O Homem Podre

As feridas abertas cobrem o corpo do homem sujo. Ele está trancado em casa, no conforto de seu mundo miserável, em meio as suas bagunças e coisas que deixou de amar...

Revira a gaveta buscando alguma coisa. Está confuso demais para pensar em outra solução... O corpo arde, ele se volta ao espelho retangular, enquanto sua mão em carne viva preenche o cano de sua Colt. 45.

— Não há mais motivo para viver - Ele pensa transtornado.

Caminha a passos curtos em direção ao banheiro mal cuidado; as paredes sujas de lodo parecem sorrir diabolicamente para ele, testemunhas de toda sua desgraça, que parecem se encantar com seu desespero.

Para de frente ao espelho, assistindo seu rosto coberto de úlceras vermelhas revoltantes. Suas veias se arrebentam sozinhas, seus lábios não mais existem... Sua pele frouxa ameaça apodrecer a cada minuto, vibrando e exalando um odor que ha muit tempo impreguina sua residencia.

Ele levanta a pistola com dificuldade, encostando-a na testa ao se encarar no espelho do banheiro, como se fosse uma despedida de toda aquela agonia...

Marcelo não agüenta mais olhar para seu corpo desfigurado coberto de mucosas putrefatas da doença que seu médico revelou ser incurável. Seu corpo se cobria com excesso de pêlos feito um animal. O inchaço em sua pele também era revoltante.

A arma estala...

... Mas falha!

A dor só aumenta.

Ele ousa em mais uma tentativa. Dessa vez, o som frio do disparo ecoa pela casa suja.

O tiro pareceu certeiro, exatamente na têmpora direita de seu rosto – se é que poderia chamar aquilo de rosto. Desde o dia em que seu médico, Dr. Jarbas, lhe disse que a sua doença era inevitável, ele já havia perdido as esperanças. Marcelo não poderia mais se expor a luz solar. Já havia perdido muitos amigos por isso, inclusive sua mulher, que lhe disserá na ocasião antes de sair de casa:

— Eu não suporto mais morar ao lado de um monstro.

Daquele determinado momento em diante, as coisas só passaram a piorar. Muitas pessoas já começavam a dizer que Marcelo não saía de casa em dias de sol porque havia se tornado, de uma maneira ou de outra, um vampiro decadente – um tipo de doença relacionada a sofrer calado distante da sociedade.

O projétil varou além do cômodo da casa velha em alto e bom som...

A vizinha bonita que lavava roupa escutou o som seco do disparo e seu coração acelerou...

Ela deixou tudo o que estava fazendo e caminhou rumo ao local do som... A mão tremula abriu com dificuldades a porta, fazendo o cheiro de podridão dominar suas narinas.

A vizinha, inquieta e curiosa, adentrou na casa de Marcelo.

O coração vivo acelerou a cada cômodo que invadia, até chegar ao banheiro e encontrar o corpo que tremia, agonizando ao tiro mal dado.

O tiro não tinha pegado em cheio, mas foi o suficiente para Marcelo perder completamente a parte direita de seu rosto... Ela o viu coberto de sangue quente escorrendo pelo chão, com o único olho bom que agora possuía, ele encarou a moça que entrará em sua casa e conseguiu dizer cinco palavras a ela:

— Acabe com isso, por favor...

Maria se ajoelhou a sua frente, sem acreditar no que via. Na verdade, ela estava olhando mais para a pele toda descascada do corpo de Marcelo, do que propriamente para as migalhas da outra metade da cabeça estourada.

— Acabe com isso, porrr favorrr! – Seu corpo começou a adquirir espasmos no chão.

Repentinamente, o agonizante levanta um pouco os ombros e segura o pulso de Maria.

— Por favor, acabe com meu sofrimento!

— Não posso! – Ela indaga com as mãos trêmulas.

No entanto, ela olha para o revólver caído no chão ao lado. Seria uma misericórdia matá-lo àquela hora? Ou era melhor chamar uma ambulância?

— Que se dane – Diz ela dominando a Colt 45

De repente, a idéia não mais lhe era tão sedutora... Ela sente isto... Mas ignora... Segura a arma com afinco... E dispara!

A fumaça vaza do cano quente...

Um sorriso leve brota de seu rosto, parece satisfação? Ou seria alivio?

Parece estar feliz. Com medo, mas feliz...

Ela esconde a Colt 45 em sua penteadeira... O próximo passo seria enterrá-lo, para que ninguém pudesse encontrar aquele corpo destruído. Assim sendo, a moça o arrastou pelas mãos até o quintal de terra macia de sua casa... Teria muito trabalho pela frente.

Pegou a velha pá do jardim, demorou praticamente a noite inteira para concluir o que havia começado. O suor em seu rosto era imenso, as mãos marcadas de terra era visível, pensou em se lavar e tirar o cheiro do cadaver podre das costas...

Como contragosto, Deus não lançou nenhuma lua ao redor daquele céu negro feito a morte.

Suas mãos estavam imundas pela terra molhada. Ela corre até a torneira da pia e se lava, sentindo o sangue escorrer por entre os dedos... Lava com sofreguidão, mas sente um ferimento novo que lhe invade a carne...

Ela estranha... O ferimento novo fede...

Os dias seguem e a moça está trancada em casa. A sua pele começa a sofrer de gangrena, ela se vê governada pela doença que pegou de Marcelo...

Tenta pensar e corre a gaveta da penteadeira, onde escondeu a arma.

Revira tudo e finalmente a encontra... Chora e levanta a arma na testa, pedindo perdão a Deus.

Dispara...

A arma falha.

Ela chora diante o fracasso.

O vento lá fora predomina.

Sente um cheiro ainda mais forte cobrir a casa... E, naquele instante, surge Marcelo a sua frente... Todo podre e enlameado, cheio de terra, segurando a pá:

— Vim retribuir o favor – diz ele com dificuldade, enquanto pinga pedaços podres no chão sujo da casa da moça.

Ela fecha os olhos, joga a arma no chão e recebe o primeiro golpe da pá... ele é violento, lhe bate de novo e de novo... a mão da moça treme, ela agoniza e se entrega a doce e tão esperada morte...

Julio Cezar Dosan
Enviado por Julio Cezar Dosan em 19/07/2018
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