Hotel 538 - Spediit

I

A irmã de Ricardo sempre foi boa com ele. Por isso sempre tinha pena quando seus pais gritavam com ela. Não que ela fosse de todo inocente. Ainda adolescente vivia chegando bêbada em casa de madrugada, vomitando por todo o carpete e xingando todo mundo. Recusava-se a ir à Igreja depois de um sermão pesado sobre fornicação - e ela só tinha doze anos. Repetiu de ano algumas vezes por simplesmente matar aula em dias de provas. Eles a chamavam de vergonha na frente de todo mundo, e a castigavam muitas vezes, mas ela sempre achava uma maneira de fugir de casa e ir para a rua aprontar.

Quando ela tinha dezessete anos, ficou grávida. Desapareceu no dia seguinte em que contou para Ricardo, e os seus pais prestaram queixa. A última pessoa que a havia visto era justamente o seu namorado, de modo que ele era o principal suspeito. Ele alegava que a escoltou pessoalmente até a casa dela, mas não tinha nenhuma prova, nenhuma testemunha, e caiu em contradição algumas vezes. Mas, como a polícia também não tinha como provar que havia sido ele, ao fim de algumas semanas chegaram à conclusão de que ela havia simplesmente fugido.

Foi nessa época que Ricardo começou a ouvir sons estranhos de batidas e arranhões de madrugada, sem conseguir identificar exatamente de onde eles vinham. Isso continuou por dias. Certa noite ele foi acordado por aquele barulho indecifrável e não conseguiu dormir. Finalmente ele decidiu se levantar e investigar. Ouviu um gemido abafado e distante, não dava para saber de onde vinha. Finalmente, uma intuição o conduziu a pensar no porão. Até onde Ricardo sabia, ele não era aberto há meses. Provavelmente havia algum rato ou coisa parecida lá dentro; talvez vários.

Curioso, o adolescente encontrou a chave do porão, que ficava na cozinha, e abriu a porta, que rangeu alto. Munido de uma lanterna, desceu as velhas escadas de madeira. Finalmente, reprimiu um grito quando viu sua irmã amarrada firmemente a uma cadeira, uma fita adesiva tampando sua boca. Estava esquelética. Havia marcas de sangue seco espalhadas pela parede, roupas e chão. A cabeça pendia sobre os ombros, de modo que ele achou que ela estivesse morta.

- Silke? - Ele cochichou o nome dela. Ela imediatamente levantou a cabeça, assustada, e arregalou os olhos. Rapidamente ele pegou uma ferramenta enferrujada que estava por ali (suja de sangue seco), e a usou para livrá-la da fita adesiva e das cordas. - Quem fez isso com você?

- Eu... não deveria ter contado a eles... - Silke agarrou o braço dele com toda a pouca força que tinha, depois apontou para certa direção. Quando Ricardo mirou a luz da lanterna para lá, havia um pequeno saco de lixo preto. Ele deu dois passos em direção ao saco, para confirmar aquilo que estava pensando, quando ouviu som de passos descendo as escadas.

II

Um homem e uma mulher entram no Hotel 538. Aproximam-se da recepção, para perguntar a respeito de um homem chamado Gloria. Entretanto, antes que eles dissessem qualquer coisa, o recepcionista falou animadamente:

- Olá! Spediit está esperando por vocês.

Eles se entreolharam por um momento, o homem assentiu com a cabeça.

- Sim, nós viemos... vê-lo... mesmo... - Ele mentiu, um pouco incerto, porque não sabia se Spediit era um nome masculino ou feminino.

Um funcionário se aproximou para conduzi-los. Era um homem de óculos, cabelos brancos curtos, quase dois metros de altura. Seus olhos eram selvagens e ameaçadores. O silêncio absoluto e a sensação de morte iminente davam ao lugar uma atmosfera perturbadora. Caminharam por um corredor com portas muito velhas - pareciam ter décadas -, até chegar a uma porta com uma pequena placa vermelha escrito "prédio 3". Virando um corredor, começaram a subir escadas, onde de um lado havia paredes brancas e do outro pretas. A mulher deu uma cutucada no homem, e apontou para o grandalhão andando adiante deles.

- Er... desculpe, senhor... - O visitante começou a falar.

- Orgué. - Respondeu o grandalhão. - Meu nome é Orgué.

- Senhor Orgué... o senhor já viu alguma coisa... estranha... nesse Hotel?

A risada do homem ecoou poderosamente, como se tivesse ouvido uma pergunta ridícula, enquanto ele balança a cabeça com reprovação.

- Quer ouvir uma coisa estranha? Eu sei que vocês são repórteres investigativos. Sei que vocês se chamam Arthur e Silke. E sei que... - Ele se virou para olhar a mulher nos olhos. - Ela teria sido uma criança muito bonita.

Silke tremeu e parou. Ela entendeu do que ele estava falando. Era impossível, não havia uma única pessoa viva que sabia sobre o aborto forçado que seus pais haviam feito, e de toda a tortura que ela passou.

- Pegue sua câmera. - Ordenou o grandalhão para Arthur. - Comece a filmar logo. Você vai gostar do que vai ver.

Eles se depararam em um belo corredor do Hotel. Arthur olhou nervosamente para Silke, pegou seu celular que estava escondido e começou a filmar. As paredes mantinham o padrão de branco de um lado e preto do outro, mas havia alguma coisa nelas que o deixavam meio zonzo.

- Esse é um lugar de morte. - Afirmou Orgué. - É um lugar de ira, cólera, malícia, palavras torpes e mentiras. Vocês foram escolhidos para estarem aqui, para a desgraça de vocês.

Eles pararam diante do quarto 394. O funcionário destrancou a porta por fora, e abriu para eles, o que os deixou muito desconfiados. Arthur foi o primeiro a entrar, filmando, mas o grandalhão segurou Silke na porta.

- Qual seria o nome da criança? - Ele perguntou, mostrando irritação em sua voz. - Qual seria o nome dela?

Silke parou por um momento para pensar. Lembrou-se que, antes de saber que estava grávida, havia tido diversos sonhos sobre ter um filho. Nesses sonhos, havia ouvido um nome várias vezes, e jurou para si mesma que, se um dia engravidasse, daria esse nome à criança.

- Orgué... - Ela respondeu, quando sua mente se iluminou e ela se lembrou daquele nome, arregalando os olhos.

- Sim, um nome esquisito igual ao seu. - Ele sorriu. - Muita coisa estranha acontece nesse lugar. Eu não posso te proteger ai dentro, mas se você conseguir sair desse quarto viva, eu vou te levar para fora daqui.

Ela assentiu com a cabeça, com lágrimas nos olhos, resistindo à vontade de abraçá-lo, e entrou. Ele não conseguiu segurar uma lágrima também. Ele sabia que sua mãe não conseguiria sair de lá, e a coisa que morava naquele quarto não podia sair, por isso virou a chave para trancar novamente o quarto. Quando a retirou da porta, desapareceu.

***

Baseado na série The Holders.