Na saúde e na doença, na alegria e na tristeza,até que a morte nos separe?
Eu estou livre da minha esposa, não aguentava mais conviver com uma enferma. Ouvir aquela tosse seca, aqueles lamentos baixinhos, o cheiro meio adocicado que emanava dela, era demais para mim.
Enquanto ela dormia na noite passada me aproximei dela, e a sufoquei com um travesseiro. Me senti vivo pela primeira vez depois de anos.
Sentir ela usar a pouca força que ainda lhe restava para escapar do seu destino final,me fez sentir uma sensação indescritível.
Peguei o corpo sem vida da minha esposa coloquei no porta malas do carro e segui em direção ao mangue localizado a dez quilômetros da minha casa, onde a deixaria com os jacarés e outros animais que vivessem ali.
Depois disso pegaria minhas coisas e sumiria no mundo, vou mudar de cidade.Mas isso farei amanhã, essa noite quero curtir minha liberdade.
Estacionei o carro em um puteiro de beira de estrada e subir para o quarto com duas putas.
A cada estocada que eu dava eu me lembrava da minha esposa, os gemidos falsos das putas estavam me irritando e comecei a sentir vontade de ceifar a vida delas, respirei fundo tirei rudemente uma das piranhas de cima de mim, joguei uma note de cinquenta sobre a cama e sai do quarto ouvindo os protestos das putas as minhas costas.
Fui para casa para preparar minhas coisas e ir recomeçar em algum outro lugar.
Chegando em casa encontrei a porta da frente aberta. Entrei com cautela e observei algumas pegadas enlameadas no chão, segui as marcas que subiam a escada em direção ao meu quarto.
Não podia ser, aquela tosse era a tosse que eu tanto odiava, corri em direção ao quarto e não encontrei ninguém, somente as pegadas estavam ali, indo em direção a cama que estava do mesmo jeito que eu havia deixado.
O segundo grande susto da noite veio quando eu ouvir a canção Ne Me Quitte Pas interpretada pela cantora Maísa sendo tocada no volume máximo no rádio da sala.
Caminhei até a sacada e ao olhar para baixo avistei o que pareciam pernas banhadas pela luz da lua, podia ver apenas até as canelas, e daquela distancia me pareciam estar se movendo ao ritmo da música, parecia estar dançando algum tipo de balé, e por Deus, minha mulher fez balé em sua juventude. Na metade do caminho escutei aquela tosse seca, aquilo fez eriçar os cabelos da minha nuca.O rádio desligou, mas uma voz parecida com a da minha esposa continuo cantando a canção: “Ne me quitte pas, Il faut oublier
tout peut s'oublier qui s'enfuit déjà”
A medida que cantava a luz da lua ia iluminando aquelas pernas, agora eu podia ver até as coxas, e estava caminhando na minha direção, eu estava gelado. Tinha urinado nas calças, não conseguia fazer mais nada além de observar.
“Oublier le temps des malentendus
et le temps perdu a savoir comment
Oublier ces heures qui tuaient parfois a coups de pourquoi
le coeur du bonheur”
Agora enquanto subia os degraus eu podia ver minha esposa, que caminhava lentamente em minha direção, ao se aproximar de mim estendeu os dois braços para segurar minhas mãos e continuou cantando:“Ne me quitte pas,Ne me quitte pas,Ne me quitte pas”
Me puxou para junto de seu corpo e eu só conseguia tremer, senti sua boca fria empurrando sua língua para dentro da minha boca, senti o gosto podre das aguas do mangue entrar pela minha garganta,eu estava me afogando, e não tinha forças para me soltar daquele abraço.
Em seguida sem eu esperar ela me segurou com mais força ainda e pulou comigo da sacada.
Acordei no hospital alguns dias depois, descobri que estava tetraplégico e precisaria de cuidados por toda a minha vida. A morte da minha esposa havia sido descoberta, mas essas coisas não são a pior parte, a pior parte é a visita dela todas as noites cantando para mim: Ne me quitte pas