O CHAPÉU & O VESTIDO
Quando Eugênia apareceu na casa de chá para encontrar com sua amiga Linety, desacompanhada, com aquele indefectível chapéuzinho negro e com um vestido escuro sem a insuportável, mas, imprescindível crinolina, as faces ruborizaram e os homens curiosos olharam de solslaio, a própria Linety abriu a boca e arregalou os olhos de tensão, pensou
- Eugênia enlouqueceu, que falta de decoro, sua acompanhante escondeu com a mãozinha enluvada, um sorriso discreto, Eugênia, com certeza gostava de chamar a atenção e principalmente, desafiar seus próprios pais, só que desta feita, aquela atitute teria sérias consequências, seus pais não iriam perdoar este vexame social e afronta por parte de sua rebelde filha.
Os donos da casa de chá, só pediram ao garçom que ela fosse servida, pois seus pais eram muito bem posicionados e a deferência se fazia necessária, que vergonha, uma moça de família com as ancas delineadas por falta da crinolina. Eugênia risonha sorveu seu chá calmamente, se divertindo com a comoção que provocara, as coisas em outros países estavam muito mais modernas, só ali na Inglaterra as regras de conduta, mantinham a severa tradição, apesar dos esforços apaixonados e pacíficos da Rainha Vitória e seus aliados progressistas, Eugênia já estava cansada de tantos corpetes apertados, tantos laços, sobriedade e desconforto.
Uma carruagem luxuosa chega à porta da casa de chá e o ar fica em suspenso. Lorde Byron, pai de Eugênia entra, deita moedas no balcão e sai arrastando a filha sem uma palavra sequer, mas, seus globos oculares estavam vermelhos de ódio e decepção, Linety já via sua amiga numa clausura de convento ou pior, num rígido reformatório. Ah! Eugênia desta vez você não terá perdão.
Lorde Byron, impediu que a filha lhe dirigisse a palavra, então, Eugênia percebeu que seu gesto intempestuoso lhe sairia muito caro, logo agora que o melhor baile da cidade aconteceria, já tinha muitos planos para a data.
Assim que chegaram em casa,, sua mãe a esperava na porta com duas criadas e o velho mordomo...e uma...das suas malas, a menor...ai, ai, ai, Eugênia começou a ter calafrios, para onde iriam, pior ainda, para onde a enviariam?
Lorde Byron lhe disse em voz baixa e dura, despeça-se de sua mãe. Ela correu e se jogou nos braços da mãe aos prantos, que obediente abençoou a filha e se afastando dela, lhe disse friamente
- Vá, você me envergonhou, ultrapassou todos os limites da compostura, agora assuma seus próprios erros.
Gelada e trôpega Eugênia entrou na carruagem, seguiram por quase uma tarde inteira e ao pararem defronte aos gradeados portões do Reformatório Feminino Central, a filha rebelde do Lorde desmaiou, a fama daquele lugar mitigou sua irreverência.
Acordou com um cheiro forte nas narinas, tossiu e viu à sua frente, uma senhora trajando uniforme fechado de tecido grosseiro, como os das fardas dos militares, com o semblante rígido e cabelos castanhos firmementes presos a um coque, sua voz dura vibrou forte nos ouvidos delicados de Eugênia
- Levante-se, seus dias de glória acabaram, aqui será devidamente reeducada.
Eugênia teve suas roupas confiscadas, recebeu um uniforme esverdeado extremamete sóbrio de corte militar, teria que manter os cabelos presos num coque severo, sem joias os acessórios, só lhe foi permitido manter um cordãozinho de ouro com a medalhinha com o rosto de sua mãe. Sua rotina seria igual todas as manhãs, acordar, arrumar sua cama, fazer a sua higiene pessoal, café da manhã, aulas de etiqueta, bordado, comando de uma casa, almoço, línguas, poesia e costura, jantar, orações, dez minutos livres para pensar, apagar a luz e dormir em seu colchão duro, para Eugênia parecia um catre, conversas entre as moças só eram permitidas sob supervisão da 'General' ou sua assistente, tão 'doce e gentil' como a sua chefe. Os castigos por desvios de conduta eram terríveis, mas, nunca teria imaginado o quão realmente eram.
