Horror no apartamento.(Esse conto é uma continuação de outro conto meu, o "Um chamado no meio da noite.)
A porta se abriu bruscamente, o apartamento está deserto. Um rapaz alto de cabelos castanhos e pele bronzeada fita perplexo o estado degradante da moradia de seu tio. Seu nome é José Henrique. Seu rosto possui um aspecto forte que geralmente não causa boas primeiras impressões. Seu tio é o renomado historiador Paulo Sanches, desde a sexta-feira passada ele não entra em contato com a sua família, fato que não é normal, pois sendo um solteirão convicto, Paulo era muito apegado à família, principalmente ao seu irmão Mateus Sanches, o pai de José.
Tio? O Senhor está aí? Disse José se esgueirando pelas sombras do apartamento, lá fora uma chuva forte despencava sua ira sobre a cidade. Os pés de José tocavam alguns móveis que estavam jogados no chão, cadeiras, uma mesa de vidro partida, muitos livros caídos. O senhor está me assustando tio, falou José observando um vulto de alguém agachado perto da porta do banheiro, ele deduziu que fosse seu tio.
Assim que o jovem deu mais um passo em direção a quem ele pensou que fosse seu tio, o vulto pulou em sua direção sacando um pedaço de vidro que estava em sua mão direita. José tentou se defender do golpe de seu agressor colocando seu braço esquerdo à frente da lâmina, por sorte o corte passou de raspão, em seguida José golpeou o nariz do invasor com um potente soco. Agora você vai ficar quieto seu desgraçado, chutando o caco de vidro para longe e imobilizando com uma chave de braço o estranho que estava à sua frente. Havia pouca luz dentro do apartamento, em alguns pontos era possível ver somente os contornos de alguns objetos, infelizmente para José era essa a situação do local em que ele estava, sendo assim uma curiosidade infernal o torturava, ele desejava saber quem era a pessoa com a qual ele havia acabado de lutar e que agora estava sendo imobilizada por seus braços.
O estranho fazia uma força desgraçada para escapar do domínio de José, este fazia mais força ainda para manter aquele vulto sobre controle. A chuva caía sobre a cidade indiferente à o embate de forças que estava acontecendo dentro daquele apartamento.
Pingos da chuva deslizavam pelas vidraças, pequenos clarões provocados por raios e relâmpagos iluminavam sutilmente o apartamento. Um desses clarões, foi o responsável por José vislumbrar rapidamente o seu agressor, angustiantes olhos azuis o fitavam, uma cabeleira loira caia sobre ombros delicados. José empurrou o estranho em direção a luz que havia perto da porta que conduzia a rua, para que ele pudesse observar a real forma do ser que havia invadido o apartamento de seu tio.
Com imenso horror, seus olhos contemplaram uma bela jovem nua, perto de seus seios ela possuía uma linda tatuagem de uma borboleta azul.
Porque você está assim? Gritou José, fazendo esforço para adquirir controle sobre a jovem novamente, ela grunhia e rosnava feito um animal, uma força descomunal emanava daquele corpo aparentemente frágil.
Acalme-se menina, não tem porquê você agir assim, eu não vou te machucar. Me conta aonde está o dono dessa casa, o que ocorreu aqui? Olhos azuis cadavéricos fitavam o rosto de José de forma indiferente. Era como se a garota não estivesse entendendo nada. Os músculos de seus braços se contorciam de maneira desesperada, ela lutava com todas suas forças para derrubar José. Por trás dos mundos, ele espreita. Foi a primeira frase com sentido que a boca da jovem produziu, seus olhos pareciam que iam sair de seu crânio, olhos cadavéricos, era como se ela tivesse vislumbrado os corredores da loucura e agora suas órbitas estavam pagando o preço, por terem visto o inimaginável.
Alguns psicanalistas dizem que a mente humana foi projetada para processar de forma consciente apenas uma certa quantidade de verdade, geralmente uma quantidade bem pequena. É esta a função do inconsciente humano, ele abriga toda a verdade que não somos capazes de suportar. A jovem que estava sobre o domínio de José, parecia ter navegado nas profundezas de seu inconsciente, e por algum profano milagre, ela foi capaz de retornar consciente de mais do que ela deveria saber.
Por trás dos mundos ele espreita, por trás dos mundos ele espreita, por trás dos mundos ele espreita. Tudo bem menina, eu já entendi, “por trás dos mundos ele espreita” está tudo bem. Disse José tentando acalmar a jovem. Mentira! Você não entendeu nada, se tivesse entendido não iria falar que está tudo bem! Vociferou a jovem, demonstrando estar mais lúcida do que parecia.
Calma dona, apertando os braços dela, não sei que loucura deu em você, mas eu não vou ficar a noite toda caindo na porrada com uma mulher, eu vou lhe soltar, mas me escute muito bem, eu não sou seu inimigo, por favor não me ataque mais. A respiração da jovem foi diminuindo, seu corpo foi perdendo a tensão que estava enrijecendo seus músculos, parecia que o voto de confiança de José, estava dando certo.
