O dom dos mortos

Existem coisas piores que a morte...

Nada poderia mais no meu peito do que a dor de perdê-la.Eu mal acreditava,já faziam dois anos que ela se fora e eu ainda a sentia tão viva dentro de mim.

Anjel era tudo para mim,sua presença dava vida a fazenda.Eu ainda podia vê-la cavalgando ao entardecer,mas agora eu odiava os malditos cavalos que tiraram minha luz.

Eu fechara o estábulo depois do acidente,depois que Indomable passara com suas patas em cima da cabeça da minha linda Anjel.

Ele era seu corcel favorito por isso eu o matei,cortei cada pedaço de seu corpo para que acompanhasse minha linda Angel em seu descanso eterno.

A vida não foi mais a mesma na fazenda,eu não conseguia mais arranjar empregados.Alguns até fugiam no meio da noite dizendo terem visto um espírito loiro montado em um cavalo costurado.

Eu os chamava de mentirosos,imbecis,estúpidos,preguiçosos.O espírito que eles descreviam era minha linda Anjel,mas não podia ser,Anjel estava morta!

Então numa noite de verão onde a insônia me dominava eu fui ao estábulo,sentia saudades e queria sentir o conforto do lugar preferido de minha Anjel.

Andei pelas baias vazias,toquei as paredes pintadas a mão pela minha bela menina.Encontrei seu chapéu num canto,chorei.Adormeci agarrado ao chapéu em cima do feno velho.

Acordei de súbito ouvindo assovios,barulhos de cascos.A lua estava alta no céu e eu ouvi os passos leves e conhecidos.

Anjel caminhava pelo estábulo,seu rosto pálido reluzia,mas ela estava diferente.Os cabelos quase brancos caiam sobre parte de seu rosto e seus olhos tinham um estranho brilho quando me olhou pegando a sela e os arreios.

Ela foi até o cercado,eu a segui.Então vi uma cena horrenda,Indomable cavalgava ao luar.

Suas partes que eu tinha cortado estavam todas costuradas,dando-lhe uma aparência horrível.

Anjel cavalgou um pouco antes de dirigir o animal em minha direção,desmontar e sorrir para mim dizendo.

- Ele está muito comportado hoje não acha?

- Anjel eu não sei o que dizer...-Eu tinha vontade de tomá-la nos braços mas como se estava morta?

Ela caminhou até mim sorrindo,pegou o chapéu das minhas mãos,me abraçou e ao se afastar disse.

- Adoro esse chapéu,mas tenho que tirar o cabelo do rosto para não grudar...

- Grudar no que Anjel?

- No sangue oras,no que mais seria...- Nesse momento ela afastou o cabelo do rosto e eu vi que a parte coberta estava destruída,lá só se via uma grande macha vermelha.

Tive medo,dei passos para trás.A fisionomia de Anjel mudou,um sorriso sinistro tomou conta de seus lábios,andou até mim dizendo numa voz horrenda.

- O que foi Inácio?Eu não estou bonita? – Ela agora gargalhava como louca.

Tentei afasta-la,fazer sinais de cruz,tentei de tudo,ela apenas se divertia.

Me apertou contra a parede próxima,mordeu meu peito arrancou carne,tudo foi ficando escuro ao meu redor então ela disse.

- Eu falei que voltaria amorzinho,esse é o dom dos mortos...

Depois eu não vi mais nada.Estava condenado ao inferno para sempre,tendo por companhia a horrenda forma da que foi um dia meu raio de sol...