Passados quinze dias, já acostumada ao silêncio do reformatório, acreditou que um pequeno deslise não teria consequências e roubou um doce a mais na hora do almoço, escondendo sob o uniforme, para comer ao apagar das luzes, mas, foi descoberta ou delatada, pois havia uma ruiva de nome Glenda, que recebia certos agrados da 'General' que a observava furtivamente. Foi tirada da cama aos berros, despida e colocada numa tina enorme, com água absurdamente gelada e teve que ficar ali por algumas horas, quando já estava arroxeada e com falta de ar, lhe deram um chá quente e amargo, uma toalha áspera e a levaram para um quarto isolado até a manhã seguinte, quando acordou ardendendo em febre. A única coisa que a 'General' fez, foi lhe perguntar
- O doce valeu a pena?
Volte já para o seu quarto e desça depois de cumprir as suas obrigações, a diretora a espera depois do café da manhã. Eugênia arrastou sua febre, enrolada na áspera toalha ainda molhada pelo corredor inóspito, não tinha forças para nada, mas, por mais absurdo que se possa supor, não sentia arrependimento, apenas raiva e em seu pensamento só vinha a imagem da ruiva
- Ah! se tiver sido ela...
Glenda era uma moça bonita, sonsa e silenciosa, mas, extremamente ambiciosa, filha de um abastado comerciante, de coisas escusas na verdade, mas, para a sociedade em geral, prazer pago por mercadoria quente e viva nas surdina de suas alcovas de encontros sexuais, silêncio era de muito valor, então, era muito bem quisto pelos poderosos e por suas esposas obedientes e submissas era como se aqueles lugares não existissem. Glenda não se sentia bem junto aos seus pais, aprontou de tudo para se livrar deles, enfim foi parar no reformatório e garimpava algumas vantagens oferecendo seu corpo para as carícias da 'General". Quando viu os olhares de cobiça dela sobre Eugênia em sua chegada, a moça virou a bola da vez para seu escárnio e diversão, não iria perder suas vantagens por uma mocinha mimada, logo na primeira chance delatou sua infração...docinho caro aquele...
No mundo lá fora, no afastado Cemitério do Pretos, duas famílias, a do Lorde Byron e a de Linety, sepultavam a fujona Eugênia, foi uma tristeza saber que a moça rebelde tentando fugir da punição de seu pai, tenha caído no bosque quebrando o pescoço. Lorde Byron contando com a amizade e confiança da família de Linety, divulgou 'consternado' essa notícia aos seus pares. Não pretendia ver Eugenia nunca mais, do Reformatório para o Convento das Mercês seria seu destino, ela assim escolhera com sua conduta vergonhosa e insolente.
Ao chegar a sala da Diretora, Eugênia se surpreendeu, ela era baixinha com jeitinho de avó, aparentemente serena, mas, sua voz firme impunha respeito, lhe passou um sermão duríssimo, mostrando suas falhas e avisando que novas infrações seriam ainda mais duramente punidas. Não dando permissão para que Eugeênia falasse, a mandou para a enfermaria onde lhe deram um novo chá amargo e umas gotas de um elixir. Continuando a sua rotina diária, exceção feita, na janta lhe deram uma sopa de legumes com muita carne, outro chá amargo e mais elixir, no dia seguinte já se sentia recuperada. Glenda passou por ela falando baixinho, castigo fraquinho esse não? Eugênia tinha faíscas nos olhos...essa ruiva safada ia pagar caro...
Quatro semanas insuportáveis depois, Eugênia se queixa para a "General' que sua correntinha sumira, fez isso num chororô inconsolável, alguém fez chegar a situação aos ouvidos da Diretora que logo foi investigar a situação, roubo ali era punido com expulsão, sem sequer um aviso para a família, a rua era o último degrau para a decadência. A Diretora mandou vasculhar cada canto dos alojamentos, depois de tudo revirado, faltava apenas o alojamento da 'General' e o quarto de Glenda, qual não foi a surpresa da Diretora ao encontrar sob o colchão da ruiva o bendito cordãozinho de Eugenia, o rubor de ódio de Glenda fez com que todos entendessem o colorido deslocado como o vermelho da culpa, assim também interpretado pela Diretora, era o fim de Glenda, teve sua malinha devolvida e saiu pelo portão gradeado dos fundos furiosa, batendo os sapatos no chão. No portão com os olhos marejados, a 'General' por dentro se desmontava, porque a ruivinha gostosa fizera aquilo, pensava.
