Do lado da morte

Não sabia por aquilo acontecia, mas simplesmente acontecia. João Torreão desde pequeno presenciava pessoas morrerem do seu lado. Seu avô paterno morreu de rompimento de um aneurisma cerebral enquanto brincava de jogar bola com João de apenas 8 anos de idade. Um ano depois, a avó paterna de João morreu de um ataque cardíaco fulminante enquanto jogava sueca (um jogo de baralho) com ele. Já adolescente, João viu seus amigos, Rodolfo e Jandira morrerem num trágico acidente automobilístico, que ele escapou por milagre. Já adulto, o analista de sistemas, João Torreão, presenciou a morte de uma mulher que viajava ao seu lado num voo para Floripa. Era um fenômeno inexplicável. Parecia que as pessoas escolhiam morrer do lado de João, o porquê ele não sabia.

Após este fenômeno se repetir indefinidamente na vida de João Torreão, a conselho de sua namorada, Duda, ele decidiu procurar um especialista em regressão de vidas passadas, apesar de não acreditar que isto fosse resolver “seu problema”, já que era agnóstico.

Doutor Décio recebeu João com um sorriso em seu consultório.

―Ora, ora, ora! O filho de José Torreão. É um prazer receber o filho de meu amigo de infância no meu humilde consultório…

João deu um sorriso amarelo. Não sabia que o doutor conhecia seu pai, mas isto era um bom sinal. Pelo menos parecia.

― Então, João, conte-me o seu problema para que eu possa ajudá-lo…

― Doutor, eu não sei o porquê, mas mais de uma dezena de pessoas já morreram na minha presença e eu não aguento mais isto! Eu sofro muito. Sinto um sentimento de culpa e impotência por não poder fazer nada. Ver uma existência se apagar é muito triste…

― É verdade. Eu entendo você. Vamos fazer a terapia de regressão de vidas passadas para buscar a causa deste fenômeno.

O senhor idoso de barba e bigode brancos como os de Papai Noel pede que João fixe seu olhar num pêndulo. Após alguns minutos, João está hipnotizado.

― O que você vê, João?

― Eu vejo uma casa, mas não é a minha. Crianças correm no quintal. Uma mulher as chama para almoçar. Neste ínterim, um homem alto e magro aparece. Ele leva vários tiros de um homem vestido todo de preto…

― Quem é você nesta cena, João? Quem é você?

― Ah! Ah! Ah! ― grita João, acordando do transe hipnótico suando frio e com o coração batendo a mil.

Doutor Décio suspende a sessão e marca outra para o dia seguinte, às nove horas da manhã. João Torreão agradece e vai para casa. O pesadelo estava apenas começando…

O analista de sistemas acorda no meio da noite. Teve um pesadelo, mas não se lembra dele. Toma um pouco de água e tenta dormir. Não consegue. Fica vendo televisão até as sete horas da manhã. O filme que passava na TV, e que João viu até o final, tem algo a ver com o que está acontecendo em sua vida: “A Hora do Pesadelo”, filme em que o vilão, Freddy Krueger mata pessoas durante seus sonhos (ou pesadelos). Mas as pessoas que morriam, no pesadelo em que se transformou a vida de João, não eram personagens de um filme: eram bem reais.

João Torreão chega meia hora antes da consulta. Na sala de atendimento, esfrega as mãos e pisca os olhos nervosamente. Finalmente chega a sua vez.

Doutor Décio desta vez não o recebe com um sorriso, mas com uma cara de preocupação. O especialista em regressão de vidas passadas hipnotiza João e começa a regressão.

― Onde você está João? ― pergunta doutor Décio.

― Estou num parque de diversões.

― O que você vê?

― Vejo crianças se divertindo com seus pais e amigos. Vejo… vejo... Um homem com uma arma. Ele vai atirar!

― Continue, João! Não pare!

― Ele atira em um outro homem. O homem cai morto. A criança chora…

― Quem é você na cena, João?

― Eu sou o homem… que atirou!

Neste momento doutor Décio interrompe o transe de João Torreão e o acorda.

― João, o que tenho para lhe dizer não é nada bom. Em outra vida, você foi um assassino! As pessoas que morrem perto de você, provavelmente, são as pessoas que você matou em outra vida. Sua missão na Terra é fazer a transição delas para o outro mundo, o mundo dos espíritos. As pessoas vão continuar morrendo perto de você, porque este é seu carma. Aconselho que você procure este homem: Nicolau Sesns. Ele é espiritualista e vai ajudá-lo a suportar seu carma…

João agradece a “ajuda” do doutor e vai embora pensativo. “Eu era um assassino? Como pode? Nunca fiz mal para uma mosca!”. Naquele dia, João não foi para casa. Foi para um bar.

Bebeu até cair. Voltou para casa com a ajuda de um taxista que se compadeceu de sua situação.

Na cama, logo adormeceu e começou a sonhar. No sonho, João estava num parque de diversões. Brincava alegremente com seu Agenor, seu pai. De repente, um homem vestido todo de preto chega e atira diversas vezes em seu pai. João chora. Seu pai está morto. Vinte anos depois, o homem que atirou em seu pai está num parque de diversões brincando com seu filho. Desta vez é João Torreão quem atira! O assassino de seu pai tomba morto no chão. João vai embora. Sente-se vingado. João Torreão não acorda do sonho. Ele já cumpriu sua missão na Terra. Agora resta-lhe esperar o julgamento de Deus que é duro, mas sempre justo…

FIM

Luciano RF
Enviado por Luciano RF em 17/11/2018
Código do texto: T6504873
Classificação de conteúdo: seguro