte, eu consegui estancar o sangue a tempo, correndo com a minha esposa direto para o hospital, onde levou alguns pontos. Contei o que havia ocorrido para o doutor e ele ficou surpreso com a intensidade de Elisa.

- Certo... Vocês podem ir para casa, mas lembrem-se, muito cuidado, se essa garota já está assim, ela pode muito bem piorar ainda mais.

Ouvir aquilo do doutor, foi como se tivesse levado uma facada em meu coração. Por um breve tempo, fiquei pensando se eu era de fato um bom pai, se realmente estava criando bem Elisa. Minha esposa ao perceber o quão tenso eu estava, me acalmou, dizendo que foi apenas um acidente.

Dias se passaram e Elisa mudou mais uma vez, só que agora, estava ainda mais birrenta e impaciente do que antes, e como o bom pai que sou. Decido leva-la ao seu restaurante favorito, o famoso Mc’Donalds.

Eu queria ver ela iria se acalmar de certa forma, queria muito a minha filha de volta, e sabia muito bem que Beto estava por trás disso. Como uma criança completamente carinhosa e amorosa, muda assim, completamente do nada, para algo totalmente irreconhecível.

- Elisa?! Já pegou suas coisas? Eu e sua mãe já estamos indo!

Ouço o som dos sapatinhos da garota pelo andar de cima e logo desceu as escadas, com um sorriso enorme estampado em seu rosto. Como se fosse o melhor dia de suas vidas.

- Papai, vou poder comer o que eu quiser, né? O Beto disse que hoje é o primeiro dia dele no Mc’Donalds. Eu disse que ele vai amar. Você acha que ele irá gostar, papai?

Por um momento, engoli seco, mas assim que garota termina de falar, deixo um sorriso fraco escapar de meu rosto, entregando minha insatisfação ao ouvir aquilo da garota.

- Mas é claro, filha... Ele vai amar!

Assim que tudo já estava pronto, saímos, fomos até um parque, onde Elisa costumava ir para brincar, ficamos ali por um bom tempo. Depois, decidimos ir em outros lugares, e por fim, fomos até onde ela tanto queria ir.

- Enfim, chegamos, filha.

Ela estava eufórica, contente, sorridente e completamente feliz, que mal pode calar a boca por um mísero segundo. Eu e minha esposa sabíamos que aquilo seria momentâneo e que logo, ela voltaria a ser o que era antes.

- Vamooooos, papai!!! Eu estou morrendo de fome! Beto também está, não é mesmo, Beto?

Olhei para minha esposa, que ficou assustada com o que acabara de ouvir de sua própria filha. Mas assim como eu, engoliu seco, saindo do carro em seguida. Elisa simplesmente correu, gritando o nome de seu amigo e rindo, como se não houvesse amanhã.

- Essa garota está começando a me dar calafrios... Tenho medo do que pode acontecer. E se ela machucar um dos nós outra vez? Ou até mesmo nos matar?

Minha esposa olhou séria para mim, como se eu já estivesse exagerando, mas sabia que no fundo, era algo totalmente possível de se acontecer. Afinal, ela quase me matou com aquela faca.

Ambos adentramos o local, fizemos nossos pedidos, e assim que terminamos de comer. Elisa queria porque queria ir brincar com as outras crianças, mas acabei deixando que fosse. Momentos depois, eu e minha esposa fomos ver onde a garota estava.

Vimos que ela brincava um pouco afastada das outras crianças, como se estivesse conversando com alguém, e pude notar que algumas das crianças ali presentes, ficaram com um pouco de receio de brincar com Elisa. Mas assim que chegamos, ela correu para o escorregador. Minha esposa, como de costume, tirou uma foto, mas assim que olhou bem, notou uma silhueta atrás de Elisa, que olhava diretamente para nós, e com um grande sorriso em seu rosto.

Aquilo definitivamente nos gelou completamente a alma, e sem muito o que fazer, esperamos por Elisa, que não demorou muito para vir falar conosco, e assim que apareceu, minha esposa mostrou a foto e eu perguntei.

- Filha... Quem é esse atrás de você?

Ela nos olhou e com um enorme sorriso em seu rosto, disse.

- Esse é o Beto!

B Folk
Enviado por B Folk em 04/06/2020
Código do texto: T6967837
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