Intermundos
Não eram sete horas da manhã daquele domingo ensolarado, quente, de verão, quando João, após uma prolongada noite de sono, acordou, sobressaltado, atormentando-o um pesadelo, animado por uma criatura extraordinariamente horripilante, e cujo teor emergiu-o das profundezas desconhecidas da alma, na superfície tranquila, no fundo agitada, e ergueu-se, sem se retirar de sob o fino lençol que o cobria durante a noite, protegendo-o do assédio de pernilongos irritantes, todos a lhe cantarem aos ouvidos canções que lhe feriam os tímpanos e atormentavam-lhe o espírito não o permitindo conciliar o sono, ao qual sucumbiu devido o cansaço que lhe roubara, no dia anterior, uma parcela significativa de suas energias, e sentado, agitado o coração, arregalados os olhos, nada podendo ver, pois reinava, no quarto, escuridão absoluta, perguntou-se, confuso, se acordara, ou se ainda vivia em um universo onírico, cuja realidade, fantástica, envolvia-o, perturbando-o, e procurou, circunvagando o olhar pela escuridão reinante, à procura de uma explicação aos eventos que em sonho vivera durante ou segundos, ou minutos, ou horas, os quais ele suspeitava reais, mas acreditava fictícios, uma resposta que o norteasse, certo de que encontraria, nas trevas que o envolviam, o monstro que lhe ia no encalço, numa região lúgubre, mas, reconheceu, tinha em torno de si apenas a escuridão, e, superando a linha tênue que separava do sonho a realidade, pôde tomar consciência de que se encontrava, nu, no seu quarto, sobre a cama, sentado, sob um lençol, o coração alvoroçado em decorrência do terror que o assaltara durante o sono, e refeito do susto, o qual lho inspirou um ser fantástico, organizou os seus pensamentos, e, recuperando o governo de seu corpo, controlou os batimentos de seu coração, retirou-se de sob o lençol, e andou, passos firmes, até o interruptor, localizado à direita da porta, premiu-o, e dominou o quarto a luz proveniente da única lâmpada que lá havia, no teto, enceguecendo-o a ele, João, que, então habituado à escuridão que no quarto reinava, levou, de imediato, a mão esquerda aos olhos ao mesmo tempo que cerrou as pálpebras, e assim que as descerrou, os olhos ainda sob a sombra projetada pela mão, e à luz se acostumando, viu, diante de si, uma criatura extraordinariamente horripilante, que abriu a bocarra, engoliu-o antes de ele atirar o grito que o terror lhe inspirara, e premiu o interruptor... e as trevas reconquistaram o seu reino.