Eugênia teve uma noite tão relaxante, como há muito não tinha, adeus ruivinha!
A 'General' passou a semana sorumbática, punindo todas por qualquer motivo e até sem motivo, sentia falta daqueles seios rosados da sua pupila. Eugênia estava por um fio de paciência com aquela mulher, precisava se livrar dela também, mas, como?
Bem cedo, Eugênia fez seus afazeres primeiros, antes mesmo que as outras acordassem. Ainda de camisola foi ao quarto da 'General' que roncava e dormia profundamente. Na ponta dos pés se instalou ao pé da cama, suspendeu a veste deixando as pernas expostas, amarrou uma fronha nos pulsos e começou a gritar muito alto e de forma desesperada, se debatendo...Socorro! Socorro! Socorro!
A 'General' pulou assustada da cama, tropeçando em Eugênia, fazendo um estrondo danado, atraindo as internas, a Diretora e funcionárias. Ficou óbvio na cena que Eugênia estava sendo bulinada pela mulher imensa, tamanho seu desespero. Com a situação até a própria assistente contou o que acontecia entre a Glenda ruiva e a mulher. A Diretora expulsou Helga, este era o nome da 'General', sem paga ou referência, tantos absurdos acontecendo nos últmos tempos, pensou a Diretora, precisava benzer o lugar. Foi tomar as providências quanto a isso, deixando a assistente de Helga no comando da instituição. A 'pobre' Eugênia chorosa, por dentro gargalhava, se atrizes fossem moças de família ela poderia entrar para alguma troupe.
Três dias depois, a antiga assistente de Helga informa a todas que o Padre Joseph chegaria às duas horas da tarde, todas deveriam estar impecavelmente vestidas e penteadas de pé ao lado de suas camas. O que aconteceu depois, ninguém no reformatório poderia imaginar.
O velho Padre Joseph, chegou, lanchou regiamente com a Diretora, depois foi benzendo cada ambiente até chegar ao alojamento de Eugênia. Assim que passou seus olhos pelas internas e se deparou com o rosto de Eugênia, com um grito rouco saindo de sua garganta ...Você, Você, Você Morreu!!! E desfaleceu, foi um alvoroço de água fria, abanos e um líquido de cheiro forte. Todo mundo achando que o velho padre surtara. O que ninguém ali sabia, é que o velho padre era o confessor da mãe de Eugênia e estivera em 'seu enterro'.
Eugênia também correu para acudir o padre, pois não só o conhecia, como o tinha como uma pessoa muito querida, claro que saber notícias de sua mãe era muito importante para ela, custou para o padre voltar a si. Voltou e se benzeu olhando dentro do olhos de Eugênia, pareceu a todas que ele via um fantasma ao invés da moça...para ele, ela era mesmo um...
A Diretora resolveu levá-lo para a sua sala, talvez lá ele se sentisse mais tranquilo, longe das vistas da moça e explicasse o que aconteceu, a resposta assustou a Diretora, então, Lorde Byron renegara a filha e forjara seu enterro, pobre moça, só lhe restava mesmo o convento, melhor enviá-la logo para lá. A Diretora não pretendia informar isso para Eugenia, seus pais já haviam planejado esse destino para ela, mas, a simulação de sua morte era novidade.
Nos dez minutos livres, a antiga assistente de Helga chama Eugênia no corredor, perguntando quanto valeria uma informação sobre seu futuro. Eugenia só tinha o cordãozinho com a foto de sua mãe, como a curiosidade era enorme, se desfaz da joia e a mulher lhe conta em detalhes, a conversa do padre com a Diretora e seu rápido envio ao Convento das Mercês, Eugênia se decepcionou profundamente, então, a ficha caiu aí se desesperou.
Eugênia correu desabalada, conseguiu pular um muro mais baixo nos fundos do reformatório, seguiu pela rua sem pensar, só correndo, correndo com as lágrimas queimando seu olhos, de repente vê um cabriolé pequeno com o cavalo atrelado e sem cocheiro, subiu e arrancou chicoteando o cavalo que empinou e partiu em galope acelerado. Eugênia só queria ir para bem longe, seguia sem direção, assustando muita gente em sua passagem. Próxima ao Bosque dos Cravos, o cavalo já estava extenuado e não conseguiu desviar de um muro, se chocou lançando Eugênia violentamente ao chão , rachando sua cabeça, desta vez ela realmente morreu. Ninguém procurou seu corpo, foi enterrada sem nome, terminando assim a sua pequena história de vida.
