O POÇO DOS DESEJOS

Carlos saiu do escritório esbravejando e xingando seu chefe. No dia que seria sua folga aquele homem impertinente o mandava debaixo de chuva em uma missão no outro lado da cidade para averiguar uma casa que devia impostos à prefeitura. Chegando lá ele teve a desagradável surpresa de descobrir que provavelmente percorrera todo aquele longo caminho em vão, a casa em questão localizada no número 999 da Rua das Flores era apenas um casebre antigo de pedras possivelmente abandonado, a prefeitura estava determinada a descobrir porque os moradores dali nunca pagaram impostos, nem tinham registros junto ao órgão responsável pela arrecadação. Claro, isso se eles ainda estivessem vivos, dado o estado que se encontrava a casa. Carlos chamou e bateu palmas, mas como ninguém respondeu ele decidiu pular o grande portão de ferro e averiguar a antiga residência.

O minúsculo casebre estava com a porta trancada e aparentemente não havia ninguém ali. Olhando ao redor Carlos viu que havia um menino atrás da casa, sentado à beira de um poço. O menino assobiava uma canção conhecida.

-Garoto, seus pais estão aqui?

-Meu pai não está.

-E sua mãe?

-Eu não tenho mãe.

-Eu preciso falar com seu pai então. Você sabe quando ele volta?

-O menino balançou com a cabeça afirmando que não sabia. O homem chegou mais perto, e olhou dentro do poço.

-É fundo?

-Muito fundo. -Respondeu o menino, e voltou a assobiar.

-Você não tem medo de cair aí?

-Não, foi meu pai foi quem fez o poço, eu conheço muito bem o lugar.

-Humm. Você acha que seu pai demora?

-Talvez, já passou um monte de gente por aqui, mas eles se cansaram de esperar por ele.

-O homem esperou por um tempo, depois também se cansou e voltou para o escritório.

-No dia seguinte Carlos voltou à casa, que novamente estava fechada, mas o menino estava lá, sentado à beira do poço dando seus assobios.

-Deixa eu adivinhar, seu pai não está.

-Não, senhor.

-O que você está fazendo? Ontem você estava aqui, hoje você está aqui de novo, sentado no mesmo lugar.

-Meu pai me mandou cuidar do poço enquanto ele não volta.

-Cuidar do poço? Porquê, tem petróleo aí dentro?

-Esse poço é muito especial. Ele realiza todos os seus desejos se você jogar uma moeda e pedir.

-Okay. -Disse o homem em tom de zombaria. E para continuar com a brincadeira jogou uma moeda.

-Então eu quero que meu chefe morra, e quero comer a mulher dele.

-2 anos depois, era a festa de aniversário de Cristiano, chefe de de Carlos, por essa altura os dois já eram bons amigos, mas a despeito da boa amizade que havia entre eles Carlos não conseguiu se conter quando surpreendido no quarto de hóspedes por Catarina, esposa do seu chefe e agora amigo. Ela entrou em seus aposentos nua como veio ao mundo e faminta como uma ninfa enlouquecida. No dia seguinte, ao chegar no escritório Carlos recebeu a notícia que Cristiano havia tirado a própria vida com um tiro na cabeça. Ele logo se lembrou daquele menino e seu poço dos desejos. Passou uma semana remoendo aquela história na cabeça, não acreditando no que havia acontecido. Ele dizia a si mesmo que aquilo tudo não passava de uma infeliz coincidência, mas logo voltava a acreditar no contrário.

Carlos decidiu finalmente voltar à casa e confrontar o garoto e seu pai ausente para obter respostas. Chegando ao poço, lá estava o menino, sentado no mesmo local de sempre.

-Garoto, não minta para mim. O que é que tem nesse poço, e cadê o seu pai?

-Não tem nada no poço. Meu pai não gosta daqui, por isso ele me encarregou de cuidar do poço.

-O que o seu pai faz?

-Ele é jardineiro.

