Roleta Russa

André abriu os olhos. As imagens borradas de cores misturando-se e movendo-se foi lentamente substituída pela visão nítida de quatro indivíduos sentados ao seu redor. Havia uma mesa na sua frente, onde repousava seu braço direito. O rapaz da direita acenou brevemente. - Quem são essas pessoas? - Algo passava de mão em mão. Algo que sua visão desfocada o impedia de assimilar. André forçou os olhos e virou-se para inspecionar o local em que estava. Era uma sala bem escura, iluminada apenas pela luz de uma vela no canto da mesa. As paredes eram acinzentadas e ele não conseguia dizer se esta era sua cor original ou se a sujeira e o tempo as deixaram naquele estado. Porém o que mais lhe chamou atenção não foram as paredes, a vela, ou aquelas pessoas desconhecidas… o que mais chamou-lhe atenção foi que naquela sala não havia porta.

Conforme os segundos passavam, André enxergava melhor. Tentava, em vão, lembrar-se o que havia acontecido. Recordava-se apenas de estar em seu quarto. Recordava-se de um estado de profunda angústia. Profunda dor. Apenas isso. Dor. Angústia. Quarto. E então, nada. A escuridão. Logo depois, lembrava-se de acordar ali, tonto, com a visão borrada, e com uma dor de cabeça que nunca havia experimentado em todos os seus trinta anos de vida.

Sua contemplação foi logo interrompida quando o homem que sentava-se à sua esquerda, cujo rosto era bem protegido pela escuridão, passou-lhe um objeto. Foi a primeira vez que conseguiu enxergar aquilo que passava de mão em mão, e então entendeu. Como aquilo foi acontecer ainda não sabia. Por que aquilo estava acontecendo, tampouco. Mas sabia o que era, e sabia o que precisava fazer. André segurou a pistola e levou seu dedo ao gatilho. Não lembrava-se de ter pego, outra vez na vida, em uma arma, mas sentia como se conhecesse aquela sensação como um velho amigo de infância. Ele sabia que precisava fazer. Ele sabia que aqueles homens esperavam que ele fizesse. Ele sabia que ali não havia porta. Ele sabia que não tinha como fugir. Ele fez. Tinha uma chance de não haver munição. Afinal, a roleta russa é um jogo de azar. Ele poderia muito bem sair vivo. Pelo que sabia, suas chances não eram tão baixas. Ele fez.

O som. A luz rápida. O sangue. A dor. Talvez não tenha durado nem um segundo. O eco do barulho do tiro disparado ainda levou mais uns três antes de se dissipar pela infinidade. André, caído ali na mesa de madeira, não ouviu nem mesmo o som do tiro. Antes de perceber já estava morto. E então, André abriu os olhos. As imagens borradas de cores misturando-se e movendo-se foi lentamente substituída pela visão nítida de quatro indivíduos sentados ao seu redor. Tentava, em vão, lembrar-se o que havia acontecido. Recordava-se apenas de estar em seu quarto. Angústia. Dor. Quarto. Dor. Muita dor. Uma dor que não podia suportar mais. Uma dor que terminaria a qualquer custo.