A JANELA, O TREM & A LÁGRIMA


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'...Cecília D'Avila, descendente de espanhóis, do Principado de Astúrias, co-descendência portuguesa, mesmo com muito sangue de Mouros na linhagem, era uma mulher jovem, doce  e sonhadora, só que o simples apito do trem, que podia ser ouvido bem próximo a sua propriedade, antes fazia bombear verde esperança em suas veias, agora fervia ácido e medroso dentro do coração...'


Ungidos tempos, Diego, engenheiro renomado do campo da construção civil, português de mãe espanhola contadora de histórias e com um dom surpreendente, de lembrar dos relatos de sua família. Ela passava tudo isso de boca a boca, para que a história de sua família não se perdesse nas areias do tempo.  Só que abandoram o filho em um orfanato de luxo. Diego era um rapaz bonito, pele levemente morena, olhos verdes claros e um 'verbo' poderoso...Foram apresentados num baile da região, que comemorava o início da construção daquele ramal para a estrada de ferro. Foi uma atração avassaladora, Cecília só de se ver frente a frente com Diego, estremeceu da cabeça aos pés, ruborizou e mesmo que nunca tenha revelado isso alguém, sentiu uma certa umidade entre as coxas, nunca em sua vida havia sentido algo tão intenso. Diego a cumprimentou com cerimônia, exceto, pelo beijo que não foi no dorso da mão e sim quente e na palma da mão, sensualísso. Ela foi fisgada no primeiro instante em que se encontraram. Ele mais seco, mas, com voz e gestual cativantes, viu na doce e linda Cecília, um presente, tudo parecia tão perfeito que nem parecia real.

À tardinha, assim que as obras reiniciaram, Diego pediu a ajuda de Cecília, era uma desculpa para vê-la, deu certo. Ele disse que haviam esquecido de providenciar o lanche da tarde para os trabalhadores, eram uns trinta homens que almoçavam e lanchavam, só que naquele dia específicamente, ele dispensara as duas empregadas da cozinha, só para ver Cecília. Ela caindo como um patinho, correu até a padaria comprou, pães, frios, carne assada fatiada, pães doces, café, leite, açúcar, e suco de frutas para diluir. Passou numa lojinha e comprou quatro jarras plásticas colheres, guardanapos e pratos descartáveis. No posto de gasolina próximo a obra, comprou três sacos de gelo em cubos, pois não sabia o que encontraria na barraca de apoio deles. Tão feliz com o chamado de Diego, que lá chegando foi muito rápida e com sua doçura todos os rapazes além de satisfeitos, estavam encantados com ela. Diego em agradecimento, lhe deu um longo abraço, ainda bem, pois se !le a soltasse rapidamente, ela com certeza teria caído, pois os joelhos viraram geléia por um momento, estava apaixonada por um homem que mal conhecia. 

Cecília, nascera de uma família pequena, mas, com algumas posses,. Perdera os pais há dois anos, num acidente de carro terrível, numa cidade próxima, aos vinte e seis anos, se sentia carente, não tinha outros parentes e assim sendo, fazia vários trabalhos comunitários, pois não precisava trabalhar, mas, ficar parada não era uma opção para ela. Com isso ela se tornara 'filha querida' de todas as mães do bairro onde residia. 

Para aquele relacionamento virar um romance, bastaram cinco outros encontros, logo já anunciavam o noivado, todo o bairro estava em polvorosa torcendo pela felicidade do casal, a alegria imperava por cada fresta de porta.

Ao se casarem foram morar na casa de Cecília, era mais prático por causa da obra e morar longe de sua gente não era o desejo dela. Já Diego, dizia não ter família nem raízes. Abandonado pelo pais em um orfanato de luxo, nunca tivera o direito de ser adotado, foi sendo criado para ser um homem formado, que ao sair já iria para uma boa faculdade, com emprego certo depois de sua formatura, talvez tenha sido isso, a herança que seus pais lhe deixaram e ele  aproveitara bem a oportunidade, pois era um engenheiro civil bem posto na vida.

O motivo de Diego não querer filhos logo no começo do casamento, foi bem aceito por Cecília, eles pouco se conheciam, precisavam desse tempo e também, com as tantas viagens para compra de suprimentos para o ramal da estrada de ferro, reunião na cidade maior para prestar contas do andamento da obra, família deve estar junta. Quando tudo acabar ficariam mais juntos e voltariam ao assunto. 

