O Espelho de Lery Algoz
Os ventos gélidos, o céu escuro e a alta umidade. Nem se quer parecia ser tão cedo. O cigarro estava no seu fim, mal dava para perceber que estava acesso com todo aquele vento. A visão da janela era única e resplandecente. Talvez mais turvo que aquele momento, era a sua mente.
Lery Algoz era um notório escritor, mas nos dias atuais, com a facilidade de auto divulgação, seus textos não eram lidos por mais de algumas centenas de desocupados.
Sua profissão nem mesmo em tempos longínquos era algo que lhe daria uma renda favorável, seus problemas com as dividas em conjunto com seus próprios pensamentos não convencionais, o fazia perder o controle e se mergulhar em um mar de depressão.
“Fiquei vagando a esmo na chuva, fiquei pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada”. Em nada ele queria pensar, mesmo que seus desejos e ânsias fossem seu combustível dourado.
Já era tarde quando ele voltou, todo ensopado, não fez questão de ligar as luzes. Escondido nas sombras, alguém o observa, sentado em uma cadeira de madeira que deveria estar na cozinha.
Lery não estava em condições de perceber que aquilo era algo estranho, mas inconscientemente aceitou a cena, esperando que fosse alguém mandado para mata-lo.
“Atrás de todo espelho, há uma luz invisível a todos” Disse o sujeito na sombra. Lery se virou e o encarou, sem conseguir ver do que se tratava. “Não tenho nada a lhe oferecer, saia da minha casa” disse Lery ignorando o sujeito.
“Não deveria temer uma ajuda amiga, uma vez que trago a solução de seus problemas, o santo remédio” continuou o sujeito, de forma bastante calma, como se não tivesse pressa para ser ouvido.
“Não acredito em curandeiros, ninguém cura caráter, não há como curar a natureza do ser.” O jovem garoto se jogou no chão, sentando-se encostado á parede.
“Agora vejo que estamos começando a dialogar, mas não quero lamentos e muito menos ouvir tudo aquilo que já sei a seu respeito” O sujeito parecia bem seguro de suas palavras, de uma forma suspeitamente segura.
Lery se levantou e ascendeu a luz, quando levantou a cabeça assustou-se com tamanha peça que sua mente provavelmente estava a te pregar. A sua frente, no exato lugar onde estava o sujeito, nada mais tinha do que um espelho, refletindo sua própria imagem.
Eu sabia exatamente o que fazer e como fazer, mesmo que a sombra daquela entidade não tivesse me falado. Fui dormir, esperando que no dia seguinte tudo não passasse de um simples sonho, mas não foi o que ocorreu.
As minhas capacidades de compreensão daquele evento eram mais baixas do que a minha vontade de continuar vivo. Falho e errado em meus aspectos e minha psique, vi naquele momento uma irônica chance de mudar o irreparável.
Por muitos dias seguidos recusei ver minha face naquele estranho espelho, mas certo dia, depois de saber que a única mulher que eu amei havia falecido em um trágico acidente de trânsito com a família. Retirei o velho e empoeirado lenço branco e encarei meus medos, de um modo que eu nunca tinha feito em toda a minha vida. Eu nunca tinha dito a ela o que sentia, minhas únicas palavras foram "me desculpe" por um simples desencontro que ocorrera mais cedo.
Naquele dia em especial eu perdi o amor, o deixei com o meu alter ego do espelho. Meu coração ficou mais leve e minha alma se sentiu em paz, não havia mais motivos para sofrer por nenhum ser vivo, nempor mim mesmo. As luas passaram e a cada novo problema que me ocorria eu logo recorria a meu novo amigo, o espelho.
Deixei com ele a inveja, o orgulho, a mentira e a cada vez que eu o confrontava, mais leve eu me sentia. Mudei-me daquela casa antiga e fúnebre e fui para a cidade grande, consegui emprego e não demorou muito para que eu estivesse nos altos patamares da burguesia...
O espelho estava comigo a todo instante, naquela altura já era impossível uma separação. Minha vida era apenas cumprir metas e conseguir tudo que eu não havia conseguindo sendo o que eu era antes. Mas sempre acabava recorrendo ao espelho, os anos foram passando e meus sentimentos e angustias foram sendo sugados e atribuídos ao meu alter ego. Quando dei por mim eu estava velho, de cabelos grisalhos, enquanto meu eu do espelho se mostrava novo e cheio de vida.
O presente divino se mostrou uma verdadeira ratoeira para um pobre pecador faminto. Não tinha se passado mais de 15 anos, mas eu sentia como se fosse mais de 40. Certo dia cheguei em casa e ao ligar todas as luzes de minha preciosa propriedade, percebi que tinha visitas, visitas carmicas. Mas ao contrario da aparição de quinze anos atrás naquele mórbido dia chuvoso, era meu alter ego defeituoso que estava sentado em meu sofá, tomando um gole de uma garrafa selecionada da minha subestimada coleção de Martínez escocês.
Aquela visão não me assustava, muito pior provocava algum tipo de reviravolta no meu estômago, eu já não tinha muito que sentir. Olhando para mim com um sorriso irônico, o meu eu do espelho me convidou a beber junto com ele.
Após alguns goles ele começou a falar "Vejo que conseguiu tudo que você queria Lery. Fama, dinheiro, prostitutas para sugar seu dinheiro”.
Eu apenas acenei com a cabeça concordando. "Então porque este tão cansado? Como um velho amargurado?" Ambos sabíamos os motivos, afinal ninguém me conheceria melhor do que eu mesmo.
"Lery, Lery, Lery... você me deu de bom agrado muito mais do que era esperado, mas notamos sua falha em saber as regras do jogo, tudo que lhe resta é a sua alma vazia, alma esta que não lhe pertence mais" Ele parecia muito convencido, seu sorriso parecia sereno, porém demoníaco.
Levantei e me recusei a continuar o ouvindo. Mas algo parecia prender minhas pernas junto ao chão, após terminar seu drink enquanto eu me debatia, quebrou o silêncio ao se levantar.
"foi lhe dado o direito de escolha, ninguém, nem Deus e nem o Diabo lhe forçou a usar o espelho, mas mesmo assim... Sua alma estará presa á aquele espelho como todo resto de você, ficara pressa a sua estimada casa para sempre, ate que alguém ofereça um corpo para nós dois, pois este não seria útil nem a Safael." Dito isso ele andou calmamente em minha direção, e com o meu canivete inglês abriu o meu peito, no qual não havia mais órgãos, nem mesmo um coração a pulsar, o eu, que naquela altura já se tornara uma criatura, retirou de dentro de mim, a única coisa que sustentava meu fraco corpo físico acabado, retirou o brilho de minha alma.
Neste momento, todo meu corpo desmoronou em cinzas que ficaram espalhadas pelo chão. Quanto a minha alma e a criatura, voltaram para o espelho e nunca saíram de lá, esperando uma vitima para que nós dois pudéssemos voltar ao meio físico. Aquele pacto me deu tudo, mas me tirou aquilo que não teria mais volta. Mas eles ainda ouvirão meu nome outra vez, Lery algoz, alguém que não estará nem entre os vivos e nem entre os mortos.