Ela se afastou lentamente de José, colocando suas mãos na frente dele em um gesto defensivo. Está tudo bem moça, eu não vou te atacar. Você não entende! Não está nada bem. Disse ela dando dois passos para atrás. Por trás dos mundos ele espreita. Olha dona, eu não estou entendendo merda nenhuma do que você está dizendo, você consegue me dizer aonde estar o meu tio?, ele é o dono desse apartamento. Diante das palavras de José, a jovem foi adquirindo contornos mais lúcidos, ao ponto de tampar seus seios e se sentar em uma cadeira cruzando suas pernas. Você está falando do Paulo né, olha eu sinto muito, mas levaram ele. A jovem começou a chorar olhando para baixo. Como assim levaram ele? Quem levou o meu tio? E pra onde? Dizia José colocando as mãos na cabeça em um visível sinal de desespero. Meu Deus, meu tio cara, porque isso tá acontecendo com ele? Cê não tem noção moça de como ele é importante pra mim e pra minha família. Me fala tudo que você sabe se não a coisa vai ficar muito feia pra você guria, José arrastou uma cadeira de modo bem violento e a colocou em frente da jovem, ele se sentou na cadeira e com um tom de voz mais grave disse, fale logo sua vadia senão eu lhe arrebento toda!
A menina começou a se desesperar, olha moço eu entendo que você está com raiva, mas eu não sou vadia não! Gritou ela irritada, eu vou lhe contar tudo que aconteceu nesse maldito apartamento, para começo de conversa, meu nome é Daniela.
II
Como eu lhe falei, meu nome é Daniela, Daniela Santos. Eu sou bolsista da faculdade aonde seu tio leciona, recentemente ele me chamou para fazer parte de uma pesquisa cientifica. Sexta feira passada ele me ligou e me convidou para vim vê-lo e conversar sobre o seu objeto de pesquisa. Quando eu cheguei aqui, por volta das 7horas da noite, fui recebida por ele e por um outro estudante da minha faculdade, um esquisitão todo tatuado chamado Tiago.
Tiago e seu tio estavam envolvidos em uma pesquisa muito misteriosa, Paulo dizia que o que eles estavam analisando poderia mudar completamente tudo que nós conhecíamos sobre a história do Brasil.
Tiago foi chamado para fazer parte da pesquisa, por ele ser um jovem altamente fascinado pelo folclore brasileiro. Ele me disse que tal interesse, vinha do fato dele ser descendente de índios e de caboclos do interior do Mato Grosso do Sul. Fingi demonstrar interesse no que ele dizia, mas eu realmente não conseguia gostar daquele cara, não sei se era o fato dele usar mais maquiagem do que eu, ou se era aquele moicano ridículo pintado de roxo, definitivamente só a presença dele já me irritava muito.
Após comemos uma pizza, Paulo me disse que já estava na hora de eu conhecer nosso estranho objeto de pesquisa. Ele foi no seu quarto e após alguns minutos retornou com algo em sua mão esquerda e um pequeno caderno em sua mão direita. Olhe só isso Daniela, e me diga se não é curioso. Em sua mão esquerda ele estava segurando uma moeda de ouro com estranhos desenhos que eu nunca havia visto antes, e olha que minha pesquisa toda na faculdade, vem sendo em cima da história do nosso dinheiro, desde os tempos do Brasil colônia, passado pelo cruzeiro até chegar no plano real. Definitivamente aquela moeda era como algo alienígena para mim, em um lado havia a figura de um homem ajoelhado rezando, e do outro lado havia uma coroa de rei com um arco e uma flecha embaixo dela. Eu e Tiago estamos desde segunda feira tentando descobri a origem dessa moeda e até agora, não encontramos nem um registro de uma moeda parecida com essa em nenhum lugar do mundo. Falou Paulo sorrindo para Tiago, como se eles soubessem de mais alguma coisa. Eu disse para o seu tio não fazer segredinhos pois eu já havia percebido que ele estava escondendo alguma coisa de mim. Ele deu uma alta gargalhada e me disse que havia feito uma ótima escolha quando me chamou para fazer parte do seu grupo de pesquisa. Você definitivamente é uma garota muito detalhista e de mente rápida, isso é ótimo Daniela, mostre para ela Tiago.
Tiago retirou de sua mochila preta, uma folha impressa aonde havia a foto de uma pedra aparentemente bem antiga, nela estava o mesmo desenho que havia em um dos lados da moeda, uma coroa de rei com um arco e uma flecha posicionados embaixo dela.
Fiquei surpresa com aquela imagem, antes que eu pudesse falar alguma coisa Tiago me interrompeu com algumas explicações. Daniela, essa pedra faz parte de um ritual macabro de uma tribo isolada da selva amazônica. Envolta dessa pedra eles canibalizam seus entes queridos que estão doentes ou muito velhos, comem a pessoa ainda viva, dançando ao redor desse monólito. Segundo os registros que eu encontrei na depp web, esse pedregulho possui dois metros e 70 de altura, nessa foto ele parece mais pequeno né? Parece mesmo Tiago, isso que você falou sobre esses canibalismos e tal, é muito horrível, não acredito que ainda existe pessoas que fazem isso como um tipo de cultura. Então Daniela, confesso para ti que eu também me assustei quando descobri sobre esse ritual, a tribo que pratica isso parece ser bem primitiva, eles vivem em um lado muito isolado da selva amazônica, achei pouca coisa na internet sobre eles, aí tive que recorrer a Dep Weep aonde mesmo assim não achei muita informação relevante sobre essa foto e essa tribo. A única coisa que encontrei a mais além dos dados sobre o tamanho da pedra, foi uma descrição horripilante desse ritual, que convenhamos não vale a pena ser descrita nessa conversa, e uma menção a uma divindade do folclore indígena que eu desconhecia.
