Inquisição

Analfabeto, nunca leu um jornal ou assistiu TV, mas é o homem mais respeitado e temido naquela localidade perdida no meio da Amazônia.

É líder de uma seita que criou e comanda com mãos de ferro: “Só assim se agrada a Deus!”. Tudo no pequeno vilarejo passa por ele, de finanças a vida pessoal.

É o médico, o delegado e o juiz. Acima de tudo, o líder religioso. Sempre deixou claro que é dono de corpos e almas. Quanto aos corpos, prefere os femininos.

Entre suas preferidas está Alaíde, que ultimamente o vem atormentando com insistentes pedidos para deixar a comunidade e ir se tratar com um médico da capital.

Ele já tentou todos seus milagrosos métodos de cura, de chás ao ritual de exorcismo. Nada funcionou.

Ela continuava se queixando do sono interrompido muitas vezes e de acordar pela manhã com terríveis dores de cabeça.

Como não podia fazer mais nada pela moça, teve de ceder e autorizar sua saída.

Após duas semanas estava de volta, cheia de novidades da cidade grande. Logo que desembarcou foi prestar contas ao seu líder.

Explicou como foi a consulta e tudo que o médico lhe disse. Contou ainda que o doutor se comprometeu em trazer o aparelho que ela teria de usar na boca para dormir.

Quando lhe perguntou que aparelho era esse e para que servia, não soube explicar mas garantiu que estava tudo detalhado nos papéis.

Curioso, mandou chamar Doralice.

Era a única mulher que sabia ler. Ela começou a juntar as letras, demorou mais de hora até chegar ao diagnóstico: bruxismo.

Alaíde terminou seu dia amarrada em uma estaca e queimada viva para a glória de Nosso Senhor.