Bala de prata
Carolina escutou os passos leves rangindo as tábuas do assoalho... seu coração palpitou. A luz que vinha da janela produzida pelo poste que ficava a poucos metros, faziam o seu quarto amarelar. As cortinas flutuavam e as sombras das bonecas se mexiam conforme o seu balançar. Ela não ousava abrir a porta para ver quem se aproximava, apenas cobrira-se com o seu cobertor grosso para se sentir protegida...que engano!
A maçaneta da porta se mexeu; a porta rangiu; o vento entrou como uma brisa congelante.
Um grito de horror saiu do quarto de Carolina.
O amarelo do quarto se misturou com uma cor escarlate. Seu fora pintado com sangue. Ela desapareceu.
Os lençóis e as cortinas rasgados são testemunhas de uma taque feroz. Talvez uma criatura, pois quem seria capaz de um ataque tão fatal e violento?
As cortinas e o colchão estavam como que cortados com facas, os travesseiros despedaçados. E as bonecas de porcelana agora sorriam com o sangue da vítima manchando seus pequeninos rostos.
Seu pai entra no quarto de pijama com uma espingarda na mão. Quando vê a cena, suas pernas tremem e suas mãos deixam cair a arma no chão, ele mal podia acreditar no que havia acontecido.
_Carolina... Carolina...
Tirou forças e correu para a janela para ver se via alguém, mas nada viu, além de pistas do sangue de sua filha pelo lado de fora da casa.
_Foi ele! Só pode ter sido aquele animal abominável! Vou caça-lo e matá-lo, nem que isso dure o resto da minha vida!
Seu Salomão saiu pelo corredor transtornado.
_ Fred, seu imprestável, acorde!.
O rapaz acordou sobre tapas.
_ O que está acontecendo?
_ Não me diga que não escutou os gritos. Você não serve para nada mesmo!.
_ Desculpe! Que gritos o senhor está falando?.
_ Carolina... minha querida filha, desapareceu. Uma fera a levou.
_ De que fera o senhor está falando?.
_ Não te pago para fazer perguntas! Vista-se e venha comigo!
_ Para onde vamos, senhor Salomão?.
_ Não faça perguntas, já disse!.
Os dois prepararam-se como se fossem para uma guerra e saíram pela noite escura.
Em seu casaco marrom-escuro, Salomão contava as balas de prata, uma a uma.
Um grito fraco chegou aos ouvidos dos dois, era a voz de Carolina que inacreditavelmente ainda estava viva.
_ Ouça, Fred, é Carolina. Vamos, ela está perto. Tome cuidado!.
A passos lentos os dois aproximaram-se de uma velha casa abandonada que ficava perto do túnel da grande estrada.
_ Fred, fique comigo!_ disse Salomão tentando alcançar atrás o braço de Fred mas não o encontrou, ele não estava mais lá.
Fred... Fred... Salomão chamava baixinho, mas não encontrava resposta.
Escutou-se de novo aquela voz fraca vindo do interior da casa. Salomão colocou as balas de prata na espingarda, colocou-a em posição de atirar, e foi caminhando passo a passo para a frente da casa, ignorando o sumiço do rapaz.
De repente tudo ficou silêncio.
Carolina, Carolina!- Chamou seu pai.
_ Papai... papai...
Abriu a velha porta aos pedaços e acendeu um isqueiro.
Viu um pouco mais a frente uma lamparina acesa que o guiava até o caminho certo.
Carolina estava deitada numa mesa, seminua com parte de sua camisola branca cobrindo suas partes íntimas.
Vindo de uma parte escura do compartimento, uma sobra.
Uma imagem que foi ficando mais familiar ao passo que se aproximava.
Fred?
_ O quê? Não, não pode ser você!.
_ Por que não? Porque eu sou apenas um miserável empregadinho?- Fred dizia limpando o sangue de suas mãos em seu corpo seminu.