Que divindade é essa Tiago? Perguntei muito curiosa, deuses de outras culturas sempre me interessaram muito. Olha Daniela, essa tribo chama esse deus de O Senhor da Imundice, ele não parece ser uma divindade muito agradável, segundo os fragmentos de lendas que eu encontrei, ele mantém seu poder divino se alimentando dos restos mortais de crianças e de animais pequenos. Ele nunca caça, ele possui seres que caçam para ele, mas o curioso é que segundo as lendas, ele só come depois que seus servos já se banquetearam com a carne das pressas, ele só come as sobras.
Que horror! Exclamei com uma cara de extremo nojo. O professor Paulo me olhou com um ar sereno, enquanto colocava a moeda em cima da mesinha a nossa frente. Daniela, há vários arquétipos sinistros que a humanidade adora em segredo, você se surpreenderia com as relações macabras que eu já descobri entre os mitos e o comportamento humano.
Nossa Professor! Isso parece um pouco preocupante. E é, mas não lhe chamei aqui para falar sobre isso, tem algo mais que você precisa saber. Nessa hora Paulo me entregou o caderno que estava em sua mão direita. Foi assim que a moeda chegou até nós, nesse caderno está um relato deveras surpreendente, de um amigo meu da capital. Talvez você já tenha ouvido falar dele, ele é médico.
Folheei curiosa aquele caderno, logo percebi que suas folhas eram impressas e o texto que estava contido ali foi digitalizado, na primeira página havia um título “Um Chamado no meio da noite”. Conforme fui folheando, pude ver que a narrativa que estava escrita naquelas folhas estava dividida por tópicos, não me lembro dos nomes dos tópicos.
Paulo me pediu para ler o relato que estava contido naquelas folhas. Fiquei sentada nesse sofá que está a sua esquerda, enquanto eu lia o caderno em voz baixa, Tiago rascunhava alguma coisa em uma folha de sulfite, e Paulo se comunicava com alguém pelo Facebook.
Após ter terminado a leitura daquele caderno, fiquei confusa. A narrativa contida ali era louca demais para ser verdade. Ela contava a história de um tal de Doutor Marcos, que recebeu um chamado de emergência no meio da madrugada, uma jovem gravida estava morrendo. Aí esse médico parte para uma cidade oculta do outro lado de um vale de montanhas prateadas, aonde tinha um arco de pedra com uns símbolos estranhos entalhados, aí depois aparece uma cidade em ruínas, e depois ele chega na cidade aonde estava a sua paciente, que pelo o que eu havia entendido havia sido engravidada por algum homem peixe ou algo desse tipo, era tudo muito bizarro, no fim ela pariu um monte de peixes mortos e o pai dela manda o cara ir embora da cidade, e o cara desmaia e acorda na casa dele fedendo a peixe e com um saco cheio de moedas semelhantes á que nós iriamos analisar.
Olhei com descredito para o seu tio, ele estava muito entretido no computador. Tive que chamá-lo a atenção. Professor! Eu já terminei a leitura, e confesso que nada disso faz sentido para mim, isso é algum conto de horror? Paulo olhou para mim e me disse, filha eu sei que parece muita doideira tudo que você leu, mas o Doutor Marcos, é um amigo meu de infância, ele sempre foi muito verdadeiro e também muito lúcido. Tem duas semanas que ele mandou um e-mail desesperado para mim, nele ele pedia a minha ajuda para tentar descobrir a origem dessa moeda, ele dizia que a vida dele dependia disso. Em anexo ele enviou um documento Word aonde ela relatava como havia conseguido um saco cheio dessas estranhas moedas, o documento é esse que você acabou de ler. Fiquei preocupado com meu amigo e por isso, assim que li o e-mail me preparei para viajar, achei melhor não avisar Marcos que eu iria o visitar, dois dias depois cheguei na capital.
Procurei Marcos em seu apartamento, como eu temia, ele havia se mudado. Fui jantar em uma lanchonete e de lá liguei para seu celular, o número não existia mais. Para minha sorte me lembrei do outro celular que Marcos possuí, esse ele usava muito raramente. Liguei para esse número, meu amigo meu atendeu, conversamos sobre a minha viagem, sobre o relato dele, e sobre a estranha moeda que estava em uma foto que ele havia enviado para mim junto com o documento de texto. Combinei de me encontrar com Marcos as 10 e 30 em um hotelzinho bem afastado do centro da cidade.
Quando cheguei no local, quase não reconheci meu amigo, sua face estava horrivelmente pálida, ele estava muito magro, seu cabelo antes bem cortado agora estava grande e completamente desgrenhado.
Daniela, ele me deu essa moeda, e chorando me pediu que eu descobrisse a origem dela, ele me disse que precisa muito saber algo mais sobre os lugares fantásticos aonde ele esteve naquela noite em que salvou Camile. Uma curiosidade mórbida se instalou em meu amigo como um parasita, ele está morrendo, sendo dilacerado por uma fixação em descobrir a localidade do Novo Reich. Ele tentou ligar para o número de telefone que Hadrian usou para falar com ele no dia do relato, mas o número sempre dá na caixa postal, ele até procurou alguém para rastrear aquele número, mas também não teve nem um resultado bom. É como se Hadrian nunca tivesse telefonado para ele.
Meu amigo precisa de minha ajuda, por isso contatei você e Tiago. Com a verba que a universidade está me dando para essa pesquisa, poderemos chegar muito perto da verdade sobre essa moeda e sobre a estranha cultura a que ela pertence.
