A primeira vez que viu Eulália
Lá fora, uma chuva fria e fina tomava conta do ambiente. Era possível ver uma espécie de névoa que pairava no ar e o mantinha com os olhos presos na imagem para além da vidraça.
A luminosidade banhava seu corpo com brandura. O suéter e o fogo ardente que salpicava na lareira traziam-lhe uma ideia de conforto. O lugar aconchegante era forrado com mobília feita do mais puro mogno e isso também contribuía para com a sensação.
O chá exalava seu vapor característico em choque com o clima frio da região serrana em pleno outono e Arnaldo sentia que havia realizado seus sonhos e imaginava que ali viveria até seus últimos dias rodeado de tudo que gostava.
É bom que se diga, comprou a casa de porta fechada, como se costuma dizer, e nem ao menos precisou decorá-la. Claro que ainda nem houvera tempo para pensar em qualquer coisa do tipo, tendo em vista que havia mudado para o casarão há menos de uma semana.
Com boas economias, já com filhos criados e viúvo precoce, sentia-se pronto para dedicar-se ao cultivo de sua estufa, a qual deveria dividir espaço entre flores e hortaliças e dava boa impressão a qualquer um que ultrapassasse o portão.
Arnaldo sentia-se longe, preso em seus próprios pensamentos, quando a campainha tocou. Ele estranhou o fato; pois, não viu ninguém ultrapassar o portão alto e pesado, também feito em madeira de lei.
E tão logo pregou seu olhar através da vidraça, viu alguém elegante e atraente. E o sorriso encantador que se abriu diante de seus olhos foi decisivo e chamou-lhe atenção como que seu coração ganhasse um afago.
Apresentou-se como Eulália. Em breve momento disse que estava à procura de pessoas muito queridas. Cordialmente, Arnaldo pontuou que comprou o casarão da família do falecido José.
Ela manifestou-se profundamente abalada em saber do ocorrido e justificou-se como quem estava à margem da notícia, pois há muitos anos perdera contato com os antigos moradores.
Educadamente, Arnaldo ofereceu água com açúcar para acalmar sua visitante que lhe parecia estonteante mesmo manifestando sua tristeza. Para ele, Eulália carregava um charme irresistível enquanto ele fazia muita força para que não passasse do ponto e se saísse como alguém sem classe e fora de bom tom.
O desfecho para tal encontro foi o sexo e Arnaldo se sentia como um adolescente enquanto Eulália aquecia seu peito ao tempo em que lhe acariciava e comentava como foi intempestiva ao chegar tão longe com quem não tinha intimidade e não conhecia nem mesmo de vista.
Já Arnaldo sorria e dizia que a vida tinha destas surpresas e contemporizava falando que ela não devia incomodar-se com a situação, pois o machismo não estava na moda.
Após alguns risos e uma xícara de chá, Arnaldo sentia que não podia deixá-la partir sem que tivesse em mãos ao menos um número de telefone.
Eulália, com o mesmo sorriso em seus lábios que lhe decorou o rosto em sua chegada deu-lhe um cartão e um pequeno beijo antes de sair.
Arnaldo sentiu que havia tirado a sorte grande, pois há muito tempo não se percebia à beira do amor e achava-se surpreso por ter se deitado logo com sua primeira visita. Ainda com o cartão em mãos, entre um suspiro e outro, se engasgou com as letras artisticamente bem desenhadas que estampavam o contato.
Espantado além da conta, ligou para o corretor que lhe vendeu o imóvel e ficou ainda mais estarrecido com o que ouviu; pois, aparentemente, fizera amor com a filha primogênita do seu falecido José, a qual se enforcou na tão linda estufa que lhe enchia os olhos, no dia em que completara 45 anos.
— Foi alguma brincadeira de mau gosto que fizeram contigo, Arnaldo — disse o corretor do outro lado da linha, instantes antes do fim da ligação.
Mais abalado que nunca, Arnaldo tomou o caminho do chuveiro e transpôs o aparelho para o frio sem importar-se com a temperatura extremamente inadequada devido ao clima de outono com cara de inverno. E apesar da aparente loucura do fato, sentia-se extremamente ansioso para vê-la de novo.