Sua essência rebelde porém, vaga pelo universo, de vez em quando aparecendo como um vulto ruivo para Helga, lhe provocando calores que quase a fazem desfalecer. Chega num violento orgasmo, causando suores e espasmos, como se um grupo de homens abusassem de todos os seus orifícios dezenas de vezes. Por vezes noturnas tortura Glenda, a nova atração de uma das casas de seu próprio pai, surge etérea e rindo nas horas mais impróprias dos conluios sexuais, assustando a ruiva, apavora de tal maneira, que sem conseguir satisfazer os desejos ousados de seus clientes, acaba perdendo o programa, fazendo seu pai perder dinheiro. Para todo lado que olha, vê Eugênia rindo, flutuando ao seu redor, muitas vezes surta e se pôe a gritar enloquecidamente. E aparece como uma sombra gelada delineada por um indefectível chapéuzinho preto, trajando um vestido negro sem crinolina, junto ao seu velho pai. O que tem minado sua saúde de tal forma, que a debilidade já se aproxima, cada dia mais, abandona as reuniões de negócios, já perdeu muitos aliados, alguns de seus amigos já imaginam sua falência, e vão se afastando dele cada vez mais. Sua mãe o abandonou há anos, não suportando não ter a filha por perto, pegou seus bens mais preciosos e suas joias, doou tudo para o Convento das Mercês e se mudou para lá, com o passar do tempo se tornou uma freira do convento, Eugênia, como um suspiro, muitas vezes passa por lá e vela seu sagrado sono, sem nunca aparecer para ela. Seu forjado túmulo só recebe em sua data de aniversário, a visita de sua amiga Linety acompanhada de uma criada, é simplrsmente uma visita simbólica, pois bem sabe que Eugênia não está lá, é apenas uma forma de homenagear sua amiga desaparecida e aplacar a saudade.
*Imagens - Fonte - Google
(Era Vitoriana, ficção, inspiração baseada no período histórico indicado)
Quando Eugênia apareceu na casa de chá para encontrar com sua amiga Linety, desacompanhada, com aquele indefectível chapéuzinho negro e com um vestido escuro sem a insuportável, mas, imprescindível crinolina, as faces ruborizaram e os homens curiosos olharam de solslaio, a própria Linety abriu a boca e arregalou os olhos de tensão, pensou
- Eugênia enlouqueceu, que falta de decoro, sua acompanhante escondeu com a mãozinha enluvada, um sorriso discreto, Eugênia, com certeza gostava de chamar a atenção e principalmente, desafiar seus próprios pais, só que desta feita, aquela atitute teria sérias consequências, seus pais não iriam perdoar este vexame social e afronta por parte de sua rebelde filha.
Os donos da casa de chá, só pediram ao garçom que ela fosse servida, pois seus pais eram muito bem posicionados e a deferência se fazia necessária, que vergonha, uma moça de família com as ancas delineadas por falta da crinolina. Eugênia risonha sorveu seu chá calmamente, se divertindo com a comoção que provocara, as coisas em outros países estavam muito mais modernas, só ali na Inglaterra as regras de conduta, mantinham a severa tradição, apesar dos esforços apaixonados e pacíficos da Rainha Vitória e seus aliados progressistas, Eugênia já estava cansada de tantos corpetes apertados, tantos laços, sobriedade e desconforto.
Uma carruagem luxuosa chega à porta da casa de chá e o ar fica em suspenso. Lorde Byron, pai de Eugênia entra, deita moedas no balcão e sai arrastando a filha sem uma palavra sequer, mas, seus globos oculares estavam vermelhos de ódio e decepção, Linety já via sua amiga numa clausura de convento ou pior, num rígido reformatório. Ah! Eugênia desta vez você não terá perdão.
Lorde Byron, impediu que a filha lhe dirigisse a palavra, então, Eugênia percebeu que seu gesto intempestuoso lhe sairia muito caro, logo agora que o melhor baile da cidade aconteceria, já tinha muitos planos para a data.