Passamos a noite toda conversando sobre o relato do amigo de seu tio, ninguém era capaz de dormir aquela noite. Trabalhamos até as oito da manhã, fazendo um apanhado de todas as informações que possuíamos sobre a moeda. Achamos nos cantos mais remotos da internet, algumas lendas indígenas brasileiras que pareciam se correlacionar com o relato do Doutor Marcos. Inclusive encontramos uma foto de uma caverna no Ceará aonde estava desenhando estranhos desenhos pré-históricos, pareciam uma forma muito primitiva de escrita, os caracteres presentes na foto eram muito parecidos com os símbolos do arco de pedra que estava presente no relato de Marcos.
Pretendíamos passar o fim de semana inteiro trabalhando na procura de mais respostas. Eu e Tiago nem formos para nossas casas, avisamos nossos familiares por telefone que estávamos envolvidos em um importante trabalho da faculdade que futuramente iria beneficiar as nossas vidas profissionais.
O sábado estava indo tranquilo, a pesquisa estava nos levando na direção de mais lendas, eu não imaginaria que estudar folclore brasileiro poderia ser tão interessante. As 21 hrs terminamos a pesquisa do dia, seu tio preparou um jantar maravilhoso para nós, peixe grelhado, havia queijos também e uma bela garrafa de vinho, seu tio recebeu a visita de uma estranha mulher chamada Laura. Ela se sentou à mesa com nós, sua pele era escura como a noite, seus olhos eram verdes como duas esmeraldas, sua boca era tão carnuda e bela que senti um desejo lésbico, minha boca salivava de vontade de sentir o gosto daqueles pecaminosos lábios. Para piorar, sua voz era altamente erótica e sensual, a cada palavra dita por ela, a minha nuca se arrepiava e eu sentia todo o meu corpo se contraindo. Ela estava usando um lindo vestido vermelho com um provocante decote, Tiago também parecia interessado na misteriosa convidada de seu tio, mas diferente de mim, ele sabia como desfaçar. Quando o jantar terminou, seu tio a conduziu para o seu quarto, fiquei mordida de ciúmes. Na minha cabeça era eu quem devia ter uma noite gostosa de amor com ela, não o escroto do seu tio, “velho tarado! ” foi isso que me veio a mente quando vi ele fechando a porta e a trancando pelo lado de dentro.
Fiquei a ver navios, nesse momento percebi que eu estava bêbada. Bêbada e agora com muita vontade de transar. Olhei para o Tiago, e me passou pela cabeça ir para a cama com ele. Diferente do que eu pensava, ele não se mostrou ser um cara muito fácil. Ele percebeu as minhas intenções, e me disse que me achava uma garota bacana demais para ele simplesmente transar comigo bêbada. Ele me disse que adoraria namorar com uma garota como eu, ele ia falar mais algo, mas subitamente seu rosto fez uma expressão deformada de intenso pavor. Quando olhei para trás, senti meu sangue gelar, nessa janela da frente vimos alguém usando uma mascará sinistra de gato, ele batia no vidro e dizia em uma voz fina e estridente “Miau! Disse o gato olhando para os ratos...e os ratos olhavam sem saber que em poucos instantes...eles iriam morrer! ”
O vidro da janela se quebrou fazendo um grande estrondo, o lunático quebrou a janela com seu próprio punho, seu sangue escorria pelos cacos do vidro.
Tiago me puxou pelo braço e corremos em direção ao quarto de seu tio. Batemos várias vezes na porta, até que Paulo nos atendeu com uma cara muito irritada. Ele suavizou seu rosto quando viu uma mão ensanguentada tentando destrancar a porta da sala.
Que diabos está acontecendo aqui? Alguém está tentando invadir a casa, professor.
Meu Deus! Entendo Tiago, precisamos nos defender! Ligue para a polícia, meu celular está aí na cabeceira da cama, eu vou dar uma mãozinha para nosso visitante.
Seu tio pegou um revolver que estava escondido dentro do guarda roupa, rapidamente ele o carregou com três balas, e correu para a sala de estar. Laura gritou falando para seu tio ter cuidado, ela estava muito apavorada, eu também estava, mas de um jeito muito estranho Tiago conseguia nos acalmar. Pensei em ligar para a polícia, para quem sabe, fazer com que eles chegassem aqui mais rápido, mas meu celular estava aqui na sala, por sorte Laura estava com o seu, usei o telefone dela, e também ligue para a polícia.
Como a porta do quarto em que estávamos estava aberta, pude ver quando seu tio deu um tiro na mão do maluco que estava tentando invadir esse apartamento. Quando o disparo perfurou sua mão, ele a retirou rapidamente da janela quebrada, cortando seu braço no processo. Vá embora daqui seu desgraçado! Gritava seu tio furioso.
Uma voz diabolicamente estridente se fez ser ouvida pelo buraco da janela “ Os ratos podem morder...mas os gatos...possuem muitas garras! ”
Nesse maldito momento, uma nevoa preta saiu pela janela quebrada e cobriu o rosto de seu tio por inteiro. Ele berrava de dor, derrubando seu revolver no chão, seu tio falava “ haaaa!! Meus olhos...meus olhos...sinto vermes andando nos meus olhos! Tirem eles de mim, tirem eles de mim”, Paulo caiu no chão se contorcendo tentando em vão tirar a nevoa escura que estava em volta de seu rosto. Nós que estávamos no quarto assistíamos paralisados pelo medo, aquele espetáculo infernal. Nossas ligações foram atendidas, segundo a polícia em mais ou menos uns vinte minutos eles chegariam aqui, infelizmente eles nunca chegaram.
Laura se levantou da cama e já ia correndo em direção a sala, quando Tiago a impediu, “não podemos fazer nada! Não vai dar tempo de pegar a arma, olhe lá! Aquela mão ensanguentada já está destrancando a porta, e ainda tem aquela fumaça preta envolta do Professor. O mais sábio a se fazer, é nos trancarmos aqui e esperar a polícia chegar”.
