Briga de Galos

No alto do morro, uma multidão, ansiosa, se posicionava ao redor de uma caixa d’água. Dentro, Zico, o campeão, um enorme galo da raça shamo, desfilava elegantemente. O belo animal nasceu para a rinha e na rinha, algum dia, morreria. Zico era um brigador, e por este motivo, quando o raquítico Mutuca, o galo adversário, foi colocado na rinha, a maior parte da plateia caiu na gargalhada. A outra metade permaneceu com ares graves, já há muito tempo defendiam a necessidade de que os galos fossem classificados em categorias, como se faz no sul, para manter o equilíbrio dos combates.

Era, de fato, vergonhoso ver Zico ao lado de Mutuca. Não para Mutuca, o pobre não tinha culpa de ser fracote, a grande vergonha era de Zico, em ter que se rebaixar a tal nível. A glória da vitória é proporcional a grandeza do adversário, e derrotar aquele animal maltrapilho não traria glória alguma.

A luta fora organizada por Chiquinho, experiente galista, que ignorando a troça do público, falava para Mutuca: “ esse Zico é só pose, não é de nada não!”. Ninguém suspeitava, de que na noite anterior, Chiquinho levara o Mutuca a uma mulher estrangeira que vivia do outro lado da cidade, mulher essa que tinha fama de bruxa. A Bruxa, vendo o galinho, disse: “Este és o bichiño? Voy ter que facer magia braba!” E passando as mãos pelo Mutuca, enquanto pronunciava uma reza inaudível, foi fazendo o seu trabalho. Ao final, o galo, aparentemente, estava a mesma coisa, porém a Bruxa garantiu que Mutuca havia se tornado um matador. Chiquinho deixou-lhe dez mil cruzeiros como pagamento.

Os dois galos passaram alguns curtos minutos se estudando, e logo começou o combate. Como era de se esperar, Zico tomou a iniciativa, e Mutuca, desesperado, começou a correr o mais rápido que pôde. Zico o perseguia e quando os dois já tinham dado três voltas completas na caixa d’água, Mutuca, sem fôlego, desistiu da fuga e sem opção, encarou o outro galo. Zico deu-lhe um golpe, quase fatal, e o sangue de Mutuca encheu a caixa d’água. O galo fracote, acoado, parecia pedir clemência ao adversário. Zico, como a serpente, que observando o rato hipnotizado, planeja como dará sua dentada final, contemplava o indefeso Mutuca. Golpearia no local onde a clavícula se separa do pescoço e dos ombros, a garganta, onde rapidíssimo é o fim da vida. Porém, se Zico já não era um galo, era uma serpente, Mutuca também já abandonara sua condição de galo e tornara-se alguma outra coisa. Algo parecido, talvez, a um herói.

Mutuca pensava consigo mesmo : morrerei, e provavelmente será hoje, mas lutarei, lutarei como um galo jamais lutou, e quando eu me for, algo terão para contar sobre mim.

O galo fracote levantou-se, atacou violentamente o rival, Zico, algo atordoado, aproveitou-se da imprudente coragem demonstrada por seu adversário, e pôde dar o tão planejado golpe. Mutuca caía morto, sua alma alçava voou até o paraíso. Ocorrera o esperado, e a plateia lamentava o tédio do combate, Chiquinho amaldiçoava a bruxa charlatã, e o morro logo retomava sua vida cotidiana, nada realmente havia mudado. Nada havia mudado por que aqueles homens não se haviam dando conta de que Mutuca, o Forte Galo Brigador, morrera como um herói.

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Esteban Donato Ardanuy
Enviado por Esteban Donato Ardanuy em 09/11/2019
Reeditado em 10/11/2019
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