Assim que chegaram em casa,, sua mãe a esperava na porta com duas criadas e o velho mordomo...e uma...das suas malas, a menor...ai, ai, ai, Eugênia começou a ter calafrios, para onde iriam, pior ainda, para onde a enviariam?
Lorde Byron lhe disse em voz baixa e dura, despeça-se de sua mãe. Ela correu e se jogou nos braços da mãe aos prantos, que obediente abençoou a filha e se afastando dela, lhe disse friamente
- Vá, você me envergonhou, ultrapassou todos os limites da compostura, agora assuma seus próprios erros.
Gelada e trôpega Eugênia entrou na carruagem, seguiram por quase uma tarde inteira e ao pararem defronte aos gradeados portões do Reformatório Feminino Central, a filha rebelde do Lorde desmaiou, a fama daquele lugar mitigou sua irreverência.
Acordou com um cheiro forte nas narinas, tossiu e viu à sua frente, uma senhora trajando uniforme fechado de tecido grosseiro, como os das fardas dos militares, com o semblante rígido e cabelos castanhos firmementes presos a um coque, sua voz dura vibrou forte nos ouvidos delicados de Eugênia
- Levante-se, seus dias de glória acabaram, aqui será devidamente reeducada.
Eugênia teve suas roupas confiscadas, recebeu um uniforme esverdeado extremamete sóbrio de corte militar, teria que manter os cabelos presos num coque severo, sem joias os acessórios, só lhe foi permitido manter um cordãozinho de ouro com a medalhinha com o rosto de sua mãe. Sua rotina seria igual todas as manhãs, acordar, arrumar sua cama, fazer a sua higiene pessoal, café da manhã, aulas de etiqueta, bordado, comando de uma casa, almoço, línguas, poesia e costura, jantar, orações, dez minutos livres para pensar, apagar a luz e dormir em seu colchão duro, para Eugênia parecia um catre, conversas entre as moças só eram permitidas sob supervisão da 'General' ou sua assistente, tão 'doce e gentil' como a sua chefe. Os castigos por desvios de conduta eram terríveis, mas, nunca teria imaginado o quão realmente eram.
Passados quinze dias, já acostumada ao silêncio do reformatório, acreditou que um pequeno deslise não teria consequências e roubou um doce a mais na hora do almoço, escondendo sob o uniforme, para comer ao apagar das luzes, mas, foi descoberta ou delatada, pois havia uma ruiva de nome Glenda, que recebia certos agrados da 'General' que a observava furtivamente. Foi tirada da cama aos berros, despida e colocada numa tina enorme, com água absurdamente gelada e teve que ficar ali por algumas horas, quando já estava arroxeada e com falta de ar, lhe deram um chá quente e amargo, uma toalha áspera e a levaram para um quarto isolado até a manhã seguinte, quando acordou ardendendo em febre. A única coisa que a 'General' fez, foi lhe perguntar
- O doce valeu a pena?
Volte já para o seu quarto e desça depois de cumprir as suas obrigações, a diretora a espera depois do café da manhã. Eugênia arrastou sua febre, enrolada na áspera toalha ainda molhada pelo corredor inóspito, não tinha forças para nada, mas, por mais absurdo que se possa supor, não sentia arrependimento, apenas raiva e em seu pensamento só vinha a imagem da ruiva
- Ah! se tiver sido ela...
Glenda era uma moça bonita, sonsa e silenciosa, mas, extremamente ambiciosa, filha de um abastado comerciante, de coisas escusas na verdade, mas, para a sociedade em geral, prazer pago por mercadoria quente e viva nas surdina de suas alcovas de encontros sexuais, silêncio era de muito valor, então, era muito bem quisto pelos poderosos e por suas esposas obedientes e submissas era como se aqueles lugares não existissem. Glenda não se sentia bem junto aos seus pais, aprontou de tudo para se livrar deles, enfim foi parar no reformatório e garimpava algumas vantagens oferecendo seu corpo para as carícias da 'General". Quando viu os olhares de cobiça dela sobre Eugênia em sua chegada, a moça virou a bola da vez para seu escárnio e diversão, não iria perder suas vantagens por uma mocinha mimada, logo na primeira chance delatou sua infração...docinho caro aquele...