Dizendo isso Tiago segurou Laura e a jogou na cama, “Daniela! Tranque a porta por favor. ” Obedeci a Tiago e tranquei a porta, quando eu a fechei, ouvimos o horrível som da porta da sala se abrindo. Tiago pegou uma cadeira de madeira que estava no quarto e a jogou contra a parede, despedaçando a cadeira, ele pegou uma das pernas da cadeira que havia se soltado e foi para o lado esquerdo da porta do quarto, e pediu para que saíssemos de frente da porta, formos para o canto do quarto.
“Se aquele desgraçado tentar entrar nesse quarto, ele será golpeado, se algo sair errado comigo na hora do confronto, eu peço que vocês corram em direção à rua, não tentem me salvar e nem percam tempo tentando salvar o Professor se aquela nevoa preta ainda estiver envolta dele. Não sabemos o que é aquilo! ”
Laura olhou para mim como quem tenta se manter forte, aquela mulher era realmente incrível, ela me disse “ Garota, acho que a melhor coisa que podemos fazer por hora é realmente ouvir esse jovem, mas tem uma coisa que me inquieta, nitidamente estamos diante de um fenômeno sobrenatural. ”
Tiago olhou para nós com uma expressão muito triste em seu rosto, ele estava segurando com muita força a perna da cadeira em suas mãos, estávamos diante de algo que não sabíamos como lidar, comecei a pensar se tudo isso tinha a ver com aquela estranha moeda que estávamos analisando.
Estava um silêncio absoluto do outro lado da porta, não estávamos ouvindo mais Paulo gritar de dor, e nem ouvimos barulhos de tiros, nem algum som que mostrasse que estava acontecendo alguma briga na sala, absolutamente nada! Estava tudo quieto, nem ouvimos o som do estranho da máscara de gato entrando no apartamento.
Era como se tudo lá fora tivesse morrido.
III
O silêncio gritava dentro do quarto, mesmo estando um pouco distante de Tiago eu podia ouvir perfeitamente a sua respiração e podia perceber toda a tensão que estava em seu corpo. O perfume doce de Laura infestava o quarto, ele se misturava com um cheiro forte, ela estava transpirando muito. Foi neste momento que eu percebi algo nela que me assustou profundamente. Ela prendeu seu cabelo fazendo um rabo de cavalo, seu pescoço ficou bem visível, pude ver que na sua nuca ela possuía uma pequena tatuagem de uma coroa com um arco e uma flecha embaixo dela, desenho esse igual ao da estranha moeda e semelhante ao da fotografia da pedra usada nos rituais macabros de canibalismo daquela tribo indígena amazonense. Não consegui me controlar e parti para cima dela a acusando de ter alguma relação com o maníaco que estava lá na sala. Minha atitude se mostrou idiota e muito precipitada, Laura me jogou contra a parede, sua mão esquerda agora era um tentáculo de fumaça negra.
Tiago ficou horrorizado com aquela cena, e correu em direção a Laura usando a perna quebrada da cadeira como estaca, ele perfurou a barriga dela. Laura não teve tempo de se defender do ataque de Tiago pois ela estava prestando atenção em mim.
Assim que a estaca de madeira perfurou a barriga de Laura, ela deu um horrível grito, sua voz agora não era mais humana, após gritar de dor, ela bateu seu tentáculo no pescoço de Tiago, decapitando-o subitamente.
Sua cabeça caiu diante de mim, e tenho a certeza que ela ficou me olhando com consciência por mais ou menos uns 5 segundos.
Entrei em estado de choque, Laura, ou seja, lá o que for aquela criatura, se aproximou de mim, e me disse que não haveria motivo para eu ter medo. Ela me disse que sua intenção não era matar ninguém, ela e seu companheiro estavam interessados apenas no caderno com o relato do Doutor Marcos e na Moeda. A morte de Tiago segundo ela, foi um lamentável acidente.
Não consegui reagi e nem falar nada, todo o meu ser se encontrava anestesiado pelo medo, eu estava diante do inesperado, aquela coisa me olhava como se eu não fosse nada para ela, isso estava claro naqueles olhos verdes sem vida. Seu olhar era parado, como se aquele corpo fosse apenas uma roupa ou uma casca para aquela coisa composta de fumaça negra.
Seu braço esquerdo, antes um tentáculo de névoa preta agora era um braço normal, composto de carne e sangue. Aquela coisa que se nomeava Laura, caminhou tranquilamente em direção à porta, no caminho ela pisou no corpo decapitado de Tiago como se ele fosse apenas um tapete. Antes de destrancar a porta, ela olhou para mim e deu um breve sorriso, senti meu estômago se embrulhado quando ela fez isso.
Ela abriu a porta, e logo todo o inferno havia retornado.
Paulo estava ainda caído no chão se contorcendo de dor enquanto aquela névoa negra percorria todo seu rosto. A porta de entrada do apartamento estava aberta, por ela surgiu um homem de estatura média, ele estava usando uma máscara de gato, uma camiseta cinza, calças jeans e estava calçado com um par de botas pretas. Seu braço direito estava dilacerado pelo vidro da janela e a palma de sua mão sangrava muito, por causa do tiro que Paulo deu nela. Era impossível saber qual a real expressão que estava no rosto daquele maldito, o rosto de gato em sua máscara sempre sorria. Mesmo com o sangue escorrendo como água de sua mão, o gato continuava a sorrir. Não sei se ele me viu no quatro de Paulo olhando para ele pela porta que estava aberta, se ele me viu, eu não era interessante para ele. Sua atenção estava voltada para Paulo. Laura se aproximou do mascarado, entregando para ele o caderno com o relato de Marcos e a estranha moeda, esses dois objetos estavam em cima da estante da sala, perto da televisão.
