Subjugo
14/5/2019
Tudo o que acontece, acontece. Nem tudo que acontece é. Mas tudo que acontece está. E o estado de permanência é algo que nem sempre podemos lidar dentro do estado de ser. Shirley não escolhia permanecer e o estado de ser era algo que a fazia muito improvável. Porém, a escolha pela maternidade foi compulsória. Assim como seu amor por Edgar foi compulsório, até o seu acidente, aquele dia que o transformou em uma carcaça.
- Vamos Gabriela, ver o papai. – todos os dias elas passavam no hospital para visitar o pai que vivia com o auxílio de aparelhos. Estavam assim desde que se lembrava de e a garotinha já tinha cinco anos. Ela descobriu a gravidez horas antes de descobrir o estado de vida do parceiro… Never more.
Como Shirley era enfermeira, deixava Gabriela na creche do hospital e lá passava seus dias em um estado de vigilância, lidando com tudo aquilo como quem não lida. A garotinha era comum, como se espera, e almoçava em família todos os dias. Neste dia em que localizamos nossa narrativa encontramos uma incongruência e altera-se a rotina. Gabriela não consegue mais comer, pois seus dentes doem.
Com o passar do tempo o estado da boca de Gabriela foi piorando, e Shirley a levou ao raio-x, e descobriram que ela tinha uma doença rara, segundo o diagnóstico, ela tinha um odontoma. Resolver-se-ia com uma operação. Não resolveu. Nem com duas.
Gabriela operava sempre, e passou a ter diversos problemas de saúde. Foi estudada e o estado dela foi chamado por outro nome. Bem, não vem ao caso. Shirley a acompanhava compulsoriamente, e se agarrava à garotinha. Aos 6 anos, Gabriela já havia operado mais de sete vezes.
Shirley não chorava mais. Passou a ter noites virando a noite no hospital com Edgar e Gabriela, passava as horas com a garotinha ao colo cantando e acariciando-a e ao marido. Depois ia trabalhar no dia seguinte, sem qualquer resquício de cansaço ou depressão. Shirley era um exemplo de mulher.
Um dia, Nilza estava fazendo a limpeza daquele andar, e era seu primeiro dia naquele hospital. Horário noturno, esperava ter paz e silêncio. Havia um cheiro de hálito abafado no ar ao qual ela não entendia, e ao chegar ao quarto duzentos e dezessete encontrou em vez de Shirley, Gabriela e Edgar uma composição de dentes de leite que cresceram como pequenos cogumelos em um tronco de árvore, com forma de gente em estado estático.