-O homem se convenceu novamente de que aquilo tudo era só fantasia da sua cabeça, e que só estava fazendo papel de idiota ali. Para se certificar jogou outra moeda no poço, mas como afinal de contas ele ainda tinha uma pontinha de dúvida. Pensou no nome de um criminoso que viu na televisão horas antes, o sujeito havia matado a esposa e a filha à marteladas, então certamente não iria fazer falta nenhuma para a sociedade, caso ele estivesse errado quanto aos poderes mágicos do poço.

Carlos ficou em choque quando viu o noticiário na manhã seguinte, o homem que ele deixou o nome no poço havia se enforcado dentro da cela. Enfurecido por ter sido enganado e compelido a causar a morte de duas pessoas. Carlos voltou à casa para acertar contas com pai e filho.

-Eu quero falar agora com ele.

-Eu lhe disse, dificilmente o Senhor vai encontrá-lo aqui.

-Garoto, não teste minha paciência. Você me fez matar duas pessoas. Eu quero falar com o seu pai agora mesmo.

-Desculpe senhor, mas isso não será possível, meu pai está no jardim, ele nunca vem aqui. E eu não lhe obriguei a matar ninguém. Eu apenas lhe disse que o poço concede desejos. O senhor poderia ter pedido qualquer coisa, mas só desejou morte.

-Muito bem, então eu vou fazer outro desejo. Eu quero falar com o seu pai, aqui e agora. -Disse Carlos, enquanto jogava outra moeda.

-Não é assim que funciona. O senhor só pode fazer um pedido. Eu lhe deixei fazer dois porque fiquei curioso para saber qual seria seu segundo, visto que primeiro foi bem incomum. Além do mais ninguém fala com meu pai sem que ele queira falar com você, nem mesmo jogando um milhão de moedas aqui.

-Por favor me diga a verdade. O que tem aí dentro desse poço.

-Certo, já que o senhor quer tanto saber…

-O menino então se levantou, pegou uma chave no bolso e abriu a porta de trás da casa, de longe o homem pôde ver que ele puxou uma corda bem grossa com um nó na ponta que estava pendurada no teto, então a água do poço começou a baixar lentamente, à medida que ia revelando o que estava encoberto Carlos foi ficando cada vez mais perplexo ao ver que o que estava no fundo do poço eram ossos, dezenas de esqueletos humanos, e também muitas moedas.

-Não sabendo se fugia dali ou ficava, Carlos não teve escolha a não ser ficar, suas pernas e braços repentinamente ficaram muito trêmulos e fracos para correr, ou para escalar aquele portão de ferro gigante.

-Quem são eles? Você os matou?

-Não, eles se mataram por conta própria.

-Onde está o seu pai.

-O menino então o chamou até o portão, e apontou para a casa da frente. Um belíssimo casarão estilo colonial com um imenso jardim florido na frente, lá havia um homem vestido em um terno branco muito elegante, ele distraidamente cuidava das flores.

-Eu vou falar com ele agora mesmo.

-Ninguém pode entrar no jardim sem a autorização dele.

-Carlos já muito irritado tentou subir no portão, mas falhou miseravelmente, caindo no chão e quase quebrando a perna.

-Abra este portão agora, garoto. Eu vou falar com o seu pai você queira eu não.

-O garoto ignorando Carlos deu as costas e voltou em direção ao poço.

-Carlos gritou até perder a voz, mas o homem não o escutou, ou fingiu não escutar.

-Garoto, me dê a chave do portão. Eu quero ir embora daqui.

-Desculpe senhor, quem tem a chave do portão é o meu pai. Eu também quero sair daqui. Eu já gritei muito, mas ele também nunca me respondeu.

-Carlos se senta no chão ao lado do poço e começa a chorar.

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Chico Alhandra
Enviado por Chico Alhandra em 02/09/2019
Reeditado em 09/11/2019
Código do texto: T6735828
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