No mundo lá fora, no afastado Cemitério do Pretos, duas famílias, a do Lorde Byron e a de Linety, sepultavam a fujona Eugênia, foi uma tristeza saber que a moça rebelde tentando fugir da punição de seu pai, tenha caído no bosque quebrando o pescoço. Lorde Byron contando com a amizade e confiança da família de Linety, divulgou 'consternado' essa notícia aos seus pares. Não pretendia ver Eugenia nunca mais, do Reformatório para o Convento das Mercês seria seu destino, ela assim escolhera com sua conduta vergonhosa e insolente.
Ao chegar a sala da Diretora, Eugênia se surpreendeu, ela era baixinha com jeitinho de avó, aparentemente serena, mas, sua voz firme impunha respeito, lhe passou um sermão duríssimo, mostrando suas falhas e avisando que novas infrações seriam ainda mais duramente punidas. Não dando permissão para que Eugeênia falasse, a mandou para a enfermaria onde lhe deram um novo chá amargo e umas gotas de um elixir. Continuando a sua rotina diária, exceção feita, na janta lhe deram uma sopa de legumes com muita carne, outro chá amargo e mais elixir, no dia seguinte já se sentia recuperada. Glenda passou por ela falando baixinho, castigo fraquinho esse não? Eugênia tinha faíscas nos olhos...essa ruiva safada ia pagar caro...
Quatro semanas insuportáveis depois, Eugênia se queixa para a "General' que sua correntinha sumira, fez isso num chororô inconsolável, alguém fez chegar a situação aos ouvidos da Diretora que logo foi investigar a situação, roubo ali era punido com expulsão, sem sequer um aviso para a família, a rua era o último degrau para a decadência. A Diretora mandou vasculhar cada canto dos alojamentos, depois de tudo revirado, faltava apenas o alojamento da 'General' e o quarto de Glenda, qual não foi a surpresa da Diretora ao encontrar sob o colchão da ruiva o bendito cordãozinho de Eugenia, o rubor de ódio de Glenda fez com que todos entendessem o colorido deslocado como o vermelho da culpa, assim também interpretado pela Diretora, era o fim de Glenda, teve sua malinha devolvida e saiu pelo portão gradeado dos fundos furiosa, batendo os sapatos no chão. No portão com os olhos marejados, a 'General' por dentro se desmontava, porque a ruivinha gostosa fizera aquilo, pensava.
Eugênia teve uma noite tão relaxante, como há muito não tinha, adeus ruivinha!
A 'General' passou a semana sorumbática, punindo todas por qualquer motivo e até sem motivo, sentia falta daqueles seios rosados da sua pupila. Eugênia estava por um fio de paciência com aquela mulher, precisava se livrar dela também, mas, como?
Bem cedo, Eugênia fez seus afazeres primeiros, antes mesmo que as outras acordassem. Ainda de camisola foi ao quarto da 'General' que roncava e dormia profundamente. Na ponta dos pés se instalou ao pé da cama, suspendeu a veste deixando as pernas expostas, amarrou uma fronha nos pulsos e começou a gritar muito alto e de forma desesperada, se debatendo...Socorro! Socorro! Socorro!
A 'General' pulou assustada da cama, tropeçando em Eugênia, fazendo um estrondo danado, atraindo as internas, a Diretora e funcionárias. Ficou óbvio na cena que Eugênia estava sendo bulinada pela mulher imensa, tamanho seu desespero. Com a situação até a própria assistente contou o que acontecia entre a Glenda ruiva e a mulher. A Diretora expulsou Helga, este era o nome da 'General', sem paga ou referência, tantos absurdos acontecendo nos últmos tempos, pensou a Diretora, precisava benzer o lugar. Foi tomar as providências quanto a isso, deixando a assistente de Helga no comando da instituição. A 'pobre' Eugênia chorosa, por dentro gargalhava, se atrizes fossem moças de família ela poderia entrar para alguma troupe.
Três dias depois, a antiga assistente de Helga informa a todas que o Padre Joseph chegaria às duas horas da tarde, todas deveriam estar impecavelmente vestidas e penteadas de pé ao lado de suas camas. O que aconteceu depois, ninguém no reformatório poderia imaginar.
O velho Padre Joseph, chegou, lanchou regiamente com a Diretora, depois foi benzendo cada ambiente até chegar ao alojamento de Eugênia. Assim que passou seus olhos pelas internas e se deparou com o rosto de Eugênia, com um grito rouco saindo de sua garganta ...Você, Você, Você Morreu!!! E desfaleceu, foi um alvoroço de água fria, abanos e um líquido de cheiro forte. Todo mundo achando que o velho padre surtara. O que ninguém ali sabia, é que o velho padre era o confessor da mãe de Eugênia e estivera em 'seu enterro'.
