Patrulheiros Fique Em Casa - (versão 1)
João e José, irmãos, domingo, ao entardecer, após uma semana trancafiados em casa, saíram para esticar as canelas. Ao chegarem à esquina, uma viatura do Patrulheiros Fique Em Casa aproximou-se deles, e o patrulheiro lhes berrou, fungando de raiva:
– Voltem para casa. Têm de ficar de quarentena.
– E o que você está fazendo aqui, patrulheiro? – perguntou-lhe José, rindo. – Volte para a sua casa.
– Engraçadinho. Eu tenho de manter a ordem.
– Mas nós temos de trabalhar – mentiu João. – Tratalhamos, na Fábrica Monte e Desmonte, no turno da noite. Temos de ganhar o nosso ganha-pão. A frase ficou feia, né, José: “Ganhar ganha-pão”? Que falta de estilo.
– Não podem – replicou o patrulheiro. – Tem de obedecer a quarentena.
– Eu não a conheço – replicou José.
– Você não conhece quem!? – perguntou, intrigado, o patrulheiro.
– A sua patroa – respondeu João.
– A minha patroa!? – perguntou o patrullheiro, ainda mais intrigado.
– Sim – respondeu José. – Sim. A sua patroa: a Quarentena.
– Chega de palhaçada – bufou o patrulheiro, de raiva.
– Palhaçada ou palha assada? – divertia-se João com a confusão do patrulheiro.
– Basta! Engraçadinhos, basta! Voltem para a casa de vocês. Respeitem a quarentena.
– Senhor patrulheiro – disse José -, nós mentimos para o senhor. Pedimos-vos as nossas humildes desculpas. Na verdade eu e meu irmão não estamos indo trabalhar. Estamos apenas caminhando, para espairecer um pouco, desenferrujar os ossos…
– Não podem – berrou o patrulheiro. – É proibido aglomerações.
– Aglomerações!? – exclamaram, confusos, ao mesmo tempo, José e João, que se entreolharam, intrigados.
– Sim – respondeu o patrulheiro. – Vocês são dois. E dois é mais de um. Um é um só. Dois é mais de um. Se é mais de um não é singular; é plural. Se é plural, é aglomeração.
– E essa agora!? – exclamou João.
– Vixi Maria! – exclamou José.
– Tudo bem, senhor patrulheiro – disse João, ao vê-lo pegar de um cassetete. – Tudo bem, senhor, Perdoe-nos, pedimos humildemente. Mentimos para o senhor duas vezes. Perdoe-me. Respeitamos o senhor. Digo a verdade, agora, senhor patrulheiro: eu e meu irmão não vamos trabalhar; nem saímos de casa para passear. Serei sincero, senhor patrulheiro: Nós estamos indo até a biqueira. Somos viciados, drogados. Vamos comprar LSD, crack, maconha, cocaína, lá na boca do Carlão Tatu-Bola. Não queremos desampará-lo, neste momento tão difícil. Ele tem de ganhar a graninha dele, né?! E nós temos de nos divertir um pouco, né, senhor patrulheiro!? É só consumo recreativo. E lá tem funk; e novinhas… Se é que o senhor me entende… – piscou, rindo, cúmplice.
– Ah! – exclamou o patrulheiro, sorrindo. – Por que não me disseram assim que abordei vocês!? Teríam evitado atrito e constrangimento. Neste caso, fiquem à vontade. Não há lei que proíba as pessoas de se divertirem. Tenham uma boa noite de diversão, senhores.
– E tenha uma boa noite de trabalho, senhor patrulheiro.
E o patrulheiro Fique Em Casa entrou na viatura, acenou para João e José, e seguiu a patrulhar a cidade.
E João e José passearam tranquilamente.