A Revolta

Era início de primavera.

Passeava pelo centro, minha intenção era ir à feira. Passei pela praça, as crianças brincavam no parquinho, jovens se exercitavam em seus skates, velhos caminhavam sob o sol da manhã. O dia começava muito agradável. Senti um zumbido passar rápido pelos meu ouvidos, me assusto um pouco, mas era só uma abelha.

Prossigo meu caminho e chego a feira, estava toda animada, as pessoas enchiam seus carrinhos e sacolas com frutas e legumes, todos comentando do jogo do dia anterior, do tempo, da inflação, dos seus problemas e alegrias. Ouvi outro zumbido, desta vez mais disperso, e vejo um feirante tentar enxotar um bando de moscas de suas frutas.

“Sai!” – dizia ele.

Parei perto de uma banca e começo a analisar umas pencas de bananas.

“Tá barata! Aproveita que tá barata!” – diz o vendedor, pego uma para olhar e quando vou pedir pra separar sinto uma picada na mão.

“Ai!” – digo eu.

“O que foi?” – perguntou o feirante.

“Era só uma formiga” – respondo esmagando a formiga com um tapa.

“Ah, o senhor tá vendo! Isso é porque eles usam veneno, senão essas pragas iam tomar conta de tudo!”

Deixei as bananas lá, perdi a vontade, mais pelo comentário do vendedor, atestando a qualidade de seus produtos, do que pela picada. Mas na verdade o que eu queria mesmo era caminhar, por isso continuei andando pelas ruas.

Em determinado momento ouço um “crack”, como se tivesse esmagado alguma coisa, e era mesmo: uma barata.

“Hoje vocês todos resolveram sair hein!” – pensei comigo mesmo – “Vai ver é por causa do calor da primavera.”

Ah primavera! Estação das flores, das flores e das... abelhas!

Outro zumbido, outra abelha, tentei afasta-la abanando as mãos, e parece que consegui.

Vi algumas outras pessoas fazendo o mesmo gesto de abanar as mãos e a princípio pensei tratar-se de um enxame, mas logo passou.

Abelhas, os jornais não estavam dizendo que elas estavam em extinção? Alguns até falavam que se as abelhas desaparecessem o estoque de alimentos no mundo não duraria nem três meses e o ser humano iria sucumbir também. Alguns diziam que era por causa dos agrotóxicos...

Em extinção ou não ouvi outro zumbido, e mais um, e mais outros... agora realmente parecia um enxame.

Vi algumas pessoas se abanando, outras correndo e algumas gritando.

“Ai!” – gritei. Uma nova picada, mas não de uma formiga, era muito mais forte, era do ferrão de uma abelha em meu pescoço.

“Miseráv... ai!” – outra picada, desta vez no braço.

Tal como as outras pessoas comecei a correr, não poderia ficar exposto.

A medida que corria vi algumas pessoas se contorcendo. Provavelmente alérgicas. Mas eu não poderia ajudar, parar era suicídio, eram muitas abelhas!

Tentei voltar pelo caminho que vim, pela feira, e me deparei com uma cena bizarra: baratas! Saiam as centenas dos bueiros, não, aos milhares, ou melhor, aos milhões!

A cada passo que dava ouvia seus corpinhos crepitarem esmagados pelos meus pés. Algumas subiam em minhas roupas e, coisa asquerosa, mordiam minha pele.

Passando pela feira vejo as pessoas também gritando e correndo, as abelhas também pareciam ter chegado ali, mas olhando mais atentamente não eram abelhas, eram moscas, verdadeiros enxames de varejeiras atacavam os produtos e as pessoas, e muitas dessas pessoas caiam ao chão, onde eram cobertas pela multidão de baratas vindas dos subterrâneos da cidade. Eu não podia ir por ali.

Pego a direção da praça. Lá o mesmo pandemônio. As pessoas gritavam e enfrentavam um novo inimigo: exércitos de formigas saiam do chão, marchando determinadas a atacar tudo a sua frente, vi velhos caídos no chão, já com a pele em carne viva, vi cães gritando e sendo arrastados vivos, vi mães lutando com os insetos enquanto as crianças eram fragmentadas. E dos céus o zumbido, lá viam elas, a força aérea dos insetos, abelhas formando nuvens que escureciam o céu.

Corri como nunca, minha casa ficava perto. Ignorando as pessoas que se contorciam, ignorando as picadas doloridas e as baratas que a essa altura chegavam até minhas partes intimas, atravessei os poucos metros de rua até minha casa, pulei o portão num salto, abri a porta correndo e praticamente invadi minha própria casa.

Rapidamente tirei todas as roupas e as utilizei para vedar todas as frestas nas portas e janelas, corri para o armário da cozinha e o revirei jogando tudo ao chão.

“Cadê? Cadê?” – gritava como um louco, até que a achei: uma lata de inseticida!

Sem pensar nos efeitos borrifei inseticida no meu próprio corpo, matando aquelas criaturas sujas.

Cansado, sentei no chão, estava exausto. Mas logo me levantei, as baratas surgiam de cada canto. Usei o inseticida para afasta-las e dançava como um louco para esmaga-las.

“Morram!”

Logo me lembrei dos ralos da cozinha e do banheiro. Era de lá mesmo que saiam, armado com o inseticida eu os vetei com plásticos, panos e todo tipo de objeto que encontrei.

“Que pesadelo. O que está acontecendo!”

Atrás de respostas liguei a TV.

A cada canal que buscava via repórteres na rua correndo desesperados, cenas como a que vi na minha cidade pareciam se repetir mundo afora.

“Ao que parece” – tentava falar uma repórter cheia de calombos no rosto provocados pelas abelhas – “Todos os insetos no mundo ficaram loucos, estão atacando a todos!”

A TV saiu do ar logo depois.

Lá fora ouvi de novo aquele zumbido. Olhei pelo vidro das janelas, o dia virou noite tal a multidão de abelhas que cobria o céu, e logo a própria janela ficou preta pois uma legião de formigas subia por ela bloqueando minha visão.

“Isso não vai adiantar” – falei olhando para a lata de inseticida.

Desesperado lembrei que insetos em geral temiam o fogo, a própria fumaça os espantava.

Fui até a cozinha, encontrei um litro de álcool, juntei algumas roupas e acendi o fogo, a fumaça se espalhou, mas não parecia ser muita coisa, porque algumas formigas e abelhas encontraram formas de entrar na casa e me picavam novamente.

“Não, não” – corri até a sala, encharquei o sofá com álcool e iniciei o fogo. Foi rápido, de início parecia surtir efeito, mas não parou os insetos, e às formigas e abelhas juntaram-se baratas que mesmo queimando me atacavam.

Em pouco tempo me via coberto pelos insetos, a fumaça ao invés de para-los me sufocava e o fogo se espalhava pela casa na mesma velocidade daquelas pragas.

Não sei qual deles me mataria primeiro, o fogo ou os insetos, pouco importava, se todo o planeta estava naquela situação não haveria mais lugar pra mim ou pra qualquer outro ser humano. Senti uma última picada, era uma abelha, era como se ela quisesse me dizer que não seria extinta sem lutar.

E depois disso, tudo se apagou.

Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 24/05/2019
Código do texto: T6655640
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