_ Mas como isso é possível? Você estava bem atrás de mim. E o que você fez com a minha filha?.
_ Por onde eu começo? Deixe-me ver... ah, já sei. Tudo começou quando você quis me matar.
Salomão não fazia ideia do que ele estava falando.
Eu era aquele pequeno garotinho que você jogou no rio, tentando extinguir a maldição da minha família.
_ Vitor, é você? Mas como? Você morreu.
Não é bem assim que eu me lembro.
Alguém me tirou do rio e me levou para casa, ai quando chegou a lua cheia eu o comi. Não fique chocado, eu precisava me alimentar!
Depois disso, voltei para a minha casa e todos estavam lá, minha família, um por um, mortos, por você!.
_ Você não entende, Vitor, essa abominação não podia continuar, era meu dever.
Vitor pega uma faca e passa nos cabelos loiros de Carolina.
Se era seu dever ou não agora já não faz mais diferença, faz?.
Não! Espere, Vitor! Se quer se vingar, vingue-se de mim. Deixe-a em paz!.
_Mas porque eu faria isso? Eu também não tenho escolha, preciso de um herdeiro.
_Como assim? O que você fez com ela, seu desgraçado!
As mãos de Salomão tremiam com a arma apontada para Vitor.
Logo que viu o quarto de Carolina, Salomão soube no mesmo instante que isso só podia ser obra de um lobisomem.
_ Sabia que Carolina havia sido levada por um de vocês.
_ E porque pensou isso? Não achava que estávamos extintos?Argumentou Vitor.
Salomão olha para o chão e diz: Há muitos anos soube que meu irmão havia sido mordido por um de vocês, antes de eu tê-los matado.
_ Ora, ora, ora. Titio lobisomem. Isso está cada vez melhor!.
_ Meu amor, você tem um titio lobisomem. Agora seremos uma grande família feliz!.
_ Sabe, seu velho idiota! Não foi fácil aturar sua chatice nesses três anos. Mas em fim, quando se tem um objetivo, tem-se que engolir alguns sapos.
Bem, mas agora sim, não preciso mais me fazer de empregado estúpido para te enganar. Meu único desejo era Carolina.
Carolina... como eu a desejava!. Mas eu teria que esperar o momento certo para possuí-la que no caso seria hoje, seu décimo sétimo aniversário. Ah, e já fiz isso. Agora sua filha terá um filho meu, uma criatura que você odeia.
A pergunta agora é: você terá coragem de joga-lo no rio como fez comigo?.
_ Seu... Salomão falou com raiva.
_ Seu o quê? Animal? Eu já estou acostumado com isso.
_ Papai, mate-me! Não deixe outra criatura dessas vim ao mundo. Eu já estou morta mesmo, perdi muito sangue.
_ Minha filha, eu não posso fazer isso. Não!.
_ Mas a ele sim, eu posso matar.
_ Isso, mate-me, Salomão! Meu objetivo já está concretizado. Minha espécie vai continuar através de sua filha.
Um tiro.
_ Vá para o inferno! Salomão disse.
Vitor caiu de joelhos com a bala de prata em seu peito.
Ele sorriu e caiu no chão.
_ Agora, mate-me, papai! Vamos, acabe com isso agora!.
_ Não poderei fazer isso!.
_ De-me a arma aqui, papai.
Salomão já sabia o que Carolina ia fazer. E apesar de amar sua filha, sabia que ela faria o que fosse preciso para não por a vida de outras pessoas em risco.
Salomão deu-lhe a arma, e olhando em seus olhos disse: Meu amor, você é tudo o que tenho! Eu te amo, querida!.
_ Eu também te amo, papai. Agora saia daqui!
Salomão saiu da casa, fechou a porta da velha casa e correu o mais rápido que pode. Suas lágrimas caiam em seu rosto enrugado enquanto trilhava seu caminho de volta à casa.
Ao longe ele escura um tiro... Seu coração pára.
_ Carolina!