Parece que foi mais fácil do que havíamos imaginado, disse o estranho mascarado para Laura, pegando a moeda com a mão ensanguentada e o caderno com a mão esquerda. Sim, foi muito fácil. Houve alguma morte? Apenas uma, aquele idiota de cabelo pintado entrou em pânico e me feriu, disse Laura mostrando o buraco que estava em seu vestido na região de seu abdome, estava escorrendo muito sangue de sua barriga. Entendo, isso não importa, contanto que você tenha deixado a garota viva. Sim, eu deixei. Ótimo! Leve o senhor Sanches direto para a Cria da Cabra Preta de São Cipriano, eu levarei as anotações e a moeda para a Cidade. Observei perplexa Laura levantar seu tio do chão como se ele não pesasse nada, a nevoa negra não estava mais envolta do rosto de Paulo, ela havia sumido, mas seu tio estava desacordado.
O estranho homem da máscara de gato partiu tão subitamente como havia surgido. Laura saiu pela porta carregando seu tio em seus braços. Eu pensei em fazer alguma coisa, mas meu corpo não me obedecia, eu estava completamente paralisada.
No princípio achei que fosse o medo, mas depois de alguns segundos me horrorizei a constatar que eu não estava sozinha no quarto, havia mais alguém comigo, mas eu não conseguia ver ele. Suas mãos começaram a acariciar meu corpo, senti no meu íntimo que se tratava de uma figura masculina, ele estava dominando meu corpo, me senti como um objeto naquele momento. Ele despiu as minhas roupas com muita delicadeza, beijou meu pescoço de um modo muito gostoso.
Seu cheiro era bom, e realmente ele sabia como usar seus dedos em meu corpo.
Ele transou comigo, sem penetrar seu pênis em mim, mas eu podia o sentir duro, se esfregando em minha vagina, me senti conectada emocionalmente e sexualmente com ele, de uma forma como eu nunca havia me conectado com alguém antes.
Quando ele apertou forte a minha virilha com suas delicadas mãos, eu me vi em outro lugar. Eu não estava mais nesse apartamento, me vi em uma antiga cidade, o lugar era formato por colunas de pedra esverdeada, havia muitas edificações, edifícios enormes parecidos com torres e várias casas e casarões. Havia milhares de pessoas de várias etnias morando naquela cidade, puder ver algumas em uma feira que estava acontecendo na praça da cidade. A praça da cidade era formada por um enorme pátio em formato oval, com uma fonte de água cristalina correndo envolta dele. Logo a frente vi algumas pessoas vestidas de branco, ajoelhadas orando em uma estranha língua para um monólito brilhante que estava à frente deles, ao lado do monólito estava uma gigantesca estatua de um homem nu apontando para o norte. Senti um delicioso cheiro de carne de porco, vi um enorme homem negro assando um porco em uma barraca, parecia com um rústico açougue.
Havia muitas pessoas vendendo galinhas na rua, inclusive vi comerciantes orientais vendendo peixes em tendas que possuíam banquinhos aonde seus clientes estavam sentados comendo sushi, logo mais à frente vi pessoas italianas vendendo pães e tortas.
Percebi que os comerciantes usavam roupas rústicas feitas de couro e seus clientes usavam roupas feitas de tecidos finos, em sua maioria roupas amarelas. Vi também alguns guardas armados com escudos e lanças, eles usavam armaduras douradas que possuíam desenhos que simulavam escamas de peixes, o capacete das armaduras tinha o formato de uma cauda de peixe.
Passei pela multidão que estava na praça e vi um velho dormindo no chão, ele parecia estar bêbado, ao seu lado estava um lindo cachorro peludo que dormia junto aos seus pés. Mais à frente vi um estranho veado branco passando por meio de uma multidão de pessoas usando vestes brancas, elas faziam reverências ao estranho animal, pareciam estar o adorando. Ele passou por mim e me olhou profundamente, senti uma estranha tristeza corroendo o meu ser quando fitei os olhos daquele cervo tão branco como a pele de um cadáver. Mais à frente vi uma grotesca igreja de pedra negra, parecia que um estranho demônio havia esculpido aquela catedral com suas próprias mãos, eu nunca havia visto uma igreja como aquela, ela possuía uma enorme torre que se estendia aos céus como a mitológica Torre de Babel, havia muitos gatos e inclusive duas onças pintadas passeando na frente da igreja, era como se aqueles felinos estivessem protegendo a entrada daquele macabro templo. Ao lado da Igreja havia uma gigantesca estatua de um horrível anjo armado com um escudo e um enorme tridente. O rosto da estátua possuía expressões de ódio e fúria, pude ouvir uma sinistra música vindo de dentro da igreja. Era um cântico em uma língua que eu desconhecia, parecia ser formado por várias vozes.
De repente vi um clarão de luz, depois me vi dentro da igreja, as pessoas que estavam lá dentro estavam todas ajoelhadas cantando a estranha canção, enquanto uma linda jovem de pele morena estava sendo estuprada por dois homens encapuzados na frente do púlpito da igreja, ao lado da cena de sexo não concedido estava uma enorme criatura vestida de padre, a criatura era composta de fumaça negra, seus olhos eram vermelhos e brilhavam como duas tochas de fogo, ele se masturbava enquanto olhava a jovem gritar de dor, em meio a pedidos de socorro e piedade, que estavam sendo abafados pelo pênis de um dos encapuzados que a forçava a praticar sexo oral nele.