Uma coisa vinha tirando a tranquilidade de Cecília, o ciúme absurdo de Diego, desconfiava até mesmo do vento morno que invadia a casa ao entardecer. Nutria ciúme pelo Padre Enrico, pobre homem, ficava com medo de Diego agredí-lo em plena missa, tal força tinha o olhar de Diego sobre ele. Uma vez, deixou-a  presa dentro de casa apenas com uma parte da janela aberta, com ordens de que ela não falasse com ninguém, de nenhuma forma. Ele mudou demais, andava frio, sem sorrisos, fechado dentro de si,  vinha até sendo muito agressivo com ela. Outro segredo que guardou para si, foi ter sido obrigada a ter relações com ele quando não se sentia bem e foi muito brutal, ficou com dores durante a semana inteira. Cecília ficava vigiando a parte aberta da janela tremendo, esperando ele chegar, tinha medo de quem ele seria ao abrir a porta por fora, o 'médico ou o monstro'. Nas últimss semanas só o monstro aparecia, hoje ele chegou com um corrente para tornozelos, Cecília desmaiou só com a visão daquilo, já imaginando alguma tortura.

Ela acordou, sentido sob o corpo, o frio do chão da sala, a algema em seu tornozelo, tinha uma corrente chumbada na parede, que só permitia que ela sentasse em uma cadeira junto à janela meio aberta. Um pote de legumes cozidos estava no chão junto a uma caneca de água, tal como para um cachorro. Cecíliia sentia tanto medo, que não pedia ajuda, agora isso já passara do estágio de pavor, para total desespero, mas, mantinha-se muda,. No bairro já sentiam sua falta.

Cecília só era liberada de seu canto/cativeiro quando Diego chegava., frio, seco e brutal, agora batia nela, tapando-lhe a boca a cada golpe, ameaçando-a o tempo todo caso ela dissesse alguma coisa e por terror ela desmaiava, fugindo assim da cruel realidade. Acordava sempre em seu canto/cativeiro, cada vez mais magra, mas, sem marcas de pancadas no rosto ou nos braços. Isso facilitava, quando alguém a via  na janela e pediam notícias, ela fingia normalidade, dizendo que o marido lhe deixara muitas cartas para responder, ele ditava os textos e ela transcrevia, por este motivo estava sumida. Cecília estava definhando e continuava apanhando, sendo invadida com muita brutalidade, ela desmaiava e acordava junto a janela, aquela janela sombria. Quem era esse homem com quem se casara, porque fazia tudo isso com ela. No mundo cor de rosa de Cecília, não podia conceber tanta maldade, sem motivo nenhum. Cada vez que via pela aba da janela, Diego chegando, ela sentia dores agoniantes, mas, não reagia, talvez a morte fosse a solução.

Até que um dia, Fernão, o encarregado dos trabalhadores foi até a casa de Cecília para deixar um envelope para Diego que estava viajando e que, por um erro dos Correios, fora entregue na obra. Sem saber da importãncia do conteúdo, resolvera deixar diretamente na casa dele. Sem muito pensar gritou por Cecília pela janela meio aberta, então, a viu...Fernão não pensou duas vezes, pulou para dentro e ouviu daquela doce mulher, uma saga de horrores, condoeu-se pela moça, que apesar de tudo ainda pedia seu silêncio, Fernão percebeu o grau de pavor ao qual ela vinha sendo submetida, pobre mulher encontrava-se alquebrada por dentro e por fora, chamou uma ambulância e a polícia, mas, Cecília negava os maus tratos, os estupros e o tratamento animal e escravo, por causa do dinheiro que Diego amealhara com o casamento,  acabaram alegando demência, deixaram Cecília por alguns dias no hospital para se fortalecer, o 'bom' Diego não quis internar a mulher, cuidaria dela. Então, Cecília voltou para seu canto/cativeiro, muda e desacreditada. O pobre Fernão, foi de encarregado para batedor de vergalhões, poderia ter ido embora e não aceitar o rebaixamento, mas, em sua mente uma coisa corroía, precisava estar perto para ajudar aquela doce criatura. Diego havia de pagar por tudo o que fez. Afinal era uma grande obra e acidentes podemm acontecer...ou...serem provocados, a hora dele logo chegaria.

Os dissbiam passavam, sempre que podia Fernão ia até a janela de Cecília para ver se estava bem com ela, mas, embora não estivesse acorrentada, suas pernas estavam marcadas e estava cada vez mais magra, nada respondia, exceto, a palavra não. Precisava salvá-la de Diego, antes que ela fugisse para um mundo sem volta. Precisava criar uma situação para dar fim aquele problema. Voltou para a estrada de ferro, precisava planejar bem.

Na  primeira vistoria da manhã, um vergalhão se soltou do guindaste, acertando em cheio o Engenheiro Diego...fulminantemente, Fernão regozijava, misturando-se à turba correu até Cecília para dar a notícia, enfiando a cabeça na janela ele a viu, estirada no chão, com a palidez dos mortos, com o pescoço rasgado por um caco da caneca, sangue espalhado pelos cabelos e os olhos abertos tinham um estranha expressão de alegria...
Cristina Gaspar
Enviado por Cristina Gaspar em 13/01/2018
Reeditado em 14/01/2018
Código do texto: T6225432
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