A ÚLTIMA NOITE
Não fazia muito tempo que Alceu tinha ido se deitar em seu quarto naquela noite fria e chuvosa quando o seu velho companheiro começou a rosnar na sala. O cão era sua única companhia desde que seus filhos o abandonaram, sua mulher tinha morrido.
Depois de calçar o chinelo de borracha um pouco desgastada, foi arrastando os pés em direção a sala.
- O que foi Sam? Porque diabos esta rosnando a essa hora? – disse Alceu.
O cachorro virou os olhos para o dono como se dissesse alguma coisa.
Os rosnados deram vez a uivos e latidos. Sam estava bravo. Com as grandes patas arranhava o chão insistentemente.
- Esta vendo algo Sam?
Alceu percebeu que a chuva aumentava do lado de fora. Ventava muito também. As luzes começaram a piscar. Era assim toda vez que chovia forte na região de Cachoeira Nova, no sul de Minas Gerais.
Por fim a luz se apagou por completo.
Alceu vasculhou a casa a procura de uma vela ou lanterna enquanto seu cachorro não parava de latir. Ele não se cansava.
Sam deitou o chão da sala totalmente arranhado e latia olhando e direção a ele. Alceu se abaixou no solo e parou do lado do cão. Bem devagar o homem foi inclinando a cabeça com a intenção de colocar seu ouvido sobre o chão para tentar ouvir algo.
A vitrola velha que ficava na sala começou a tocar.
- Mais o que esta acontecendo aqui nessa casa? – perguntou Alceu a si mesmo depois de levantar-se do chão indo desligar a vitrola.
O homem não conseguiu ouvir nenhum ruído vindo do solo.
- Pare de latir Sam, não há nada aqui – disse Alceu.
Após dar as costas para o cão que dormia em um pequeno tapete na sala, Alceu pôde ainda ouvir um som antes que voltasse para o seu quarto.
- Toc, Toc! – alguém bateu na porta.
- O que passa na cabeça de alguém bater na porta de outra a essa hora da noite em meio a um temporal desses – resmungou.
Ele então abriu a porta. Não havia ninguém ali. Olhou para os dois lados para ter certeza. Com raiva bateu a porta com força esquecendo-se de tranca - lá.
Voltou para o quarto e se deitou novamente.
Sam ainda rosnava baixinho.
A casa de Alceu era simples, porém aconchegante. Uma cozinha pequena, dois quartos, uma sala e um banheiro apenas. Na sala ficava um sofá, uma TV pequena de quatorze polegadas que ficava em cima de uma estante e uma mesa de centro. Nas paredes ficavam suas maiores recordações: as fotos dos filhos e da mulher que tanto amava.
Ainda naquela noite, quando o ponteiro do relógio já se aproximava de meia noite, Sam voltou a latir. Estava mais enfurecido. Alceu levantou-se da cama resmungando pronto para atacar o cão que tanto lhe importunava a noite de sono.
A porta estava aberta. Um pouco aberta, pela metade. O cão latia em direção a ela. Estava escuro.
- O que foi dessa vez Sam? Esqueci de trancar a porta já sei- disse Alceu.
Alceu já estava perto da porta, prestes a fechá-la quando percebeu que alguma coisa fazia força do lado contrário impedindo-o de trancá-la.
Sam agarrou a barra da calça do dono com os dentes puxando-o para trás.
- Me largue cachorro! – disse Alceu sacudindo a perna.
O homem continuava a fazer força para tentar fazer com que a porta se fechasse, mas não conseguia. A força do lado de fora era maior. Muito maior. Quando percebeu que já não mais dava conta de lutar com tanta força, Alceu tomou o cão em seus braços e evadiu-se da sala a passos largos.
Do seu quarto ele ouviu um barulho de vidros sendo estilhaçados com brutalidade. Os porta-retratos onde ficavam as fotos dos filhos e da mulher haviam se partido ao meio. Naquele momento, ainda de madrugada a chuva já dava sinais de que em breve iria cessar e a ventania forte que soprava do lado de fora já não mais existia e deu lugar a uma breve brisa suave. A tempestade estava chegando ao fim. Mas na casa de Alceu tudo estava apenas começando.
Alceu então voltou novamente para a sala, naquele momento já parecia ter perdido o medo da coisa com a qual duelo por alguns instantes na porta. Abaixou-se no tapete marrom e com as mãos tateou o chão na tentativa de recuperar algumas fotos já que outras foram levadas pelo vento.
- Droga! – gritou.
Suas mãos estavam sangrando. Tinha se cortado com os vidros do porta retrato.
Quando ergueu para se levantar do tapete sentiu algo tocar suas costas.
- Ora Sam, é você de novo – disse.
Ao virar-se para trás Alceu teve uma surpresa nada agradável. Não era seu cachorro.
- O que você quer de mim?
Estas foram as últimas palavras de Alceu antes de ser tomado por aquela coisa horrível.