Aquela cena era horrivelmente verdadeira demais para se assistir, senti minha cabeça doendo de dor, aquele ambiente diabólico fedia a incenso e morte, me senti entorpecida dentro daquele antro satânico. Tentei fugir de lá, mas me vi pega em outro clarão de luz.
Dessa vez eu estava dentro do que parecia ser uma caverna prateada, vi um caminho a minha frente pavimentado por pedras escuras, no meio dele havia uma estranha construção. Um enorme arco de pedra, ele parecia ser muito antigo pois estava cheio de rachaduras. Havia várias inscrições estranhas nele, nesse momento percebi que já havia visto aquelas estranhas letras, eram as mesmas que o Doutor Marcos havia transcrevido em seu relato, deduzi que esse era o mesmo arco de pedra que Marcos viu, então eu só poderia estar em um lugar, eu estava dentro da montanha prateada.
Quando me aproximei do estranho arco de pedra e vislumbrei com mais nitidez o três caracteres que se repetiam constantemente nele, senti uma horrível força diabólica fluindo por meu corpo. Olhei para o arco e agora eu conseguia nitidamente ler oque estava escrito, aqueles três caracteres diziam: “Por trás dos mundos, ele espreita.”
Meu corpo fervia de dor, era como se eu estivesse sendo queimada, o antigo arco de pedra parecia está se desmoronando á minha frente, aquela frase ecoava na minha cabeça, “Por trás dos mundos ele espreita, por trás dos mundos ele espreita, por trás dos mundos ele espreita”. Me vi jogada em um imenso nada. Meu corpo pairava de dor jogado fora de minha consciência em um mar de infinitas possibilidades horríveis.
Me vi como um feixe pequeno de consciência, preso a um lindo e misterioso rio que fluía por uma primitiva floresta com enormes árvores sombrias que pareciam tocar os céus. O céu nesse lugar era escuro, vazio e sem estrelas.
Olhei para a superfície do rio, e vi uma gigantesca silhueta que parecia ocupar o rio inteiro, alguma coisa imensa estava nadando nas profundezas daquele rio, não tive coragem de mergulhar naquelas águas esverdeadas para ver oque estava dentro delas.
Nesse momento a frase remoeu na minha mente novamente “Por trás dos mundos ele espreita” como se oque estava no fundo do rio pudesse ler a minha mente, ele falou comigo, sua voz era diferente de tudo que eu havia ouvido antes, impossível de ser descrita. Eu sou aquele que espreita por trás dos mundos, na mitologia Tupi-Guarani eu sou conhecido como Nhanderuvuçu, mas nomes para mim são nada! Eu sou a força primordial, estou acima das amarras do tempo e da matéria, não me importo com vocês seres humanos, vocês para mim são vermes que se alimentam do meu cadáver em decomposição. Eu sou aquele que espreita por trás dos sete planos da Consciência, na realidade eu sou a própria consciência, vocês não passam de excremento para mim, é do meu ânus que vocês saem, totalmente arbitrários e sem nenhum plano divino destinado para vocês. Vocês se iludem criando religiões na tentativa de darem algum significado para a vida inútil de vocês, coloque uma coisa em sua cabeça fêmea estúpida, eu não amo vocês! Eu não protejo vocês! Muito pelo contrário, eu me divirto cada vez que um de vocês morre.
As palavras daquela coisa submersa me machucaram profundamente, eu senti o imenso desprezo que ela possui por todos nós. A possibilidade daquilo ser o nosso “Deus” causou alguma espécie de colapso mental em mim.
Não me lembro de nada após isso, quando recuperei a consciência eu já estava nesse apartamento lutando freneticamente com você. E foi isso que aconteceu.
A jovem terminou seu relato mostrando que estava muito exausta. José Henrique se colocou no lugar dela, mesmo estando preocupado com o bem estar de seu tio, ele passou a tentar acalmar a jovem. Dizendo que ele iria fazer tudo que estivesse ao alcance dele, ele conseguiu ligar a luz da sala, e pegou na geladeira um suco de goiaba e uma fatia de queijo, insistiu que a jovem se alimentasse, ele foi no quarto de seu tio a procura de alguma roupa que Daniela poderia usar, ele encontrou as roupas dela rasgadas e sujas por uma estranha substancia amarelada que fedia muito, perto da porta ele viu um corpo decapitado e uma cabeça no canto da parede, deduziu que aquele era Tiago.
Por alguns segundos ele se permitiu entrar em pânico, constatou que a história da jovem poderia ser verdadeira. Se sentou na cama e chorou baixinho, depois recuperou o folego, e lembrou que seu tio e Daniela precisavam da ajuda dele. Ele achou no guarda roupa de Paulo uma camisa azul que parecia ser bem confortável, encontrou também um calção branco de ginástica, vai ficar bem no corpo dela, pensou consigo mesmo.
IV
A noite foi se estendendo, como deve ser. Lá fora a chuva estava diminuindo, alguns carros cruzavam a avenida, algumas lanchonetes e duas casas noturnas estavam ascendendo suas luzes.
Podia se ver alguns pedestres andando pela rua. Dentro do apartamento, Daniela estava dormindo deitada em um sofá que estava na sala, José estava sentando em uma cadeira olhando a jovem dormir.
Ela passou por muita coisa, pensou José, se enchendo de compaixão por Daniela.
