MORTE & TRANSFIGURAÇÃO

Peludo e nojento e fétido estuprador, agressor de mulheres. Hoje parou. Pois não mais consegue correr. Cachaça corre em suas veias por tanto tempo que mal se aguenta em pé, e mal consegue fugir. É pacífico por necessidade... Peludo e nojento e fétido estuprador, agressor de mulheres... fora um agressor no passado... até alguns poucos anos passados. Perseguidor de mulheres.

Ele mancava e esticava com força as pernas calejadas, feridas, disformes... utilizava a mão pra conseguir alcançar as pedras e atravessar o rio que quase não tinha água. Duas garotas de treze anos o observavam de longe. Elas usavam biquínis, um azul e outro amarelo, eram curtos e elas sabiam da fama daquele homem nojento de se masturbar no leito do rio quando via meninas vestidas assim. Pegaram com pressa suas toalhas e tentaram se cobrir.

De uma piscina natural um pouco mais distante, duas adolescentes – quase adultas – de dezessete anos tentavam saltos ornamentais, aproveitando-se da água um pouco mais funda do que nos outros lugares. Da lá – entre um pulo e outro – elas notaram a aflição das garotinhas. E viram o homem horroroso, peludo e fétido, que tentava escalar as pedras e encontrar encontrar terra firme. Ele não as olhava, parecia nem tê-las visto, estava muito aflito, querendo conseguir sair dali sem um nariz quebrado... ou mais uma ferida aberta naquelas pernas podres e amareladas. As garotas se secaram rapidamente. Elas tinham muito mais atitude, eram extremamente musculosas e cheias de tatuagens pelo corpo.

Mesmo terminando de se secar, atiraram de volta suas toalhas no chão e com biquínis minúsculos, correram em direção ao homem. Ele tentava de tudo pra não se molhar no processo entre uma pedra e outra, usando as mãos e os pés como uma aranha velha. Tinha uma pequena sacola nas costas, provavelmente com comida e cachaça. As garotas encostaram e uma delas estendeu a mão oferendo ajuda, sorrindo. Mas no que ele esticou o braço, retrocedeu a mão com uma gargalhada e ele caiu brutalmente na água bem rasa.

Um barulho oco como um coco seco, soou do chão, e ele ficou estatelado na água como se tivesse desmaiado. As garotas mais velhas olharam pras meninas e as meninas puseram-se a gargalhar de alegria.

Havia também um sentimento de justiça diante do sofrimento do homem, que parecia estar bêbado e fraco demais para conseguir simplesmente VIRAR um pouco o próprio corpo e evitar de morrer afogado na poça d’água.

Ele era peludo, e nojento estuprador e agressor de mulheres. Parecia um besouro afogado, cujo casco era mais duro e pesado do que o resto do corpo. Não estava morrendo de vez, mas sim, agonizando... Ele ainda podia beber a água doce e respirar com dificuldade, tosse e muita dor. A água do rio era limpa... e era bebível. Uma água iluminada e adocicada... não fora foi feita prum homem como ele. Apesar disso estava muito feriado e não conseguia se mexer. Acabaria morrendo afogado em poucos minutos... agora as meninas não faziam alarde. Não gargalhavam, não falavam, e nem sorriam. Apenas davam-se as mãos.

Tivera um mulher na cidade com seu mesmo sobrenome. Era sua esposa. A Sra. Fagundes. Ela tinha uma loja de bordados, enquanto ele... trabalhava três dias da semana nos correios e outros numa fazenda em uma cidade próxima. Dizem que uma pneumonia interrompeu sua vida, aos vinte e oito anos. E desde então ele passou a viver entre vacas e bois e andar sozinho pela cidade. A primeira mulher que ele estuprou era extremamente parecida com Sra. Fagundes... e ele ficou internado num hospício numa cidade vizinha por quase dois anos. Quando voltou, seus pelos aumentaram, seu corpo e sua face adquiriram um aspecto animal e demoníaco. Abandonou todos as regras de convivência, tais como fala, vestimenta e o mínimo de asseio. Seus pelos cresciam e cresciam sem parar... e seu cheiro piorava. Seu andar se tornava o andar de um animal perdido. Ele estuprou e agrediu mais algumas outras mulheres e o mandaram pro hospício várias vezes. Até que um juiz decidiu que hospital era coisa pra quem QUERIA se curar. Então finalmente o Sr. Fagundes cumpriu sua primeira pena por estupro num grande presidio em Feira de Santana, ficando lá por cinco – longos - anos.

