UM PRESENTE PARA LÚCIA

Véspera de Natal. A pequena Lúcia assiste a mãe costurar na sala.

- Mamãe! – chama a menina.

O barulho da máquina de costura não deixa Carmem ouvir a filha.

A menina cansada de chamar resolve cutucar a mãe que então lhe atende.

- O que foi Lúcia?

- Eu quero te pedir uma coisa mãe.

- O que é?

- Eu quero um presente de natal.

- Presente? Que presente?

- Uma boneca. Todas as minhas amigas têm bonecas e eu não tenho nenhuma.

- Você não é igual a todo mundo Lúcia e nós não temos dinheiro para comprar uma boneca, elas são muito caras por aqui, tudo esta pela hora da morte. Seu pai está desempregado e o pouco que ganho é para pagar as despesas da casa.

- Mas mãe – insiste a menina.

- Eu vou ver o que posso comprar pra você filha, mas não será uma boneca. Agora me deixe terminar essa costura, a cliente não demora vir buscar.

A menina ficou cabisbaixa, com um olhar melancólico.

Sua mãe voltou para sua costura.

A casa onde Lúcia morava com a família era muito simples, porém muito aconchegante.

Já era noite. Chovia forte do lado de fora. O pai de Lúcia chegou, está voltando da cidade vizinha onde foi fazer uma entrevista de emprego. Suas roupas estavam encharcadas e suas botas sujas de lama.

- Como foi a entrevista querido?

- Acho que fui bem. Vou tomar um banho, essa chuva me pegou de surpresa – responde Heraldo.

- Papai! Que bom que o senhor chegou!

- Lúcia, estou todo molhado minha filha.

- Eu quero te pedir uma coisa papai.

- Calma Lúcia, tudo bem. Deixe-me tomar um banho quente e trocar de roupa e depois conversamos.

Reunidos em volta da mesa para o jantar, Lúcia continuou.

- Estou faminto!

Carmem serviu o esposo. Um pedaço de carne, arroz com legumes e um pouco de feijão.

- Calma querido, a comida não fugir do prato – diz a mulher ao perceber a rapidez com que Heraldo devora a comida.

Lúcia ri.

- Imagine que agora Lúcia inventou de querer uma boneca de presente.

- Uma boneca?

- Sim.

- Mas elas são muito caras, não teremos dinheiro pra isso.

- Foi o que disse a ela.

- Mas pai. Eu não tenho nenhuma boneca. Todo natal eu não ganho nada.

- Como assim não ganha nada? Você sempre teve o meu amor e o de sua mãe, presente mais valioso não existe – disse Heraldo palitando os dentes amarelados depois de dar a última garfada.

- Eu sei mais não eu queria uma boneca.

- Menina, não ouviu o que seu pai acabou de falar? – grita Carmem.

Lúcia arregala os olhos e por um momento todos ficam em silêncio.

A menina deixa a mesa e vai para seu quarto. Bate a porta com fúria e da janela assiste a chuva cair do lado de fora. Lentamente lágrimas escorriam de seus olhos.

Neide tira a mesa e vai lavar as louças. No fundo estava de coração partido por não poder dar o presente para sua filha.

No dia seguinte, dia de Natal, já pela noite, o pai de Lúcia resolve caminhar um pouco pelas ruas da cidade. Ele não queria que a menina o visse chorando pelos cantos da casa por não ter como dar o presente que sua filha tanto deseja no natal.

Depois de tanto caminhar e gastar as solas de seus sapatos, Heraldo avista um amontoado de lixo e velharias em frente a um cemitério da cidade. Esta escuro e garoando. Apenas a luz fraca de um poste traz uma claridade mínima no local. Não havia ninguém passando naquela rua, talvez todos já estivessem reunidos com suas famílias para a ceia de natal.

Heraldo se aproximou e começou a vasculhar o lixo. Percebeu que algo se moveu atrás dele. Parecia um vulto, pensou. Continuou a procurar, talvez encontrasse algo de bom ali. Sentiu algo subir pelas pernas. Parou com a procura um momento.

- Ah!!!! – gritou Heraldo.

Um rato havia subido nele.

Depois de se livrar do animal percebeu algo. Era uma boneca.

- Não acredito! Espero que ela goste.

O pai de Lúcia tinha achado uma boneca em meio ao lixo. Estava um pouco suja, rabiscada, com as roupinhas rasgadas, mas talvez pudesse tirar um sorriso da menina, pensou.

Quando estava com a boneca nas mãos viu o portão do cemitério bater com brutalidade. Era como se alguém estivesse com raiva. Mas a ventania foi responsável por fechar o portão.

Na casa de Lúcia a mesa para a ceia já estava pronta.

A mãe da menina surge com um embrulho pequeno e entrega a filha.

- Eu sei que você queria um presente bom filha, mas é somente isso que posso lhe oferecer hoje – diz a mãe enxugando as lágrimas com o pano de prato.

Lúcia não disfarçou a tristeza, abraçou sua mãe e abriu o embrulho com delicadeza.

- Uma meia – disse a menina.

- Sim! É um par de meias minha filha, para aquecer seus pés nas noites frias. Espero que goste – sorri a mãe com os dentes pouco amarelados.

Lúcia coloca o par de meias em uma pequena mesinha de centro na sala.

- Bem agora vamos comer antes que esfrie.

- Calma, eu também tenho um presente para Lúcia.

- Para mim?

- Sim, para você minha filha. Abra! – diz o pai entregando um pacote feito de papel pardo e amarrado por alguns barbantes.

