A REDENÇÃO QUE NÃO EXISTIU 

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'...Era Páscoa, clima de harmonia, paz no seio das famílias, louvores ao Salvador revivido e eu aqui nesse buraco...daqui , há semanas... só saem os meus sonhos de redenção...'



Ana era a mais carismática das criaturas, tanta beleza, juventude e alegria de viver, tudo isso junto provocava muita inveja em Landa Belle, a dona do bar e 'inferninho' da cidade. Ela fora um mulherão,  mas, o tempo passara, então, o rancor e a baixa estima ocuparam um grande lugar dentro daquele corpo.  Agora Ana era a bola da vez. Ela podia simplesmente despedi-la, afinal ela era sua funcionária, mesmo precisando admitir, que sua clientela aumentava a cada dia com a presença dela. Sempre alegre, prestativa, cozinhava que era uma beleza, não causava problemas. Era moça direita, que não cedia aos muitos assédios dos frequentadores e apesar disso, todos aceitavam sua recusa,  ficando felizes só de vê-la passar. O tempero da comida dela era de arrasar e outras meninas faziam as suas vontades, para eles ficava tudo bem.

Ana não merecia tudo que lhe acontecera, fora crueldade demais da parte de Landa Belle.


'...Me sinto tão culpada, por não ter podido ajudar, mas, eu tinha o 'rabo preso' com a dona do bar, se ajudasse quem estaria no buraco, seria eu. Como me arrependo disso Meu Deus!
Meu erro foi achar que um grande favor, um silêncio maldito teria um pequeno preço a pagar, muito idiota eu fora e ainda ferrara com a vida de Ana, pobrezinha, tão doce e cheia de sonhos. Matei um homem que tentara me violentar, fora um acidente, mas, ele era rico e importante, em desespero fugira para outra cidade e a única pessoa que me estendera a mão, fora Landa Belle, Ana pagara caro por mim...


Num dia de casa cheia, como se diz por aí, o 'inferninho' estava bombando, muita comida e bebida saindo, as meninas faturando e Landa Belle secando Ana com os olhos. A menina reinava no ambiente, flutuava por ali, como se ali fosse um lugar de classe, sempre risonha, fugindo com tranquilidade de mãos abusadas, com sorrisos, alegria e gentileza, uma alma boa que se salvava naquele lugar. Landa Belle fervia de inveja, isso a consumia de uma forma tão absurda, que ela passou as semanas seguintes, entrando e saindo do porão com dois camaradas, muito mal encarados, alegou que ea uma obra, ferros e materiais de construção, desciam e sacos cheios subiam, até que um dia tudo parou.

Numa sexta-feira de muito movimento, os fregueses estranharam o tempero dos quitutes, perguntavam de quando em quando por Ana, até que a dona do bar informou que ela havia ido embora na madrugada sem nenhuma satisfação,.

Durante as semanas que se seguiram, só água e pão ou água e farinha eram servidos à Ana, por mim. Landa Belle, cobrou o favor que eu lhe devia sob sérias ameaças, tive muito, muito, muito medo mesmo. O calabouço sem janelas, a prisão de Ana, era tão profundo, que ninguém ouviria seus gritos. Com cada vez menos forças, a pobre menina que fora sedada, nem sabia o que fizera para estar ali acorrentada, ao lado de um buraco fundo, para fazer suas necessidades, uma única parca refeição por dia, a mesma roupa sem banho há semanas, já tinha até feridas pelo corpo, me implorava ajuda e eu nada podia fazer pois com sorte, eu só ocuparia o seu lugar. Ela visivelmente definhava, dava pena de ver e eu morria por dentro. 

Quando fui levar sua ração do dia, era um domingo de Páscoa,  Landa Belle mandara dar dois pães a ela, mas, Ana não tinha mais fome, nem sede, era apenas pele e ossos, com palidez profunda. Cheguei bem perto de seu rosto e ouvi seu surrurro, junto com seu derradeiro suspiro me pedindo
- liberte meus sonhos...
E virou anjo.

Fugi dali com a roupa do corpo, de carona em carona, fui para muito longe, nunca tive coragem de entregar Landa Belle, mas, hoje nesse abrigo de velhos, alquebrada, no fim do que nem posso chamar de vida, ainda carrego meus fantasmas e por causa das últimas palavras da doce Ana, nunca mais sonhei, vou morrer há qualquer hora, sinto que vou partir logo e nunca vou ter a possibilidade de libertar minha covardia...


 
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 01/04/2018
Reeditado em 02/04/2018
Código do texto: T6296363
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