Eugênia também correu para acudir o padre, pois não só o conhecia, como o tinha como uma pessoa muito querida, claro que saber notícias de sua mãe era muito importante para ela, custou para o padre voltar a si. Voltou e se benzeu olhando dentro do olhos de Eugênia, pareceu a todas que ele via um fantasma ao invés da moça...para ele, ela era mesmo um...
A Diretora resolveu levá-lo para a sua sala, talvez lá ele se sentisse mais tranquilo, longe das vistas da moça e explicasse o que aconteceu, a resposta assustou a Diretora, então, Lorde Byron renegara a filha e forjara seu enterro, pobre moça, só lhe restava mesmo o convento, melhor enviá-la logo para lá. A Diretora não pretendia informar isso para Eugenia, seus pais já haviam planejado esse destino para ela, mas, a simulação de sua morte era novidade.
Nos dez minutos livres, a antiga assistente de Helga chama Eugênia no corredor, perguntando quanto valeria uma informação sobre seu futuro. Eugenia só tinha o cordãozinho com a foto de sua mãe, como a curiosidade era enorme, se desfaz da joia e a mulher lhe conta em detalhes, a conversa do padre com a Diretora e seu rápido envio ao Convento das Mercês, Eugênia se decepcionou profundamente, então, a ficha caiu aí se desesperou.
Eugênia correu desabalada, conseguiu pular um muro mais baixo nos fundos do reformatório, seguiu pela rua sem pensar, só correndo, correndo com as lágrimas queimando seu olhos, de repente vê um cabriolé pequeno com o cavalo atrelado e sem cocheiro, subiu e arrancou chicoteando o cavalo que empinou e partiu em galope acelerado. Eugênia só queria ir para bem longe, seguia sem direção, assustando muita gente em sua passagem. Próxima ao Bosque dos Cravos, o cavalo já estava extenuado e não conseguiu desviar de um muro, se chocou lançando Eugênia violentamente ao chão , rachando sua cabeça, desta vez ela realmente morreu. Ninguém procurou seu corpo, foi enterrada sem nome, terminando assim a sua pequena história de vida.
Sua essência rebelde porém, vaga pelo universo, de vez em quando aparecendo como um vulto ruivo para Helga, lhe provocando calores que quase a fazem desfalecer. Chega num violento orgasmo, causando suores e espasmos, como se um grupo de homens abusassem de todos os seus orifícios dezenas de vezes. Por vezes noturnas tortura Glenda, a nova atração de uma das casas de seu próprio pai, surge etérea e rindo nas horas mais impróprias dos conluios sexuais, assustando a ruiva, apavora de tal maneira, que sem conseguir satisfazer os desejos ousados de seus clientes, acaba perdendo o programa, fazendo seu pai perder dinheiro. Para todo lado que olha, vê Eugênia rindo, flutuando ao seu redor, muitas vezes surta e se pôe a gritar enloquecidamente. E aparece como uma sombra gelada delineada por um indefectível chapéuzinho preto, trajando um vestido negro sem crinolina, junto ao seu velho pai. O que tem minado sua saúde de tal forma, que a debilidade já se aproxima, cada dia mais, abandona as reuniões de negócios, já perdeu muitos aliados, alguns de seus amigos já imaginam sua falência, e vão se afastando dele cada vez mais. Sua mãe o abandonou há anos, não suportando não ter a filha por perto, pegou seus bens mais preciosos e suas joias, doou tudo para o Convento das Mercês e se mudou para lá, com o passar do tempo se tornou uma freira do convento, Eugênia, como um suspiro, muitas vezes passa por lá e vela seu sagrado sono, sem nunca aparecer para ela. Seu forjado túmulo só recebe em sua data de aniversário, a visita de sua amiga Linety acompanhada de uma criada, é simplrsmente uma visita simbólica, pois bem sabe que Eugênia não está lá, é apenas uma forma de homenagear sua amiga desaparecida e aplacar a saudade.
*Imagens - Fonte - Google
(Era Vitoriana, ficção, inspiração baseada no período histórico indicado)