Seven Years Alone

Na vista da janela, o lugar e a pessoa que ele mais amava estavam ficando para trás. Aquilo o consumia, sua vida estava se tornando escuridão, era o que sentia. Pressionando a cabeça com as mãos, ele se ajoelha e chora. Subvertendo a sua natureza, a dor, a perda e a raiva se confundiam num único conceito. Após enxugar os olhos, Borba percebe uma barra de ferro, como se fosse deixada ali de propósito, ele a pega e a arremessa, com toda a sua força, contra as vidraças e os castiçais e num surto de raiva ele sai quebrando tudo o que ele vê pela frente, era tanto vidro quebrado que havia cortes no seu rosto. De repente ele para, respiração ofegante, o sangue escorria pelo rosto, com os olhos fixos, ele olhava por uma das janelas e o via ficando distante de si mesmo. De longe, no escuro, alguém o observava junto ao lobo, no fim do corredor, que andava de um lado para outro. Uma fera presa, acorrentada, mas ainda sim, cruel.

Ele não podia ver, mas podia sentir algo mais, além do animal. Enfurecido, ele pergunta: por que você não mostra o seu rosto? O que diabos você quer de mim? Silêncio tido como resposta, no mais, somente o som das ondas lá fora... Transtornado pela dor, ele arremessa a barra de ferro em direção aonde ele julgava estar quem o observava. Ele ouve apenas o som do ferro encontrando a parede, em seguida, os olhos do lobo somem na escuridão.

Uma porta se abre, à meia luz, iluminadas estavam as correntes que prendiam o animal. Um homem vem em sua direção, 40 anos presumíveis, mãos calejadas, olhos fundos, uma palidez incomum, cinzenta e encardida. Era assustador, mas ele transmitia segurança para Borba, o qual não saía da janela, com um olhar perdido em direção ao alto mar. O homem se junta a ele e divide a tristeza em dois. Assim, os dois olhavam juntos para o mesmo quadro lá fora.

O homem cinzento resolve falar: não vai ser fácil, não é fácil pra ninguém. Mas o navio precisa de um Capitão, ele vaga sem rumo, mas não sem direção. Uma embarcação errante, talvez de origem desconhecida, que navega entre os limites desse mundo levando tudo o que for de ruim e o que for de bom, rotas perdidas, ilhas isoladas, coisas estranhas virão. Você pode encontrar alguém que o substitua, mas ele pagará o preço, alguém tem que pagar. O navio precisa continuar, uns o chamam de morte, outros de destino, eu o chamo de Tortuga, como no letreiro. Lembre-se, o navio precisa de um Capitão. E o homem cinzento desaparece em cinzas levadas pelo vento.

Durante anos Borba esteve preso àquele navio, vagando por lugares desconhecidos, às vezes lugares belíssimos, ilhas e litorais afastados da civilização, outros, mórbidos e insólitos. Podiam-se ouvir vozes vindo de dentro dos aposentos ao longo dos corredores, pessoas revivendo momentos de suas vidas, almas atormentadas que não encontravam o seu lugar. Era um ambiente espaçoso, silencioso, triste, solitário. Borba havia se tornado um homem frio. Esse tipo de vida consome você, você se acostuma e torna-se parte da história. A palidez do clima sempre frio já lhe cobria e em nada se parecia com o Borba de antes. Por noites sonhava com Sofia e a volta para casa, o seu lugar, o descanso merecido.

O navio se aproximava da próxima parada, ninguém sabia ao certo os rumos e o destino do navio. No horizonte, uma praia à vista, algumas barraquinhas feitas de madeira e palha e coqueiros espalhados ao longo do calçadão. Borba prendeu a respiração do susto que levou. Não pode ser!!! Ele pensou. Era o seu lugar, estava de volta. Era a sua chance. Já era noite e se Borba não encontrasse um sucessor, ele seguiria por mais outros longos anos a bordo daquela coisa e sabe lá quando voltaria. Borba ordena que a tripulação vá em busca de um substituto. Ele não tinha opção, sabia que destruiria a vida de outra pessoa.

Borba espera os homens na praia, quando, de repente, a tripulação aparece trazendo um homem à força com um saco na cabeça. Uma confusão se forma, muita gritaria e porrada pra todo lado, o sujeito se debatia e atacava de qualquer forma os tripulantes que revidavam com várias pancadas, até que ele cai desacordado. Borba assiste tudo aquilo, já sentindo a dor da próxima história que viria, e ordena que o levem. De longe, ele admira uma última vez o grande navio, parado no horizonte, e várias lembranças vêm a sua mente como um turbilhão, cada rosto, cada lugar, o homem cinzento, tudo. Subitamente, ele é agradecido com um lindo clarão esverdeado que ilumina o céu e o navio seguiu o seu destino desconhecido outra vez.

Borba decide passar na casa da sua mãe, Linda, por ser próxima à praia. Chegando lá, ele se assusta ao ver as luzes acesas e o portão aberto, o que era estranho, pois já era tarde da noite. Ao entrar, ele encontra Linda e Sofia em estado de choque na mesa da cozinha. Elas se assustam e se arrepiam ao vê-lo, sua mãe estava tão nervosa que não conseguia falar. Apesar dos traços sombrios causados pela palidez cinzenta, elas o reconheceram. E num forte abraço ele as envolveu. Preocupado, ele pergunta: O que aconteceu? Por que vocês estão assim? Sofia responde: Levaram o Cris!!! Levaram o Cris!!!

Com sua namorada e sua mãe em seus braços, ele ergue a cabeça e olha para longe, com aquele mesmo olhar de antes, perdido, distante... Ele percebeu o que havia feito. E mais uma vez, no fim, seus olhos lacrimejaram.

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NOTA: Conto inspirado na música Seven Years Alone da banda Devil You Know, hoje conhecida como Light The Torch.