O ESCRITOR DA RUA 13 (Capítulo II)

II

Quando acorda, a casa está vazia [08h40]. Marília deixou o café pronto, pães e biscoitos para quando Salazar levantasse. Tudo o que ela fazia cheirava o bairro todo. Como era bom! Ele acordou com o perfume do café e das férias, contrastando com o odor suave do desinfetante lavanda da faxina de ontem. Aquilo era o paraíso! Receita perfeita para uma nova inspiração. Ainda deitado, apanhou o controle da TV para ver as primeiras notícias do dia. Isso é que era vida...

[...homem tem surto e esquarteja a própria filha em apartamento onde residiam, na cidade de Amarópolis, antes de cometer suicídio saltando do nono andar. Segundo informações, o homem pacato não possuía antecedentes criminais, porém tomava medicação controlada para doenças de ordem psicológica. Dentro de alguns minutos retornaremos com mais informações sobre o caso. Eu sou Roberta Andrade, para o Can...]

Salazar se ajeita na cama, com os olhos fixos na TV. Aquilo poderia render uma ótima história. Por mais triste, cruel e sádico que fosse aquele pensamento, poderia sim resultar em um ótimo livro. As pessoas podem negar e considerar verdadeiros absurdos tais fatos horríveis, mas telejornais não batem recordes de audiência em vão. Há um desejo sádico no ser humano, há uma aversão e amor latente por desgraças de tais calibres. Telejornais não batem recordes de audiência em vão. A autodestruição humana é venerada secretamente.

O café descia morno pela garganta, a margarina deslizava sobre o pão francês enquanto os olhos estampados - e felizes - dos biscoitos permaneciam enclausurados no interior do pote de vidro com tampa metálica. O pensamento de Salazar não estava ali. Seus gestos eram completamente autônomos, como quem já dirige há uma década e não precisa pensar para fazê-lo. Imaginava o esqueleto de toda a história, o que poderia modificar para que houvesse um encaixe adequado ao cotidiano de suas personagens, a localização. Seria uma filha e um pai? Poderia ser uma mãe psicopata. Não, mas e se fosse um adolescente problemático que resolvesse matar a família toda com requintes de crueldade, um crime tão chocante ao ponto de traumatizar até os mais aficionados por telejornais? Poderia ser uma obra fictícia com a repercussão do caso Richthofen. Um leque de possibilidades o assombra.

[17h05]

Passos são ouvidos do lado externo da casa, o fim de tarde se aproxima. Marília abre a porta.

"Sal? Cheguei, tudo bem?"

"CONSEGUI ENCONTRAR INSPIRAÇÃO, já sei o que escrever!"

(CONTINUA...)

Lâmpada de Porão
Enviado por Lâmpada de Porão em 19/09/2019
Reeditado em 19/09/2019
Código do texto: T6748616
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