Lúcia então não demora muito para agarrar o pacote. Ela já parecia saber o que era.

Sua mãe observa em silêncio.

-Não acredito pai, é uma boneca!

- Sim, não era esse o presente que queria?

Lúcia abraçou o pai com força.

- Eu te amo papai.

- Eu também. Feliz Natal.

Na mesa da ceia havia um pequeno frango assado, arroz com passas, farofa e um vinho que Neide ganhou de uma cliente. Também havia um suco de frutas para a pequena Lúcia. Todos comiam em silêncio. O rádio velho de Haroldo tocava uma música natalina no fundo. As rádios da cidade sempre colocavam este tipo de canção naquela época, pois sabiam que as famílias gostavam de ouvir.

- Onde conseguiu essa boneca?

- Eu encontrei no lixo.

- No lixo? Você tem coragem de trazer um presente do lixo para a nossa filha?

- Eu não queria ver Lúcia triste.

- Você não devia ter feito isso.

Em seu quarto Lúcia esta contente com a boneca e coloca o presente do lado de sua cama. A menina adormeceu.

A janela do quarto de Lúcia começou a fazer uns barulhos estranhos. Não era o vento. Parecia ser alguém arranhando as janelas querendo entrar. O barulho só aumentava o que fez os pais da menina ouvirem e correrem para ver o que era. Tinha uma sombra na janela. Lentamente Heraldo se aproximou, a passos pequenos que faziam ranger o chão de madeira. Quando esta de cara com a janela Heraldo notou que não havia nada virou-se em direção a porta.

- Olha aquilo ali Heraldo.

- O que foi mulher.

- Na janela, olha – diz Carmem com a voz trêmula.

Quando voltou-se seu olhar pela janela viu uma criança de cabelos ruivos e longos, pele amarelada e suja, roupas rasgadas e um olhar macabro e medonho. Estava agarrada a janela presa por suas longas unhas que mais pareciam garras de um ser qualquer.

A criança apontou o dedo para dentro do quarto.

- A boneca!- diz Carmem – ela está apontando para a boneca.

Lúcia acordou em meio aos gritos e se assustou com o que viu.

- Entregue a boneca logo Heraldo – ordenou a mulher.

- Não, a boneca não – grita Lúcia.

A criança que ainda estava pendurada na janela demonstrou estar ainda mais enfurecida e com uma força tamanha quebrou o vidro e cortou as mãos e entrou no quarto da menina. Com as mãos sujas de sangue a criança macabra ia caminhando lentamente pelo quarto, sujando os lençóis brancos da cama de Lúcia, transformando o quarto em um lugar sinistro e assustador.

Lúcia gritava muito.

- Entregue logo essa maldita boneca pelo amor de Deus!!! – suplicou a mãe de Lúcia ao marido.

Heraldo estava com a boneca agarrada em seus braços e insistia em não obedecer as ordens da mulher.

- Seja lá quem você for, eu não vou te devolver essa boneca. Ela agora pertence a minha filha e não é sua. Sai daqui – ordenou.

A criança que usava um vestido rasgado foi caminhando em direção a Heraldo e o agarrou pelo braço. O homem sentiu as mãos frias daquela menina. Ela foi apertando cada vez mais o braço do homem, a força só parecia aumentar enquanto seu braço ia ficando cada vez mais roxo até que feriu seu braço e o sangue escorreu do mesmo.

Neide tentou tomar a boneca das mãos do marido e acabou arrancando uma das pernas do brinquedo. A criatura voltou-se contra ela dizendo:

- Minha boneca! Minha boneca!

Lúcia estava muito assustada e procurava algum jeito de ajudar seus pais. Então lembrou-se de um filme que havia assistido e pegou um crucifixo e apontou em direção a criança que não ia embora de forma alguma.

Heraldo tomou um dos lençóis da cama de Lúcia e lentamente se aproximou por trás da criança e conseguiu envolve-la no tecido. Depressa a trancou no banheiro enquanto pensava em algo a fazer para se livrar daquilo.

- Não há o que fazer Haroldo, ela quer a boneca. Entregue logo isso que ela vai embora.

- Não! Como saberemos se realmente ela vai embora?

Depois de alguns minutos trancafiada no banheiro a criança saiu ainda mais furiosa dali e foi novamente em direção ao quarto de Lúcia.

- Ela vai derrubar essa porta – grita Carmem.

- Calma!

- Calma! Essa criança está com o diabo no corpo, vai nos matar e você me pede calma Haroldo? Não teme pela vida de sua filha?

A criança chutava a porta com força.

As luzes da casa se apagaram.

Quando a porta caiu só se pode ver os olhos vermelhos e sedentos de sangue e fúria da criança.

Lúcia viu que não tinha saída. Pegou a boneca, encaixou uma das pernas que faltava, tomou coragem e se aproximou. Estendeu o braço em direção àquela menina e lhe entregou a boneca.

A criança saiu.

Depois de alguns instantes a luz retornou e se pode ver a devastação que ficou no quarto de Lúcia.

No chão a menina Lúcia notou que havia um pequeno pedaço de papel dobrado ao meio. Tinha gotas de sangue. Era um papel bastante amarelado. Resolveu pegar. Era uma carta. Em voz alta Lúcia leu as palavras de dor que ali continham e que justificavam tudo aquilo que tinha acabado de acontecer.

Luccas Nascimentto
Enviado por Luccas Nascimentto em 10/12/2017
Reeditado em 15/12/2017
Código do texto: T6195165
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