O que sobrou dele no retorno era um ser vivo errante, assustado e quase inteiramente mudo. Não se sabe de onde conseguia o mínimo de sustento. Quietou-se por necessidade. Por medo. Não conseguia mais correr de ninguém. Não conseguia atacar ninguém. Ainda assim era um doente e um pervertido que se escondia nos matos, assistindo meninas e mulheres de biquíni tomarem banho no rio. Agora as garotas observavam – já por alguns minutos – seus movimentos se tornando desistentes... e menos desesperados. Parecia estar prestes a dormir. O povo da cidade demoraria meses pra notar sua falta.

Uma das garotas, a maior, mais velha, mais bonita, mais esperta... Afastou-se um pouco da cena e ficou tateando em volta, procurando alguma coisa. Voltou segurando com as duas mãos uma enorme pedra do rio. O homem parecia um peixe. Esperançoso... acreditando que no último minuto, seria posto de volta no mar. No fundo achava que era só uma brincadeira. Pregavam peças nele o tempo inteiro. Era agredido o tempo inteiro. Quase todos os dias. Mas aquilo estava passando da conta.

A garota mais velha fez um sinal de ordem, para que as outras se juntassem e virassem o homem. Elas o viraram de forma que ele pudesse olhar bem nos olhos de cada uma antes que a maior de todas afundasse a pedra em sua cabeça. Quando a pedra bateu, cada uma pensou em algo... como repolho caindo da geladeira, Ketchup de espalhando numa mesa de lanchonete, ou simplesmente numa cabeça abrindo e pedaços de cérebro de espatifando no chão. Nesse momento todas correram se dispersando e fugindo como gatos assustados. Nada jamais foi dito e elas evitavam até mesmo se olhar na rua.

Uma semana depois a garota mais nova, chamada Agatha, estava vestida e estava sentada com os pezinhos na água enquanto ouvia uma música numa caixinha de som. Não fazia calor, tinha acabado de chover... Ela usava óculos escuros, porém, estava de olhos fechados... bem fechados. Sentiu uma mão áspera acariciando seu ombro. Pensou que fosse seu pai, que por algum motivo tinha resolvido lembra-la de voltar pra casa. Logo em seguida sentiu um cheio horrível, podre e pantanoso. Um cheio que lembrava peixe estragado. Agatha nem teve tempo de se virar para ver o que era. Quando virou, seu pescoço já estava preso nas mãos do monstro gigante, coberto de limo. Seu rosto estava deformado, apodrecido e sem um olho. Saiam folhas e vermes dos orifícios do rosto e orelha, e também pequeninas piabas do canto da boca.

Estava vivo! E puxava as piabas e vermes com a língua pra dentro, mastigando e sorrindo, com seus dentes amarelos e gengivas extremamente pretas. Sua gargalhada – diante dos gritos da menina – eram risadas guturais e monstruosas. Ele produzia barulhos animalescos, que não pareciam ser nem um pouco racionais, de maneira alguma. Apertava o pescoço da menina com força, ainda dando à ela o mínimo possível de respiração sem desmaiar. Queria vê-la parando de tossir, parando de gritar... parando de lutar e ... – afinal – desistir. Assim como ela e suas amigas fizeram com ele. Era um monstro peludo e nojento, estuprador e agressor de mulheres e crianças.

E agora, estava VIVO outra vez.