O rapaz havia cuidado da jovem até ela cair no sono, ele conseguia ser amável se a necessidade assim pedisse. Agora que a jovem estava relativamente bem, os instintos de José fizeram ele pensar em seu tio. Se levantou bruscamente da cadeira, e caminhou em direção á porta que conduzia para rua. Fechou a porta de maneira muito delicada, para não acordar Daniela, e caminhou em direção ao seu carro, que estava estacionado do outro lado da rua.
Dentro do apartamento Daniela dormia tranquilamente, quando um horrível cheiro a despertou. A sala estava fedendo carniça, a jovem se levantou um pouco, ficando sentada no sofá, ela percebeu que o cheiro estava vindo do quarto de Paulo. Ela deduziu que o cheiro poderia estar vindo do corpo de Tiago, mas com grande espanto ela constatou que o cheiro vinha de uma estranha criatura que estava saindo do quarto de Paulo.
A coisa era uma enorme massa vermelha de carne e sangue, parecia algum tipo de molusco ainda desconhecido pela ciência, ele estava parado na frente do quarto, mesmo não possuindo olhos ele parecia estar olhando para Daniela.
Seu rosto era composto por um monte de tripas e grotescos tumores do tamanho de uma maçã. Em cima do amontoado de carne podre que parecia ser a cabeça daquela coisa, estava uma coroa de ouro com cinco diamantes incrustados nela. Seu andar era cambaleante, ele tropeçava nos seus próprios tentáculos vertiginosos, era como se ele não possuísse consciência da estranha anatomia de seu corpo.
Ele se arrastava em direção à Daniela, seus tentáculos faziam um atormentador barulho quando tocavam no chão. A jovem estava imobilizada pelo cansaço e pelo pavor, sendo incapaz de oferecer qualquer resistência à estranha criatura. Ela decidiu não fechar seus olhos, ela queria observar a profundeza do abismo, ela cansou de fugir dele, que a derrocada viesse até ela. Percebendo que Daniela não iria tentar correr, o estranho ser diminuiu a velocidade de seu desajeitado caminhar, nesse momento aos olhos de Daniela aquela coisa parecia adquirir contornos majestosos.
O abdômen da criatura se abriu, saindo do buraco aberto, uma enorme boca cheia de dentes enormes e pontiagudos. Daniela entendeu oque iria acontecer com ela, por isso se levantou do sofá e caminhou em direção aquele grotesco “rei”, talvez em uma tentativa de acelerar a sua morte ou quem sabe, motivada por alguma curiosidade mórbida de ver aquele ser mais de perto.
O grotesco ser parou, esperou que Daniela viesse ao seu encontro. Quando ela ficou de frente para a criatura, o monstro a fez se ajoelhar diante dele, usando um de seus tentáculos. Ela chorou, a coisa parecia estar rindo, a cada lágrima que escorria dos olhos da jovem a enorme boca daquela criatura emitia um horripilante som parecido com uma gargalhada.
Um dos tentáculos do monstro golpeou as costas da jovem com uma assombrosa força, rompendo a sua costela, Daniela gritou seu último grito, tudo foi escurecendo, ela sentiu seu sangue escorrendo no chão e ouviu a criatura gargalhar de felicidade.
Ela morreu com uma última lembrança em sua mente, a frase desesperadora que ela ouviu do ser que muitos chamam de Deus “Eu não protejo vocês! Muito pelo contrário, eu me divirto cada vez que um de vocês morre.”
O corpo de Daniela ficou suspenso no ar por um dos tentáculos da criatura, com seus outros tentáculos ela desmembrava as pernas ,braços e ia saboreando a carne da jovem, jogando os pedaços naquela enorme boca que surgia do seu abdômen.
Epílogo.
Fora do apartamento de Paulo, seu sobrinho procurava desesperadamente elaborar algum plano para salvar seu tio. Aonde eu coloquei meu celular? Que droga! Eu não consigo me lembrar. As mãos de José procuravam freneticamente seu telefone, mas seu carro estava cheio de coisas, caixas, pastas de documentos e até mesmo um pequeno cofre, o escritório do rapaz estava passando por mudanças. José começou a se arrepender por não ter passado tanto tempo com seu tio, na verdade diferente de Paulo, José não se dedicava muito à sua família, seu trabalho sempre vinha em primeiro lugar. Mas agora a chegada do inesperado em sua vida, estava mudando isso. Seu tio precisava de sua ajuda, e agora ele estava disposto a fazer tudo que fosse possível para resgatá-lo.
Como por um estranho milagre, o rapaz ouviu o toque do seu Celular, encontrou o telefone caído atrás do banco do motorista. Quando ele pegou seu celular ele percebeu que havia recebido uma nova mensagem de um número desconhecido. Ele tomou um grande susto e depois se tranquilizou, a mensagem era curta e bem suscita, ela dizia que seu tio havia sido levado para as redondezas do Novo Reich, logo em seguida estava as coordenadas do lugar aonde Paulo ficaria mantido como prisioneiro por tempo indeterminado.
Sem pensar duas vezes, José ligou seu carro e partiu, deixando para trás o apartamento de seu tio. Nem se preocupou com a jovem Daniela, que a essa hora já estava morta.
A noite ainda seria muito longa para José, havia muitas pessoas com as quais ele pretendia conversar, afinal agora José Henrique estava se preparando para invadir a bizarra e macabra cidade, que segundo o relato de Daniela, seria um lugar infestado de diabólicos segredos. Mas mistério nenhum importava para José, tudo que ele realmente queria era resgatar seu tio.
FIM.